Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

‘Posição’: ‘Um jornal que depende do leitor’

Quando recebemos o desafio de escrever nosso primeiro artigo científico analisamos o cenário brasileiro atual que nos levou o tema abordado neste artigo. O ano de 2014 marca os 50 anos do início da ditadura militar no Brasil. Imaginamos como seriam os jornais impressos desse período sombrio da história que sufocou a imprensa.

Inicialmente aceitamos a sugestão de falar sobre um dos jornais mais importantes do Espírito Santo, o jornal Folha Capixaba, que trazia em suas páginas o ideal comunista. Lemos um pouco sobre ele e decidimos conhecer mais sobre outros jornais capixabas. Nessa leitura complementar nos deparamos com o jornal Posição, nos apaixonamos por sua história e pelo modo como se relacionava com a comunidade a sua volta.

Esse jornal serviu como um termômetro em sua época. Porém, com a entrada de novos integrantes na editoria do Posição, os seus ideais de mídia alternativa e comunitária se deterioraram. Este artigo busca, também, trazer uma visão panorâmica do contexto socioeconômico brasileiro e capixaba no período de 1970 a 1980, a partir de pesquisas em livros, revistas, artigos, sites e blogs que falam sobre mídia alternativa e comunitária, ditadura militar, golpe de 1964, Espirito Santo e jornalismo imparcial.

A Ditadura Militar e a Liberdade de Expressão (1970-1980)

Os anos de 1970 representaram para o Brasil um período de transformação. O Brasil encontrava-se sob o domínio dos militares que promoveram supressão da liberdade e dos direitos civis. Em dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, é decretado o AI-5 (Ato Institucional nº 5), e com ele a censura à imprensa nacional. Com o AI-5, o regime militar ampliou o controle sobre os veículos de comunicação.

O regime militar faria a imprensa brasileira viver tempos sombrios de censura e repressão política. Inúmeros veículos de comunicação não sobreviveram a esse período, o que culminou o surgimento da imprensa alternativa.

O general Arthur da Costa e Silva foi o segundo presidente do movimento militar que derrubou o presidente João Goulart, apoiado por lideranças civis e religiosas. O primeiro presidente deste período foi Castelo Branco que ficaria no poder até 1967. Em 1969, quem assumiu o poder foi Emílio Garrastazu Médici que durante o seu governo, a ação dos instrumentos de repressão e tortura instalada atingiu o seu apogeu.

No ano de 1974, o general Ernesto Geisel assumiu o governo e se dedicou a abertura política, mesmo enfrentando forte oposição dos militares radicais. O jornalista Vladimir Herzog foi encontrado morto perto das dependências do 2º Exército, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. O comando do Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão do exército responsável pela repressão politica, divulgou nota oficial onde informava que o jornalista havia cometido suicídio em sua cela da prisão. Os movimentos sociais de resistência à ditadura militar refutaram a versão oficial.

Em 31 de dezembro do mesmo ano, Geisel revogou o AI-5, o que representou um grande avanço no processo de redemocratização do Brasil. Em 1979 o general João Figueiredo se tornava o novo presidente, sendo que ele o último dos presidentes militares. Figueiredo reafirmava o projeto de abertura política iniciado no governo anterior e, em agosto do mesmo ano da sua posse foi aprovada a Lei de Anistia. Ainda em 1979, o governo aprova a lei que restabeleceria o pluripartidarismo no país.

Em janeiro de 1985 Tancredo Neves ganha as eleições indiretas para a presidência da República, mas antes de assumir o cargo, falece. Assume então o vice-presidente José Sarney, e em 1988, o país ganha uma nova Constituição, apagando assim os últimos vestígios da ditadura militar. Os veículos de comunicação reassumem seu papel tendo assegurado pela Constituição no Título II, intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX- é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (BRASIL, Constituição, 1988).

