Nos últimos anos, principalmente com o advento contínuo dos processos tecnológicos, o jornalismo, tal como era conhecido, sofreu por inúmeras transformações, desde Gutenberg até o século 21. Diante do contexto social e econômico instaurado, sobretudo a partir de novos paradigmas estabelecidos, o jornalismo precisou, novamente, adaptar-se à nova conjuntura e aos novos conceitos. No entanto, ao passo que vemos essa reestruturação do jornalismo, tomando como referencial os meios massivos “visualizáveis” em nossa retina, percebemos uma série de reações consequentes que este processo causou e continua a provocar, os quais alguns serão discutidos a seguir de forma sintética.
Atualmente, diversas tensões pressupõem o fazer jornalístico, talvez, uma das principais seja a questão econômica que se instaura nas diversas formas de jornalismo [necessário explicitar que as reflexões que se pretende e sucedem neste texto não buscam ser demasiado otimistas ou pessimistas, mas realistas e duras, quando necessário]. O jornal, por exemplo, é uma atividade, um elemento ligado ao interesse público, mas também econômicos. Não há objetividade do repórter e muito menos do jornalismo [cada jornalista carrega consigo uma formação cultura, um blackground pessoal e eventualmente opiniões muito firmes a respeito do próprio fato que está testemunhando, o que o leva a ver de maneira distinta de outro companheiro de profissão (ROSSI, 2005, p.10)]. O jornal impõe limites, mas, na medida do possível, o jornalista tem que ser criativo. A empresa jornalística dificilmente esconde sua postura política, muita das vezes expressa diretamente pelo editorial do veículo. Não raro os interesses dos donos [embora no Brasil a melhor expressão seja “famílias”, já que grande parte da imprensa brasileira concentra-se nas mãos de grupos familiares] superam e perpassam o que deveria ser de interesse público e do público.
Diante da consolidação da democracia e do sistema capitalista, da corrida frenética pelo lucro, a sociedade precisou, mais uma vez, adaptar-se aos novos conceitos e remodelar-se para não sucumbir diante de novos paradigmas. Com isso, seria ignorância tratar que o capitalismo apenas modificou o papel primordial da imprensa (e apocalíptico demais declarar o jornalismo como o único afetado). Muitas profissões também sofreram do mesmo destino do jornalismo: os farmacêuticos estão mais interessados em vender remédios, curar é consequência. Os médicos estão mais interessados em consultas, o bem-estar também é consequência. Há pessoas que lucram com as doenças no mundo, não há dúvidas.
Condições mínimas de trabalho
Nesta conjuntura, mostra-se quase evidente a impossibilidade de realização de uma imprensa independente no capitalismo monopolista e, de certa forma, sempre foi assim:
“A imprensa deve estar sempre a serviço, o grande diferencial em um e em outros sistemas é a quem ela está servindo, mas sua existência totalmente independente é uma ilusão, um engano. A imprensa não pode se desvincular totalmente de tudo e de todos” (RODRIGUES, 2004, p. 192-193).
Logo, seria este compromisso pautado no pessoal ou empresarial (enquanto funcionário de uma empresa de comunicação que possui “interesses próprios”) e não social, à margem de uma verdade coletiva? Se tudo o que sabemos é pela mídia deles, será que já imaginamos o que sabem os donos da comunicação que só deixam sair 10% do que sabem?
Pois é; tem gente que faz greve, faz revolução, faz terrorismo, todas essas besteiras. Corajoso mesmo, eu acho, é falar mal de dono de comunicação. Aí, sua revolução fica chinfrim, teu terrorismo sai em corpo 6 e se você morre vai lá pro fundo do jornal em quatro linhas (FERNANDES, 2006, p. 19).
Outra problemática do jornalismo, que vem aplicada à lógica de mercado capitalista de baixo custo e lucro elevado, leva à desvalorização do jornalista. Personagens tradicionais do jornalismo vêm gradativamente desaparecendo das redações contemporâneas [a exemplo do pauteiro e do secretário de redação], vítimas de um processo de corte de verbas excessivo, poucos investimentos em vários âmbitos e alimentados pela não obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão.
