Recentemente, a física Ana Carolina Zeri, 42 anos, foi notícia em jornais e sites do país por ter proferido uma palestra sobre educação e divulgação científica em evento promovido pela Google, no mês de fevereiro, em San Martin, Califórnia. Ela expôs propostas de inclusão social, com base em dois projetos que realiza em Campinas-SP, onde atua no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio/CNPEM). Um deles é o LNBio.Educa, enquanto o outro é a ONG Associação Anhumas-Quero-Quero.
Para entender essa e outras questões, leia a entrevista que o blog Dissertação Sobre Divulgação Científica realizou com Ana Carolina Zeri:
Você concorda que a forma como você se interessou pela divulgação científica é um exemplo da importância que a política científica tem no estímulo à aproximação acadêmica com a sociedade?
Ana Carolina Zeri – Sim. A ideia de fazer divulgação para os ensinos médio e fundamental começou em 2011, quando elaborávamos um projeto de pesquisa para ser submetido a um edital. A proposta central era trabalhar em descobertas de novos fármacos, mas havia uma vertente do documento que exigia atividades de divulgação pelo cientista. Não fomos contemplados, mas abrimos uma nova frente de atividades.
Ainda durante a elaboração da proposta, pensamos em várias possíveis ações, como equipar um ônibus com laboratórios para visitar as escolas. Nesse momento, conheci dois futuros parceiros fundamentais, que foram a Anhumas Quero-Quero e a Science House Fundation, uma organização de educação científica localizada em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Fale, por favor, um pouco mais sobre essas duas entidades.
A.C.Z. – A Science House Fundation tem um projeto muito interessante, que é a MicroGlobalScope, através do qual são oferecidos kits com microscópios e uma câmera fotográfica para serem distribuídos em escolas, museus, institutos de pesquisa e organizações em geral, que tenham afinidade com a fundação. Outra iniciativa é o Vídeo Science, cujas produções ajudam os professores a realizarem experiências eficazes e criativas nas salas de aula.
Entrei em contato com a fundação para que viessem ao LNBio conhecer as nossas pretensões e falarem das perspectivas deles, com o objetivo de firmar uma parceria. E deu certo. Nós ganhamos deles, em novembro de 2011, dois kits, um deles foi para o laboratório de divulgação aqui do LNBio e o outro para o laboratório que comecei a montar na ONG. Em contrapartida, os estudantes dos projetos tiram fotos e publicam no site da Science House (veja fotos do LNBio Educa – veja fotos da Associação Anhumas Quero-Quero).
Aliás, eu levei esse kit para a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência do ano passado e fez muito sucesso. Tanto as crianças quanto os adultos adoram esse experimento, cujos microscópios permitem aumentar o nosso poder de visão em até 140x.
Você chegou a ir ao Acre com a Science House Fundation, para promover a DCT entre índios. Como foi essa experiência?
A.C.Z. – Excelente! Em 2012, deixamos um kit em uma aldeia, onde índios têm um centro de saberes da floresta, com cursos, inclusive com vídeos. Impressionantes as crianças índias mexendo com habilidade nos equipamentos, como se fossem crianças da cidade. Parece que nasceram sabendo.
Fiz questão de reforçar que esse aprendizado científico por eles é muito importante até mesmo para salvar a cultura deles, pois caso o contrário, serão enganados muito facilmente. Há diversos casos de índios informados que entraram na justiça contra empresas que exploravam a cultura e o ambiente deles.
E a ONG Anhumas Quero-Quero, que tipo de atividade realiza?
A.C.Z. – A ONG já existia desde o início da década passada, com sede em um parque ecológico e mantida pela Prefeitura da cidade, por fundações e também por muitos cidadãos da localidade. Quem diariamente cuida da Organização são pessoas que moram em condomínios ao lado das favelas, pessoas que veem essa realidade, muitas vezes imperceptível para nós. Ao todo, hoje contamos com 12 pessoas trabalhando, entre educadores e coordenador pedagógico, o que é pouco para quase 300 crianças.
Basicamente, a organização faz atividades em horários complementares à escola com crianças de favelas de Campinas, situadas bem próximas de dois grandes shoppings da cidade, o Iguatemi e o Galleria. É um contraste. Eles possuem uma filosofia calcada em rodas, como nas rodas de artesanato e de dança. A forma das assembleias é assim também, sempre bem participativas e inclusivas.