Contexto socioeconômico capixaba (1960-1970)

No início da década de 1970, o Espírito Santo encontrava-se sob o comando do governador Artur Carlos Gerhardt Santos, eleito pela Assembleia Legislativa por indicação do então presidente da República Emílio Garrastazu Médici. Gerhardt promoveria em seu governo, a mudança da economia capixaba que passou da cultura agrícola para a de exportação:

“A partir da década de 70, a economia local sofreu uma verdadeira revolução. A atividade industrial passou a ter uma importância na formação de nosso PIB próxima do percentual que têm as economias mais desenvolvidas. E esta mudança deu-se basicamente em atividades voltadas para a exportação” (GERHARDT, 1996).

O Espírito Santo entrava em um período de reestruturação econômica, apoiado pelo jornal A Gazeta. A industrialização ganha espaço no cenário capixaba. Aumenta a importância da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). Resgatando o discurso usado por Jones dos Santos Neves, no início dos anos 1950, Gerhardt defendia a tese de que estado precisava se industrializar para sobreviver.

Enquanto o desenvolvimento urbano se ampliava, e com ele os portos e grandes empresas, o êxodo rural aumentava as desigualdades sociais e geográficas no estado. É neste contexto que surgem os jornais alternativos, se contrapondo ao fato de que as grandes empresas de comunicação eram ligadas a grupos políticos e econômicos, quando não sucumbiam à mordaça da censura do DOI-Codi.

A imprensa alternativa cresceu muito nesse período com a proposta de fazer o jornalismo que a ditadura ou os grupos político-econômicos barravam, mas, também, de ser uma experiência democrática de produção jornalística e enfrentamento ao governo militar vigente, discutindo questões que não eram tratadas nos grandes veículos e retratando a época com outro(s) olhar(es) (TRINDADE, 2005, p. 230).

A Comunicação Comunitária e Alternativa na Década de 1970

A comunicação, na esfera das comunidades, consegue atingir de maneira mais intensa o seu público em relação à que é voltada as massas. O pressuposto é o de que a comunicação comunitária conhece as necessidades do povo que absorve a informação se tornando capaz de melhor, absorver com amplitude as opiniões e anseios da comunidade. Segundo Rodolpho Raphael de Oliveira Santos, “a comunicação comunitária é a comunicação da e para as comunidades, para grupos geralmente excluídos diretamente da midiatização pelos meios de comunicação de massa tidos como convencionais (rádios, TVs, portais, jornais e revistas)”.

Cecília Peruzzo (2004) vê a comunicação comunitária como o resultado de um processo realizado na própria dinâmica dos movimentos populares, de acordo com as suas necessidades. Sendo assim, uma de suas características essenciais é a participação voltada para a mudança social. Ela ainda afirma que outros autores têm chamado a comunicação popular ou comunitária de alternativa. Os conceitos de imprensa se modificaram ao longo dos anos:

“Alguns autores têm chamado a comunicação popular de alternativa – além de muitos outros adjetivos que lhe são atribuídos, como comunitária, participativa, dialógica, horizontal, usados geralmente como sinônimos. Contudo, na bibliografia corrente, se faz uma distinção entre os termos popular e alternativo. No Brasil, a expressão ‘imprensa alternativa’ tem recebido conotação específica, entendendo-se por ela não o jornalismo popular, de circulação restrita, mas os periódicos que se tornaram uma opção de leitura crítica em relação à grande imprensa” (PERUZZO, 2004, p. 120).

A comunicação alternativa no período da ditadura militar deu voz não apenas à oposição do governo como também aos princípios e modelos que a sociedade guardava, por isso ela também pode ser classificada como comunicação comunitária, já que defendia um ideal coletivo. Regina Festa (2004), diz que a imprensa alternativa cumpriu com o seu papel social em defesa dos interesses nacionais e populares além de opor-se ao regime vigente no país.

“A imprensa alternativa foi a expressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia, defendeu interesses nacionais e populares […]. Fez mais que opor-se à forma política – ditadura militar – assumida pelo regime: opôs-se ao conteúdo antinacional e antipopular, opôs-se à monopolização da economia, à sua integração com grandes trustes financeiros internacionais” (PERUZZO, 2004, p. 121).