Tudo isso gera um quadro crônico e, não raro, abusivo da mão-de-obra jornalística (incluindo estagiários) que precisa desempenhar mais de uma tarefa, apesar de ganhar um salário desproporcional ao serviço e, muitas vezes, sem o pagamento de horas-extras [vale lembrar o movimento “Jornalista Vale Mais”, deflagrado pelos funcionários do impresso Diário do Pará e do site Diário Online, da cidade de Belém do Pará, com apoio do Sindicado dos Jornalistas no Estado do Pará (Sinjor). O episódio ocorreu em outubro de 2013; no entanto, pode-se considerá-lo um marco recente na história do jornalismo paraense. Muitos funcionários chegavam a ganhar menos de 1.000,00 R$ por mês e reclamavam por condições mínimas de trabalho, como água mineral e segurança]. Luta-se, principalmente dentro das redações brasileiras, pelo básico alcançado por muitos setores da sociedade, como condições mínimas para o exercício do trabalho e um piso fixo para a profissão de jornalista no país.
“Cumprir ordens do chefe”
Em relação ao jornalismo do futuro, este jornalismo imerso nas novas tecnologias e plataformas digitais, o século 21 se configura como de escolhas e mudanças. O jornalismo do futuro envolverá todos os tipos de meios de comunicação: novos e velhos, para minorias e para as massas, o pessoal e o global. Combinará as palavras, imagens e som. E será divulgado não só pelos profissionais que normalmente possuem essa tarefa, os jornalistas, mas, pelo contrário e seguindo a lógica tal como já é visível hoje, também pelo seu público (KOLODZY, 2006).
Na era das novas tecnologias, falar em jornalismo nos leva o pensamento automaticamente à crise do jornalismo. Esta, contudo, não significa o fim de tudo, pelo contrário, pode representar uma nova oportunidade ao jornalismo. É bem verdade que “uma edição do The New York Times em um dia da semana contém mais informações do que o comum dos mortais poderia receber durante toda a vida na Inglaterra do século XVIII” (WURMAN, 1991, p. 36).
Como já escrevi em outro texto publicado no Observatório da Imprensa, o bom jornalismo, refém do capitalismo e da autocensura, continuará a ser mero porta-voz. Este jornalismo, já que não assume uma autocrítica e reflexão em relação ao seu atual fazer profissional e diante dos erros de suas próprias vitórias, será fadado ao descrédito e não encontrará amparo em uma sociedade cada vez mais a procura de respostas para os seus problemas. Torno a dizer que há uma incapacidade por parte do mercado, e por vezes do profissional, em refletir o exercer de sua profissão, em responder positivamente diante das enormes possibilidades colocadas pela democracia. Ademais, há uma covardia profissional, como afirmou Lúcio Flávio Pinto em entrevista ao Observatório da Imprensa, alguns jornalistas brasileiros e uma parte dos jornalistas no mundo não querem, hoje, correr riscos, querem uma carreira linear, um lead linear, como diria Marcuzzi.
O povo passa a ver suas demandas ficarem silenciadas pelos profissionais que deveriam ser críticos, mas que estão mais preocupados em manter o emprego do que em fazer jornalismo. Heródoto Barbeiro e Paulo Lima dizem no livro Manual de Telejornalismo que “ninguém se exime da justificativa de que ‘apenas cumpriu ordens do chefe’”.
Acesso à mídia
Este é o melhor dos tempos e o pior dos tempos, ou seja, as possibilidades, tanto para o jornalista quanto para a audiência, aparenta multiplicar-se imensamente. Porém, a fragmentação do público, a concentração empresarial e a dificuldade do jornalista em gerir o seu ofício mostra as dificuldades de uma imprensa que alcançou seus objetivos e, agora, não sabe lidar com as implicações deles.
Talvez a palavra que melhor traduza “o melhor dos tempos e o pior dos tempos” seja convergência. Esta é a palavra em que todos os meios de comunicação pensam hoje. Para tanto, o primeiro passo para alcançar essa convergência é reduzir os obstáculos que dividem os jornalistas convencionais e jornalistas online.
