Todo aquele que um dia teve de selecionar um estagiário já se questionou sobre a (má) qualidade do ensino superior no Brasil. Os candidatos chegam sem experiência, o que é presumível, mas muitas vezes sem mesmo o básico conhecimento das atribuições e das funções que deverão exercer. A proposta aqui não é fomentar um saudosismo do tipo “no meu tempo…” nem criticar a chamada Geração Y. Tampouco questionar os processos de recrutamento e seleção.
A ideia é refletir, neste espaço, sobre a formação que está sendo oferecida nas universidades para os futuros profissionais de comunicação e sobre qual deveria ser a formação ideal – ou pelo menos minimamente desejável. A formação nessa área não se pode limitar ao domínio técnico das ferramentas e dos canais de comunicação; requer um conhecimento mais holístico, uma amplitude de saberes que extrapole o terreno da comunicação e que adentre outros domínios, como a sociologia, a filosofia, a psicologia.
Afinal de contas, o profissional de comunicação só se torna respeitado dentro de uma organização quando demonstra discernimento e capacidade de propor soluções de comunicação para desafios e problemas que geralmente têm origem fora da área de comunicação. Conquista credibilidade e constrói uma reputação pessoal quando propõe ideias inovadoras, “fora da caixa”, quando tem a capacidade de surpreender seus pares e superiores, quando consegue provar para a alta liderança que a comunicação de fato agrega valor para a companhia e para a marca corporativa. Se não tiver essa capacidade de fazer diferente, será apenas um cumpridor de tarefas, e a comunicação será vista como mais uma área operacional, sem qualquer relevância estratégica para a empresa.
Modelo antigo
A formação acadêmica deve permitir ao futuro comunicador o contato com outras linhas de pensamento, outras áreas do conhecimento, que ampliem seu repertório, que possibilitem a ele ter a mente aberta a uma pluralidade de saberes, ou à “ecologia de saberes”, como define Boaventura de Souza Santos. Nesse sentido, seguindo a recomendação do sociólogo português, para se conhecer os limites e as possibilidades de sua própria área de conhecimento, faz-se necessário conhecer outros saberes. Pois, se um especialista não conhecer outros saberes, “tanto menos conhece os seus próprios limites e possibilidades”.
Não raras vezes o debate sobre os cursos de comunicação fica apenas no nível superficial. A polêmica sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo é um exemplo de como se pode perder uma oportunidade de melhorar ou pelo menos refletir a respeito da qualidade do ensino. Este debate surgiu nos anos 1980, quando o tema entrou na pauta de discussões da Assembleia Constituinte e ganhou espaço nos meios de comunicação, nas universidades e nas entidades sindicais – com ardorosos defensores tanto da obrigatoriedade quanto contrários a ela. A Constituição de 1988 não tratou da questão e o assunto permaneceu adormecido por duas décadas. Até que, em 2009, com a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com a obrigatoriedade, voltou à tona. Mas, de novo, o debate surgiu com abordagens reducionistas, como se a questão se limitasse a interesses corporativistas de ambas as partes.
As ideias de Edgar Morin, que prega uma interpretação do mundo contemporâneo a partir da sua complexidade, deveriam ser mais aproveitadas em um momento de reflexão como esse. Pois não é o diploma que deveria estar em discussão, mas o ensino da comunicação. No final dos anos 1990, a pedido da Unesco, o filósofo francês reuniu educadores de vários países para refletir e repensar a educação do século XXI. As propostas de Morin, condensadas no livro Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro e em outras obras que tratam da complexidade, mostram-se atuais e oportunas para se repensar o ensino da comunicação.
“Uma educação só pode ser viável se for uma educação integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes”, escreveu Morin. Sua tese é que, sempre que o conhecimento é dividido em compartimentos, sempre que se leva ao extremo a especialização, perde-se a capacidade de visão do todo. Quanto mais os saberes são “separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas” menos serão capazes de explicar as realidades ou problemas que são cada vez mais “polidisciplinares, transversais, multidimensionais”.
E quando falamos em problemas e temas transversais, uma das questões que vêm à mente é a sustentabilidade. Cada vez mais presente no dia a dia das organizações, a sustentabilidade se tornou também um desafio cotidiano para os profissionais de comunicação. Mas se esse desafio for analisado de forma fragmentada, a partir de uma visão de especialista, como diz Morin, as possibilidades de compreensão e de reflexão acabam “atrofiadas” e perde-se a capacidade de visão de longo prazo.
Edgar Morin é apenas um dos muitos pensadores contemporâneos que poderiam estar inspirando a formação dos futuros profissionais de comunicação. Mas quando analisamos os currículos das universidades, encontramos matrizes baseadas em um modelo de comunicação ainda segmentado por canais, por meios, que não contemplam integralmente a comunicação na contemporaneidade, não enxergam a sociedade interligada em rede nem todas as implicações sobre as relações de poder e de influência.
Olhar o futuro
O problema do ensino de jornalismo nem de longe resume-se à obrigatoriedade do diploma. Assim como a culpa pela formação que recebem na universidade não é dos candidatos a estagiário.
Há outros saberes necessários à educação do futuro que, lamentavelmente, só aparecem timidamente nos currículos das escolas de comunicação. Enquanto essa situação perdurar, continuaremos reclamando dos candidatos a estagiário. Injustamente.
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Renato Delmanto é jornalista, gerente geral de Relações com a Mídia do Grupo Votorantim