A comunicação em defesa de um ideal, segundo Cecília Peruzzo (2004) se tornou uma manifestação através da qual as pessoas puderam despertar o desejo de uma vida melhor e lutar por seus anseios.

“Determinadas manifestações em defesa da vida adquirem dimensões significativas em nossos dias. Isto pode ser encarado como um despertar de pessoas, de camadas sociais e de povos inteiros para a busca de condições de vida mais dignas, pautadas pelo desejo de interferir no processo histórico, sua vontade de posicionar-se como sujeitos e seu anseio de realizar-se como espécie humana” (PERUZZO, 2004, p. 25).

A censura posicionava-se como indutora a um pensamento único onde todos deveriam seguir os moldes impostos pelo governo, sobretudo não confrontar o que por ele era determinado. O governo mantinha o controle dos veículos de comunicação de massa o que proporcionava o domínio sobre a população. A introdução de jornais de pequena tiragem através da imprensa alternativa, neste período, representou a abertura de novos canais de comunicação, além de dar voz ao povo. Sobre o surgimento desta imprensa no país Cecilia Peruzzo (2004, p. 114), explica:

“Numa conjuntura em que vinha à tona a insatisfação decorrente das precárias condições de existência de uma grande maioria e das restrições à liberdade de expressão pelos meios massivos, criaram-se instrumentos ‘alternativos’ dos setores populares, não sujeitos ao controle governamental ou empresarial direto.”

A imprensa de pequena circulação desse período pode ser associada a uma forma de comunicação comunitária como apresenta Peruzzo (2004, p. 115):

“Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos coletivos, retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles de estrutura então dominante, da chamada ‘grande imprensa’. Nesse patamar, a ‘nova’ comunicação representou um grito, antes sufocado, de denúncia e reivindicação por transformação, exteriorizado sobre tudo em pequenos jornais, boletins, alto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vídeos, audiovisuais, faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas etc.”

O domínio da comunicação comunitária e alternativa na década de 1970, período de circulação do jornal Posição, é descrito por Margarida Maria K. Kunsk e Francisco M. Fernandes (1989, p.74) como “o império do popular e do alternativo como forma de se fazer frente à dominação, reforçando assim a oposição entre o massivo e o popular”.

Posição: “Um Jornal que Depende do Leitor”

A formação do grupo que comporia o jornal Posição originou-se da demissão de Robson Moreira e Jô Amado pós uma matéria publicada no jornal A Tribuna sobre despejo de corpos num local chamado Cantinho do Sossego, na Serra. Quando a edição chegou às bancas causou escândalo e o então governador Elcio Alves ligando para a direção requisitou a demissão de todos os envolvidos.

O jornalista Jô Amado, que havia voltado do exílio, já tinha uma ideia avançada sobre o jornal, os seus planos incluíam futuros sócios. Além disso, o jornalista sabia o formato que o jornal tomaria, ou seja, o de imprensa alternativa, um impresso que misturasse curiosidade e vontade.

Os colaboradores, que em sua maioria seriam voluntários, consistiam em profissionais do jornalismo que se impunham contra o regime militar. Posição era financiado pela venda porta a porta, venda de exemplares em bancas, assinaturas e anúncios. Os principais consumidores do veículo eram estudantes universitários, intelectuais e lideranças políticas.

O jornal, que foi fundado por Robson Monteiro e Jô Amado em 1977, chegou a figurar como um grande jornal alternativo estadual, tornando-se referência para os capixabas. Foram publicadas 65 tiragens e 12 mil exemplares sendo a circulação quinzenal, tiragem que se rivalizava com a de A Gazeta, A Tribuna e O Diário.