Assim que nós recebemos os kits da Science House Fundation, já começamos a instalação dos equipamentos na ONG. Comecei a ir lá uma vez por semana, com uma grande preocupação de promover algo “anárquico”, no sentido de deixá-los livres, usufruindo dos materiais, brincarem sem compromisso, ao contrário da escola, onde o peso da seriedade das atividades é mais contundente. Ficou muito claro para mim que a divulgação científica, para este público precisa ter este aspecto lúdico.
Aos poucos, eu fui guiando o amadurecimento deles, sugerindo conhecer, por exemplo, as células e o corpo humano. O importante é que eles tirem as próprias conclusões sobre a constituição da anatomia humana, a importância, a produção e o consumo consciente e equilibrado de remédios, por exemplo. Tudo isso contribui para a formação de um cidadão completo, que é o objetivo da ONG.
É um trabalho essencial de socialização de pessoas excluídas das oportunidades e benefícios da ciência, da educação, da cultura e também do mercado consumidor. São pessoas que precisam bastante de ajuda. Muitas mal sabem escrever e falar corretamente. Imagina um estudante da 7ª série sem mesmo saber escrever o próprio nome! Acho até que nem seja uma exclusividade dos moradores da favela, mas sim representa a crise educacional do Brasil. Conheço recém-graduandos que escrevem mal. Se a gente não se interessar por esse problema, como será o futuro das pessoas e do país?
O que nós fazemos na ONG e no LNBio Educa é apenas incentivar o gosto pela ciência, semear interesses e habilidades. Não capacitamos profissionais, pelo menos ainda. Claro, de certa forma, penso em quem vou contratar daqui a cinco anos, quem vai estagiar e fazer pós-graduação conosco. Se nós plantarmos as sementes, as coisas acontecem, florescem.
O Tom Zé discursou certa vez sobre o que ele chamou de “cinturão proteinário de São Paulo”, em referência à cultura de muitos imigrantes, principalmente nordestinos, que ao se deslocarem nas décadas passadas, começaram a se alimentar melhor, mesmo nas adversidades, fortalecendo os seus organismos com nutrientes, como a proteína. Hoje, melhores sustentados, eles conseguem expressar mais a cultura e a buscar mais. Precisamos reconhecer valor e potencial nessas pessoas que hoje são excluídas da sociedade. São humanos, acima de tudo! E a DCT, como ação cultural libertadora, é fundamental para encontrarmos e ajudarmos essas pessoas.
Tenho certeza de que nesses últimos dois anos, eu consegui mudar a vida de, pelo menos, 10% das crianças e adolescentes com quem me relacionei nos projetos de DCT. Todo mundo pode fazer isso, basta doar-se um pouquinho.
Como foi a sua experiência de dar uma palestra no evento Solve for “X”, do Google?
A.C.Z. – Foi maravilhoso! Pude aprender bastante, inclusive sobre muitas ferramentas interessantes da empresa, como o Google For Education, além de recursos em geral já disponíveis, mas pouco conhecidos. Alguns a serem pagos e outros gratuitos.
A dinâmica era bastante aberta e participativa, no sentido da acomodação, com todo o ambiente estruturado para nos sentirmos próximos uns dos outros e à vontade. A cada intervalo, todos se reuniam para discutir as apresentações e dar um retorno aos palestrantes.
E como foi a sua apresentação?
A.C.Z. – O meu projeto era o único da área de educação. Propus uma espécie de science playground, algo como uma brinquedoteca da ciência, com o objetivo de fazer com que o maior número possível de pessoas passem a ter prazer em aprender a ciência.
Eu não penso em criar espaços muito formais, criar cientistas e nem competir com a escola, pelo contrário. Pretendo gerar estímulo em favor do espaço escolar, onde possa haver ideias muito boas, inovadoras, desenvolvimento de tecnologias e incentivo às artes. É preciso agentes e mecanismos para intermediar estas duas unidades (escola e DCT), fazendo o meio de campo. As crianças precisam saber melhor como elas utilizarão o aprendizado formal em suas capacitações.
Há um livro chamado Prazer em conhecer: A aventura da ciência e da educação, que mostra uma conversa entre o jornalista Gilberto Dimenstein com os cientistas Miguel Nicolelis e Drauzio Varella. Nos depoimentos, vemos como a criatividade e as brincadeiras normais de crianças são muito importantes para o desenvolvimento cerebral e educacional da formação humana.