Diante dessas questões, entre outras pertinentes ao jornalismo, há algum tempo se instaurou o debate sobre os Sistemas Públicos de Comunicação nas escolas de jornalismo. Questiona-se a intervenção do Estado brasileiro na Comunicação; essa discussão, bastante atual, choca-se com o princípio que garante o direito humano à comunicação, não se restringindo ao consumidor.
No Brasil, impera um faroeste em que somente aqueles que detém poder, seja ele político, financeiro, social etc., possui acesso aos meios, comodamente quase todos controlados pela iniciativa privada, compreendendo um ambiente desregulamentado.
Nem tudo são flores
Sob controle do mercado, modelo de negócio que sustentam as empresas comunicacionais, a grande parte dos meios de comunicação tomam por foco principal o lucro, tornando-se secundário o dever de abarcar a diversidade e de cooperar com a constituição de uma cidadania, por exemplo. Para isso, surgiria o Sistema Público de Comunicação, para contemplar o que o mercado nem sempre faz.
A mídia privada brasileira, não obstante de ter progredido expressivamente no que tange à qualidade técnica, não avançou na tarefa (muito menos a assumiu) de garantir a vez e a voz das pessoas do Brasil (de uma forma mais ampla). Essa imprensa tradicional dificilmente voltará a dar voz a todos e promover mudanças. Deixando aí uma lacuna a ser preenchida pelo fomento de meios públicos para tornar esse direito garantido, do mesmo modo que demais serviços prestados pelo governo.
Ao atuar no campo que a imprensa servil ao sistema e favorável ao status quo tratou de se distanciar, tomando para si o princípio jornalístico de aflorar os conflitos e produzir alterações significativas na intenção de que “os comportamentos e as ações sociais, derivadas dos atos comunicativos do jornalismo, realimentasse o processo social, provocando transformações nos cenários da atualidade e da ordenação ética, política e moral da sociedade”, como disse o pesquisador Manuel Carlos Chaparro, membro do Conselho Curador da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e ganhador de quatro Prêmios Esso de Jornalismo pelas suas matérias investigativas a respeito da função social do jornalismo. Não existe, pois, jornalismo se você não tem a intenção, direta ou indireta, de provocar uma mudança ou transformação social.
No entanto, como nem tudo são flores, o Sistema Público de Comunicação Brasileiro, representado pela Empresa Brasileira de Televisão (EBC), carece provar para a sociedade, de fato, se suas emissoras, enquanto ditas “provedoras de caráter público”, não recaiam na assessoria governamental, o que frequentemente ocorre. Sua orientação deve procurar dissociar-se do aspecto apologista de “emissora pertencente ao governo” para alcançar uma outra esfera e inserir-se, atualmente, em um novo modelo, assumindo especiais características, indo do circuito estritamente estatizado para o de emissoras públicas.
Referências
BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo. Manual de Telejornalismo: Os segredos da notícia na TV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2002. v. 4. Reimpressão.
INTERVOZES. “Sistemas Públicos de Comunicação no Mundo: experiência de doze países e o caso brasileiro”. São Paulo: Paulus, 2009. (Coleção Comunicação).
FERNANDES, Millôr. Que país é este? 2ª ed.Rio de Janeiro: Desiderata, 2006.
FLIZIKOWSKI, Marcio. “O desafio do jornalismo no século 21”. Observatório da Imprensa, São Paulo, nº 278. 25 mai. 2004.
KOLODZY, Janet. Convergence journalism: writing and reporting across the news media. USA: The Rowman & Littlefield Publishing, 2006.
MACEDO, Tarcízio. “Cultura, ditadura e imprensa alternativa”. Observatório da Imprensa, São Paulo, nº 722. 27 nov. 2012.
PINTO, Lúcio Flávio. “Contra a covardia profissional”. Observatório da Imprensa, São Paulo, n. 634. 10 abr. 2012. Entrevista concedida a Alberto Dines.
RODRIGUES, Vera Lúcia. Dependência ou Morte. A questão da independência na imprensa: o caso República. São Paulo: Germinal. 2004.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980. (Coleção Primeiros Passos)
WURMAN, Richard Saul. Ansiedade de informação. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1991.
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Tarcizio Macedo é estudante de Jornalismo, Belém, PA