O primeiro número foi publicado em 29 de outubro de 1976 com o título “A imprensa independente é a única alternativa”. Sua pretensão era ser um jornal diferente dos demais veículos da época que eram amordaçados pela ditadura. No seu editorial havia a frase: “Um Jornal que Depende do Leitor”,o que caracterizava seu ideal como o próprio jornal diz em seu texto de abertura:

“Será o Posição um jornal diferente? Sim. Porque é um jornal de jornalista. E não de um industrial, de um empresário. […] suas notícias serão importantes porque serão as notícias do leitor. Este, no momento, nos parece o método mais democrático de fazer jornal” (POSIÇÃO, 1ª ed., 1976, p. 1).

Produzido com pautas que os tradicionais jornais locais dispensavam, o Posição segundo Ademar Possebom e Flávio Gonçalves (2006), “foi um bom termômetro do reinício do enfrentamento da repressão militar no Espírito Santo.” E concluem ressaltando seu papel como “experiência democrática de produção jornalística”.

A edição 48 trazia a manchete “As grades só se abrirão pelas mãos do povo” e destaca na capa a frase de Sobral Pinto “lugar de militar é no quartel”, mostra do enfrentamento ao governo pelo Posição. O jornal se intitulava um jornal “independente, quinzenal e atrasado” sendo que o jornal se dizia independente porque era essencialmente sustentado pelo leitor que não tinha apoio do grande empresariado.

Inicialmente o jornal era impresso em Belo Horizonte, passando em seguida para uma gráfica em Juiz de Fora. Da impressora, os jornais eram levados para a rodoviária na tentativa de diminuir os custos e driblar a censura da ditadura militar, o que fazia com que o jornal fosse classificado como “atrasado”, tanto por ser feito em outro estado como porque tinha um prazo maior para a apuração das pautas.

Posição falava do povo e para o povo, ressaltando a força dos movimentos em suas páginas, isto resultava na inviabilidade de atração de anunciantes. Seu objetivo era contar o que não era dito pela imprensa de massa devido à censura e falar dos movimentos sociais. Robson Monteiro afirma esse discernimento quanto ao perfil do jornal:

“A proposta era encontrar um jeito de incluir os movimentos sociais nos meios de comunicação, para eles serem os personagens. Participávamos de tudo o quanto era reunião de comunidade, de comitês, lavradores e todos nos respeitavam, porque contávamos as histórias deles” (POSSEBOM, 2006, P.118).

Sobre o jornal Posição, Peruzzo (2006, p.120) fala da sua condição de imprensa alternativa:

“No Brasil, a expressão ‘imprensa alternativa’ tem recebido conotação específica, entretanto por ela não o jornalismo popular, de circulação restrita, mas os periódicos que se tornaram editorialmente enquadrada nas regras da censura impostas pela ditadura militar, mas confortavelmente assentada na condição de monopólio informativo. […] Eram publicações de caráter cultural, político e expressavam interesses da media burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia. Eram espaços nos quais nos grupos de oposição em frentes politicas emitiam uma corajosa condenação ao regime político. São exemplos dessa época, entre outros veículos: Posição, Movimento, Pasquim, Coojornal, Versus, Extra.”

E continua: “Não há consenso quanto a uma tipologia da imprensa alternativa. Uns entendem por ela só os jornais que tiveram origem especificamente essa variante, como Movimento ePosição” (PERUZZO, 2006, p. 122).

O jornal buscava dialogar com o leitor de modo a levá-lo a refletir sobre o contexto socioeconômico vivenciado. Uma das características do Posição era a mistura de humor e agressividade política através das charges que publicava em suas páginas, além dos títulos provocativos das matérias. Exemplos desse viés podem ser encontrados na edição 46 cuja manchete da capa era: “Dá-lhe, povo! Basta de arbítrio! Basta de ditadura! É hora de botar para rachar!” E na edição 43: “Figueiredo no Espirito Santo fedeu”.

O jornal de número 40 trouxe a charge de um militar sem camisa, com aspectos de um ogro, segurando, em uma das mãos, uma palmatória escorrendo sangue enquanto na outra segurava o pescoço de um homem franzino, com aspectos de um mendigo, chamado por ele de “meliante”. Ao mesmo tempo, o militar conversava com um médico que tinha em mãos um bloco de papel e caneta. O título da charge era: “Não o matem, eu confesso”. O militar dizia: “Esse perigoso meliante confessou friamente que foi o autor do roubo; se o senhor quiser, midê mais 5 minutos e ele confessa que matou Claudia Lessim, Aracelli e Dana de Teffé”.

