Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Arbitragem na USP

Peço licença para desviar dos assuntos nacionais, que me propus a tratar aqui de maneira prioritária, e invadir praia frequentada pelo meu amigo Vladimir Safatle, que escreve neste espaço às terças. Após quase três meses semiparalisada, a Universidade de São Paulo (USP) clama por iniciativas capazes de romper o impasse.

As conclusões prévias da sindicância aberta para verificar como se chegou ao delicado quadro financeiro atual, divulgadas nesta quinta (21) pela Folha, confirmam suspeitas correntes na comunidade universitária de que possa ter havido gestão temerária pelo reitor que antecedeu a atual administração. Tais evidências acentuam o sentimento de injustiça perante a proposta que está na mesa: arrocho salarial sem prazo para acabar.

Cabe lembrar que o referido gestor foi escolhido em condições excepcionais. Ao contrário do que ocorrera desde a redemocratização, o então governador do Estado optou pelo segundo da lista tríplice, preterindo aquele que obtivera mais apoio no colégio eleitoral da USP. Em consequência, os atos em questão contaram com pouquíssima legitimidade.

Cientes da necessidade de repactuar as relações internas, em 2013, diretores de unidade lideraram um processo que resultou na ampliação do colégio eleitoral e em uma primeira consulta à comunidade, ainda que apenas informativa. Foi no bojo de tal processo democratizante que ficou em primeiro lugar o professor Marco Antonio Zago, confirmado pelo governo do Estado para dirigir a USP. Eleito com promessas de diálogo, o novo reitor foi recebido com simpatia nos mais diversos setores da universidade. Infelizmente, a partir de maio último jogou fora o capital político à sua disposição.

Solo minado

Fixou-se na posição de impor, sem abrir qualquer brecha de acordo, humilhante derrota aos movimentos organizados dentro da universidade. Pode-se atribuir erros, que certamente existem, à atuação das entidades que representam professores, funcionários e estudantes no interior da USP. No entanto, quebrar-lhes a espinha numa linha thatcherista, como parece ser a estratégia presente, além de insensato, faria da USP uma ilha autoritária em meio a um ambiente universitário nacional que bem ou mal soube se abrir para a diversidade típica dos campi.

Está na hora, como propõe a professora Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, chefe do Departamento de Antropologia, de formar uma comissão de arbitragem capaz de restabelecer pontes entre as partes. Composta, por exemplo, de ex-professores e ex-reitores eméritos, deputados estaduais e representantes da sociedade civil, ela poderia mediar um conflito que está minando o solo acadêmico, arriscando afundar um dos pilares do sistema de ensino superior brasileiro.

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André Singer é colunista da Folha de S.Paulo