Segundo diretrizes do governo, ainda não detalhadas, o novo sistema de avaliação da educação superior vai medir a contribuição social das instituições de ensino.
Entende-se como contribuição social o ganho que a sociedade tem com o ensino, a pesquisa e a extensão, desenvolvidos nas instituições de ensino superior.
Em linhas gerais, uma instituição de ensino contribuiu para a sociedade quando ela estuda, analisa, pesquisa os problemas da sociedade e propõe soluções, muitas vezes acompanhadas de ações que necessitam da formação de recursos humanos.
Os problemas existem e a própria sociedade é ciente deles. Mas, essa é uma visão mais humanista dos problemas da sociedade, como Cristovam Buarque preconiza.
Problemas como a fome, por exemplo, deveriam ser objeto de pesquisas nas instituições e, para tanto, como ele mesmo diz, viabilizadas através da criação de ‘departamentos da fome’.
Seguindo esta mesma linha, outros departamentos também poderiam ser criados como: da reforma agrária, das minorias, da distribuição de renda, da alfabetização, da mulher etc., além dos que já existem: da educação, da economia, da administração, do direito (justiça) etc.
Pode-se resumir que esta contribuição se faz de fora para dentro das instituições: as instituições buscam na sociedade problemas, estuda, analisa, pesquisa e propõem soluções que mudam a organização social. Esta é a contribuição que todos conhecem.
Mais difícil de entender, também por muitos humanistas, é a contribuição inversa: a contribuição de dentro para fora. A sociedade tem problemas, como a melhoria da qualidade de vida, aumento de produtividade, melhoria de qualidade etc.
Muitas vezes, esses problemas são até desconhecidos da própria sociedade, que somente descobre que existem quando para eles for mostrado uma solução.
Pesquisa básica
Os problemas, de fato, existem mas não são percebidos. Esses problemas são resolvidos com o uso de ferramentas adequadas e aí estão os celulares, a televisão, as centrais nucleares, os computadores, os radares, os eletrodomésticos etc. Os departamentos das áreas de ciências tecnológicas são responsáveis pela solução desses problemas.
Mas, a solução desses problemas pressupõe o conhecimento produzidos pelas áreas básicas. As pesquisas nas áreas básicas estão centradas na busca de conhecimentos sobre a matéria, descritos usando-se a linguagem matemática. Mas, qual é, nesse caso, a contribuição social?
Aparentemente, nenhuma. Hipoteticamente, por exemplo, qual seria a contribuição social da pesquisa sobre a relação entre a quarta camada de elétrons e o campo magnético de materiais pesados? A resposta é ‘conhecimento’. Esta é a contribuição social.
A sociedade deve conhecer o mundo em que vive para dele tirar proveito e com ele interagir de forma adequada. Os resultados dessas pesquisas são, no devido tempo, usados para resolver problemas da sociedade, modernamente, de comunicação.
Por exemplo, o físico alemão K.F. Braum, em 1876, pesquisou propriedades da condução elétrica em cristais. Era o início das pesquisas em semicondutividade, ainda não conhecida com esta denominação.
Mais tarde, J. Scaff e H. Theuer descobriram que o silício poderia ter propriedades negativas e positivas. Foi o suficiente para W. Shockley, em 1939, inventasse o transístor, substituto das válvulas.
Os resultados dessas pesquisas básicas, portanto, foram e são usados para resolver muitos problemas da sociedade. Claro que a solução desses problemas (da sociedade) podem gerar outros, a serem estudados pelos humanistas.
Crise de qualidade
As pesquisas nas Universidades podem até sofrer um ranking de prioridade mas, como foi mostrado acima, a tese de Eduardo Romano, da Embrapa, publicada no Estado de S.Paulo em 9/2/04, intitulada ‘Pesquisar e não vender é rasgar dinheiro publico’, se for generalizada, está equivocada.
O novo sistema de avaliação do MEC pode distorcer os objetivos do ensino superior do país se não for bem definido o conceito de ‘contribuição social’, conceito esse que as instituições devem satisfazer para ‘contribuir socialmente’.
Pesquisas poderão ser interrompidas, cursos poderão ser extintos ou ficar obsoletos. As áreas de ciências exatas e tecnológicas, sobretudo, poderão ser as mais prejudicadas, uma vez que a relação entre pesquisa básica e tecnologia não é bem compreendida pela sociedade e daí, a dificuldade de entender quais são as reais contribuições sociais.
Os cursos da área tecnológica tendem a ficar obsoletos se não for dada a devida importância à pesquisa básica, pois ela nutre a pesquisa tecnológica.
O sistema de ensino do pais dá, efetivamente, uma boa contribuição social. Os cursos profissionalizantes, visando o desempenho das funções sociais do trabalho, produzem um impacto rápido e os cursos integrados à pesquisa, mais lento.
Os cursos de graduação integrados à pesquisa são responsáveis pelas mudanças, transformações, inovações etc das funções sociais do trabalho.
São cursos oferecidos por instituições que integram graduação e pós-graduação, normalmente por universidades de pesquisa, poucas no país, não mais que dez.
O sistema de ensino superior está em crise sim, mas, crise de qualidade. Interpretando o Provão como medida grosseira de qualidade dos cursos e corrigindo seus resultados, considerando valores absolutos, segundo dados do Inep, 70% dos cursos de graduação do país são de fracos a regulares.
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Professor titular do Instituto de Informática da UFRGS, membro do Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais da Associação dos Docentes da Ufrgs-Adurfgs