Sobre o caráter das publicações o jornalista Tinoco dos Anjos explica: “O Posição era um jornal de esquerda que denunciava, criticava e fazia oposição àquela situação política do país. Batia nisso com força” (TRINDADE, p. 234). Monteiro complementa: “Uma das funções do Posição era incomodar esses grupos, na medida em que tinham coisas que seriam publicadas pelos jornais tradicionais, e não eram” (POSSEBOM, p. 123).

A edição número 14 do jornal Posição foi confiscada ilegalmente e censurada pela polícia. o jornalista Robson Monteiro foi preso e interrogado sobre a publicação. Todo o material do jornal foi apreendido. Como represália à ação, o jornal foi refeito e a publicação seguinte saiu às vésperas do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa com a manchete: “O material para esta edição foi apreendido pela polícia mineira”.

O período de 1977 e 1978 foi caracterizado pela formação do conselho editorial, que distinguiu o Posição dos demais jornais da época. O conselho era diversificado e constituído por integrantes da sociedade civil, estudantes, jornalistas e sindicalistas, como explica Moreira:

“Esse conselho era bastante diversificado e qualquer um podia participar, desde que frequentasse as reuniões. As pessoas que o constituíam nem sempre eram jornalistas; havia também, e principalmente, pessoas da comunidade, da universidade, de movimentos, sindicatos, isto é, pessoas que tinham suas respectivas militâncias, mas que, naquele momento, participavam das discussões e edições do jornal” (POSSEBOM, 2006, p. 233).

O jornal passaria a ter como matéria prima de suas edições os movimentos populares da periferia, tratando dos problemas e da falta de estrutura dos bairros carentes.

A inserção de profissionais de outras áreas para desenvolver conteúdos no jornal era resultado da proposta de inclusão dos movimentos sociais nos meios de comunicação, para que eles se tornassem parte da história. Para Moreira, a sociedade não era feita somente por jornalistas, e se as pessoas se sentissem presentes nas edições, isso daria essência ao jornal.

O jornal procurava, assim, seguir os preceitos que, aos mais tarde, viriam constar do atual Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros diz no Capítulo I – Do direito a informação, Art. 2º, I: “a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas” (FENAJ, 2007).

Em 1978, o AI-5 é revogado pelo Congresso, ato sancionado pelo presidente Geisel, o que abria caminho para o processo de abertura política que o Brasil viveria a partir daquele momento. O processo se consolida com o retorno do pluripartidarismo, reduzindo a censura sobre as mídias tradicionais e provocando, em consequência, a diminuição dos espaços de atuação da imprensa alternativa.

Em maio de 1979 o Posição passaria por uma mudança drástica tanto em sua estrutura organizacional como na sua linha editorial. Sobre essa mudança, Machado explica: “Quando já estava praticamente consolidado o processo de abertura, a sensação que passamos a ter era de que a imprensa alternativa tinha perdido um pouco do que a motivava.”

Várias pessoas que estavam envolvidas na imprensa alternativa passam a atuar nos partidos políticos. O jornal perde força com a diminuição da censura sobre os jornais tradicionais e passa a defender a linha política de um partido deixando de ser alternativo e popular.

O Posição passou a ter edições semanais, quebrando com o propósito inicial de não ter limitação de tempo e alinhamento partidário. A linguagem deixa de ser simples, do povo e para o povo e passa a ter uma linha partidária e um estilo voltado para a massa. O jornal perde e foco. Antes contava as histórias do povo e analisava o contexto em que o estado e o país se encontravam. Agora passa atender principalmente aos intenresses de um partido político, como a edição de número 47 que tem como manchete: “A ditadura tremeu!” e “O preço da derrota no Espírito Santo”.