Eu tenho percebido isso com os alunos da ONG e do LNBio Educa, que aprendem juntos e levam dúvidas e experiências para as salas de aula, até mesmo exigindo mais dos professores. O grau de interesse dos docentes está muito relacionado à participação e à vontade de saber dos próprios estudantes. A sala de aula precisa ser, de fato, um ambiente de trocas e aprendizados. E isso tem ocorrido a partir dos nossos projetos. Crianças e adolescentes que antes eram passivos e até briguentos, têm assumido novos comportamentos.
Queremos formar pessoas assim, mais proativas, que tenham curiosidade, vontade de saber e perguntar. Isso faz parte de um método científico, ou seja, perguntar, gerar hipóteses e tentar solucionar os problemas apresentados. Aliás, eles mesmos propõem atividades para nós, o que demonstra que os objetivos estão sendo alcançados.
O perguntar gera consequências maravilhosas e incalculáveis, pois altera o modus operandi na mente das pessoas, que ficam muito mais críticas, alertas. E a partir disso, as portas se abrem. Então, é mais importante divulgar o modo como os cientistas veem as coisas do que o que nós, de fato, fazemos.
As outras palestras abordaram sobre o quê?
A.C.Z. – O público presente era de pessoas com muitos recursos e propensas a investir em projetos de risco nos mais variados temas, como: a criação de um banco de sementes na África; reciclagem de lixo nuclear; trabalhos com nanopartículas para a fabricação de remédios mais baratos e eficientes; purificação de água; novos materiais; economias em campos de refugiados, cujas dinâmicas, em geral, são bem parecidas com o que assistimos nas favelas do Brasil; logística de transporte baseado em dirigíveis com capacidade de carregar várioscontainers; enfim… havia muitas e interessantes propostas visionárias de soluções tecnológicas e futuristas que almejam atingir bilhões de pessoas.
Achei muito interessante, também, uma feira de matemática na qual os alunos solucionavam problemas conversando entre si, em um modelo cooperativo, e não competitivo. É um formato de ensino afinado com o lado coletivo, de equipe, colaborativo da ciência, pois precisamos saber e entender que cada um tem as próprias competências e que os profissionais dependem de habilidades alheias para o aperfeiçoamento individual e também coletivo. Pretendo desenvolver essa vertente na ONG e no LNBio.
Qual foi o feedback dos palestrantes sobre a sua apresentação?
A.C.Z. – Foram vários. Primeiro, houve uma crítica de que o projeto é bom, que eu teria boa intenção, mas não haveria a quantidade de cientistas disponíveis e interessados para viabilizar as ideias.
E você concorda?
A.C.Z. – Não, eu discordo. Eu penso que há, sim, muitos pesquisadores interessados, mas o que falta é conectá-los, estabelecer laços, fazê-los se conhecerem. E aí vêm as oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias, como o Hangout e as comunidades do Google Plus.
Acho, também, que precisamos incluir os educadores nos projetos de DCT. No geral, todos estão falando diferentes linguagens, nesta área. A culpa é da coletividade, não apenas de um segmento. O pesquisador deve ter a consciência de divulgar, assim como os cidadãos de fora da academia precisam ter o interesse em conhecer e estar mais a par dos assuntos científicos e tecnológicos.
Hoje em dia, as possibilidades de saber são muito maiores, são infinitas. A Internet é um universo de oportunidades, mas nem sempre sabemos desfrutar dessa potencialidade.
Outra crítica dos colegas no evento foi a de que não seria papel do cientista fazer tanto esforço para realizar a educação científica e que o governo poderia contribuir financiando crianças e adolescentes para frequentarem as escolas. Particularmente, eu até acho que essa é uma solução viável a curto e médio prazos, como tem sido feito, mas precisamos ir além, precisamos realizar tarefas mais duradouras.
Muitos empresários têm a visão de que simplesmente fornecer equipamentos eletrônicos, como tablets, é a solução para a inclusão digital, mas sabemos que não funciona desta forma. É indispensável um acompanhamento, uma supervisão para auxiliar na utilização adequada e produtiva destes recursos, porque a maioria das pessoas não saberá, por si só, gerar benefícios substanciais nesta linha educacional e cultural.
Mais um feedback foi o de uma médica, que questionou a figura do cientista como palestrante em escolas, pois, em tese, ele não seria um modelo, uma inspiração próxima para as crianças e adolescentes. Eu discordo em parte, porque é uma responsabilidade do cientista trabalhar essa questão da empatia e da capacidade didática para com os não iniciados na ciência.