Segundo Namy Chequer, o jornal adotou uma linha editorial que pretendia atrair investidores: “O jornal adotou um estilo irônico e mordaz, uma linha com mais humor e uma dose, não exagerada, de sensacionalismo. Mais para chamar a atenção do leitor e atrair vendas” (TRINDADE, 2005, p. 236).

A direção do jornal foi assumida por Luzimar Nogueira Dias, jornalista e militante do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), levando o Posição a dar maior ênfase a temas internacionais, discussões sobre o comunismo no mundo e questões político-partidárias. Antes deste momento, o Posição era um jornal livre, sem obedecer a condicionantes político-partidários.

Dentro do próprio jornal surgiram brigas internas sobre o novo modelo editorial que se contrapunham às raízes do Posição. Alguns jornalistas abandonaram o corpo editorial e a equipe começa a diminuir. Para diminuir os custos, a circulação e a quantidade de páginas diminuem. O jornal perde expressão, abandonando o posicionamento diferenciado que mantinha até então.

Considerações finais

A imprensa espíritossantense, assim como a de todo o país, esteve amordaçada durante a ditadura militar, e o jornal Posição deu voz ao que os jornais de massa, que sofriam maior repressão ou tinham ligações políticas fortíssimas, não poderiam divulgar. O surgimento do jornal Posição no cenário capixaba na década de 1970 possibilitou à população ter acesso a informações que não eram divulgadas pela imprensa tradicional.

O jornal marcou presença no período mais obscuro da história da imprensa nacional. Empenhado em levar ao povo notícias que eram censuradas pelo governo, o Posição se consolidou como um veículo da imprensa alternativa. O jornal ouviu e dialogou com a população, o que conferia a ele o caráter comunitário que, aliado à sua resistência à censura imposta pelos militares, tornou o jornal um veículo de oposição ao governo e a favor da cidadania.

O Posição, que figurou entre os principais veículos de comunicação impressa do estado, atualmente pode ser encontrado apenas no acervo da Biblioteca Estadual. Como jornal impresso, o Posição pode ser classificado como um veículo alternativo, já que era o único, no Espírito Santo, a divulgar o que a ditadura tentava esconder, e comunitário (social), pois levava em consideração as reivindicações da população, seus interesses e anseios.

Essas características fizeram de um jornal idealizado por dois jornalistas se tornar um veiculo importante na sociedade capixaba. Ele se especializou em destacas nas suas manchetes os aspectos sociais, em alguns momentos de forma humorística e chamadas irônicas. Mesmo não tendo uma grande circulação, ele despertava a atenção da censura por repercutir a realidade social.

Os primeiros sinais do seu fim do Posição surgiram com a revogação do AI-5 e a diminuição da censura sobre os veículos de comunicação de massa. As mudanças adotadas pelo jornal em 1979 aceleraram o seu fechamento. A falta de investimentos foi apenas uma das tantas outras causas que o levaram ao fim do jornal. O Posição que havia se tornado um jornal de integração comunitária defendendo os interesses sociais da população, passou a ser, na última fase da sua existência, um veículo de difusão de ideias político-partidárias.

O jornal, que se caracterizava por defender o povo, com a entrada do PC do B na direção, perdeu o foco inicial da sua trajetória, pois deixava que um único partido político comandasse a sua linha editorial. Passou a trabalhar para gerar vendas e anunciantes, e novos filiados ao partido ao invés de lutar pelos interesses comuns.

Este veículo, que passou pelo período mais enfrentado pela imprensa e sobreviveu a ela, pouco tempo depois perdeu força e acabou sucumbindo. Ele teve a oportunidade de demonstrar que a imprensa é a principal ferramenta que sustenta a liberdade de expressão, ao garantir ao cidadão o acesso a informação e o direito de ser informado.

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Siumara de Freitas Gonçalves e Ylana Alicio Mesquita dos Santos são graduandas em Comunicação Social e Roberto Teixeira é jornalista, professor e orientador do projeto