Porém, reforço, não é apenas os cientistas quem devem fazer a DCT, mas sim uma rede de profissionais com perfis heterogêneos. Trata-se de uma construção coletiva. Só o jornalista, ou o cientista, ou o aluno, ou o professor é insuficiente para dar conta de uma divulgação de qualidade e que realmente obtenha resultados satisfatórios.
A população precisa ser mais exigente. Em países desenvolvidos, a sociedade é bem mais participativa, debate com a comunidade acadêmica temas centrais do próprio dia a dia social. O caso dos sete cientistas presos em 2012 na Itália por não prever um terremoto que matou 300 pessoas na província de Áquila (região central do país) é um exemplo da exigência social e institucional pelo trabalho dos pesquisadores e da ampla capacidade de interferência na vida humana e social de todos nós. O Brasil está começando a fazer isso, através, por exemplo, das discussões dos alimentos orgânicos e transgênicos.
E qual a percepção dos outros conferencistas sobre a ciência brasileira? O país é bem visto como destino desses investimentos?
A.C.Z. – Em geral, eles sabem muito pouco sobre o Brasil. Ninguém sabia, por exemplo, que nós temos um acelerador de partículas, que desfrutamos de estruturas avançadas de pesquisas em áreas diversas e que há campos científicos com projeções na ciência internacional. Os empreendedores com quem conversei se mostraram bastante otimistas com a nossa ciência, pelo nosso perfil mais próximo da Europa e dos Estados Unidos, do que a China, por exemplo, e também veem com bons olhos a economia brasileira.
Porém, se o Brasil quiser expandir ainda mais a ciência, deve ampliar a influência no exterior, deve ter mais domínios e publicações em Inglês, que é a linguagem científica universal. A China e a Índia têm essa vantagem de lidar melhor com esse idioma. No meu doutorado, metade da turma era de origem chinesa.
Você já declarou que pretende expandir ainda mais a DCT na ONG e no LNBio. Como?
A.C.Z. – Primeiro, a ideia é expandir o nosso laboratório para a outra sede da ONG, chamada Anhumas, o que permitirá incluirmos mais centenas de crianças e adolescentes. Depois, pretendemos criar parcerias com outras escolas de Campinas e região, até mesmo pensando em trazer os alunos para visitar o LNBio, no qual os próprios estudantes da ONG podem ser monitores.
O grande sonho mesmo é fazer uma grande expansão, utilizando as novas tecnologias de informação e comunicação. Nos Estados Unidos, é muito comum pesquisadores desfrutarem destas plataformas para dialogar e divulgar as suas pesquisas. Já houve, por exemplo, um evento que promoveu conversas entre crianças e adolescentes com cientistas doEuropean Organization for Nuclear Research (CERN). Há, também, classes que fazem Hangout voltado mais para brincadeiras, como adivinhações sobre quem é o que faz determinado cientista.
Através de atividades assim, um pesquisador consegue se comunicar com muitas pessoas de distintas instituições, sem mesmo se deslocar para bairros e cidades distantes do seu local de trabalho.
Você tem propostas de realizar uma divulgação científica para mulheres, especificamente. Como e por quê?
A.C.Z. – Em países como o Brasil e a Índia é muito comum as mulheres serem chefes de família, criarem filhos e trabalharem em empregos ruins e degradantes. Quando ouvimos notícias de crianças de rua, as informações costumam dar conta dos meninos, que se drogam, roubam etc., mas quase nunca ouvimos falar sobre meninas delinquentes. Eu não disponho de estatísticas, mas observo que o universo feminino é muito mais desconhecido. O que acontece com as meninas nas favelas?
A partir daí, comecei um trabalho de ouvi-las para entender melhor o quadro. Notei que essas meninas são as protetoras dos menores infratores, são quem cuidam e tentam equilibrar as atitudes dos garotos, com quem se casam cada vez mais cedo, ainda crianças, praticamente. Em Campinas, só ano passado, houve 1.500 casos de adolescentes, de 12 a 14 anos, grávidas. Na ONG, nesse período, ocorreram dois casos, com uma menina de 12 e a outra de 13 anos. Qual será o futuro delas? Provavelmente e infelizmente, um caminho distante da escola, da educação. Muitas delas são até cúmplices dos jovens infratores.
Esse cenário de pobreza parece ser distante, mas está muito próximo, ao lado de grandes e luxuosos empreendimentos, como shoppings e condomínios que se fecham em si e investem alto em segurança.
Então, a minha questão é: o que podemos fazer para mudar a vida dessas meninas e dar a elas a oportunidades de frequentarem a escola? Particularmente, proponho treiná-las para serem monitoras nos laboratórios, até porque as meninas têm, naturalmente, um acolhimento, um carinho, uma sensibilidade peculiar para ensinar e se relacionar.
Há nos Estados Unidos iniciativas muito interessantes que envolvem as team leaders dos esportes. Muitas são pós-graduandas ou mesmo já cientistas, o que demonstra novas percepções e representações sociais sobre a ciência. O pesquisador pode trabalhar com cálculos e/ou anatomia, mas também pode dançar, praticar esporte, pois não são atividades excludentes. E esse é um importante papel da DCT, o de mostrar que a ciência é apenas uma percepção do mundo, e não a única na qual se encaixa o acadêmico. Com as team leaders, as meninas ganham inspirações, modelos e horizontes possíveis de desenvolvimento, pois mesmo nos EUA, a mulher tem menos oportunidades e representações para se espelhar e se identificar.
Se não fizermos algo no sentido oposto, a ciência corre o risco de perder uma geração inteira de recursos humanos femininos. E o cenário é muito semelhante no Brasil.
A DCT tem contribuído, de alguma forma, para as suas atividades em pesquisas científicas?
A.C.Z. – Sim. Passei a entender com mais clareza e amplitude do que eu faço e, consequentemente, a explicar melhor, com mais didatismo. O exercício da comunicação é essencial para aprendermos mais e termos olhares diversificados, ainda que os objetos de trabalho sejam bem específicos, do ponto de vista da especialização científica. As minhas conversas, mesmo as interpares, têm mais qualidade hoje.
Como é o mercado de trabalho em DCT no Brasil?
A.C.Z. – Academicamente falando, os recursos nesta área são menores, pois a DCT ainda não conta tanto para a progressão na carreira científica. Percebemos isso no dia a dia, através de aspectos subjetivos, como comentários desproporcionais nos bastidores, em referência depreciativa à divulgação e à educação. Isso é muito prejudicial, porque desencoraja projetos importantes e talentos em potencial. É comum as atividades de divulgação contrariarem segmentos do sistema e serem feitas de forma amadora, nas horas vagas.
Tanto no Brasil quanto fora, há o preconceito de que a divulgação científica é ensino, é menor. Percebemos bastante isso na física, onde tradicionalmente há um olhar diferente para quem tem o perfil da educação, como se fosse uma tarefa de fácil realização. A questão não é só com a divulgação, mas com o ensino em geral. Com se a atividade fosse para mulherzinha.
São poucas as pessoas que querem ser professor, não temos uma cultura de valorizá-lo, inclusive no que diz respeito ao salário. Há a ideia de que dedicar-se ao ensino prejudica as principais funções acadêmicas, que são as pesquisas em si, ou seja, os trabalhos que de fato têm peso nas avaliações de produtividade e realmente enriquecem o Currículo Lattes. O potencial para a atuação de profissionais de DCT em grupos de pesquisa nos centros acadêmicos do país é muito grande, mas não vemos isso se concretizar, ainda.
Porém, isso está mudando. O fato de a Google ter convidado a mim é um indicador de novas percepções da ciência para com a educação e a cultura da sociedade. Nos Estados Unidos, tem havido um crescente esforço neste sentido, para até mesmo incentivar a juventude a ter interesse acadêmico. Na minha turma de doutorado, havia menos americanos do que chineses.
Como tem sido a receptividade da academia para esse potencial?
A.C.Z. – É uma visão nova. Os acadêmicos ainda estão começando a perceber. Identificamos isso, por exemplo, em importantes editais de agências de fomento, que exigem a inclusão de atividades de DCT e educação nas propostas a serem submetidas. Isso tanto no Brasil, quanto fora.
Quais são as suas referências de leitura em DCT?
A.C.Z. – Gosto muito do Rubem Alves, Gilberto Demeinstein, Paulo Freire, Drauzio Varela, Miguel Nicolelis, Richard Feynman e a da Anna Penido.
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Bruno Lara é jornalista (Petrópolis, RJ)