Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A Copa além das quatro linhas

Os holofotes da imprensa internacional estão voltados para a Alemanha. O mundo pára e acompanha a bola girar. O Mundial e os astros do futebol ganham destaque além dos gramados. Para agradar fanáticos e torcedores esporádicos, os jornalistas acabam enchendo lingüiça na terra da salsicha e preenchem as páginas esportivas com curiosidades e fatos pitorescos. A necessidade de trazer informações diárias sobre a Copa do Mundo produziu cada coisa nos jornais! Este Monitor de Mídia fez marcação cerrada na imprensa catarinense de 1º a 13 de junho.

No jogo das agências

A Notícia vem fazendo, no geral, uma cobertura equilibrada. Em alguns dias, apresentou mais matérias supérfluas, com pouco caráter informativo. Em outros, o material publicado sobre as seleções reforçou o que realmente interessa na Copa.

O jornal começou manso. No dia 1º, apenas uma matéria. No dia seguinte, ‘Boate fatura com visita de brasileiros’ e ‘Uma noitada com testemunhas’ foram respectivamente chamada de capa e matéria no caderno esportivo. Comentando a noitada dos jogadores brasileiros em casa noturna suíça. Um número maior de matérias focadas na Copa esteve presente no dia 3, a opinião de Parreira sobre o ‘quarteto mágico’ (Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano), sobre algumas seleções, sobre como a Alemanha preparou o esquema de segurança e sobre a seleção brasileira em Weggis, na Suíça. Trouxe também algumas curiosidades. No dia 2 de junho, apenas duas matérias nas páginas de esportes. No dia 5/6, as bolhas de Ronaldo ocuparam duas páginas da editoria. Com o título ‘Nova chuteira provoca bolhas em Ronaldo’, o problema no pé do jogador foi tratado quase como uma tragédia mundial.

Em 6/6, o jornal lançou o suplemento Copa 2006. Apesar do espaço especial, A Notícia não enviou nenhum correspondente à Alemanha para um diferencial. Todas as matérias relacionadas à Copa eram da Agência Estado. O que também resultou em muito material não relevante.

Algumas matérias levam em consideração o critério jornalístico de proeminência dos envolvidos, outras foram supérfluas como: ‘A bela para acalmar a fera’, fazendo referência à presença da namorada de Ronaldo, que sofreu com as bolhas no pé esquerdo (assunto que provocou mídia exagerada). O assédio dos fãs ao técnico da seleção de Portugal, Luis Felipe Scolari, e a obra de arte de Leonardo da Vinci, A Última Ceia, mencionando o jogador inglês David Beckham como o Jesus (maneira de promover a copa do mundo de uma rede inglesa de televisão) são apenas algumas das matérias que tratam de informações muitas vezes dispensáveis.

Além do teor de curiosidades das matérias, o jornal deu algumas pisadas na bola. Em 7/6, trouxe ‘Belas driblam a segurança’, onde constava que ‘duas adolescentes alemães’ tentaram furar o esquema de segurança para ver os jogadores brasileiros, em que o certo seria ‘alemãs’. Na matéria sobre o técnico Parreira (‘O professor está curioso’), a frase dita por ele ficou sem sentido: ‘É boa essa adrenalina e eu mesmo precisando perder alguns quilos’.

Uma matéria que de nada acrescentou ao leitor que acompanha a Copa e o futebol foi ‘O charme paraguaio’ que destacou o jogador Roque Santa Cruz como o mais bonito da Copa do Mundo. Além disso, houve um erro de concordância em ‘os australiano se classificaram para a copa ao eliminar o Uruguai na repescagem.’, na matéria ‘Harry Kewell reforça Austrália’.

No dia 8/06, o jornal deu chamada de capa para ‘Alegria: Cafu guarda presente de fãs em aniversário discreto’ e do suplemento ‘Mais um aniversário distante de casa’. A matéria ‘Ronaldinho sofre contusão inusitada’ que destacou que o jogador sofreu uma contusão nas nádegas, que não foi nada sério, foi mais uma das dispensáveis que preencheram os espaços no suplemento.

No dia seguinte, a legenda da foto da capa do suplemento Copa 2006 trouxe: ‘torcedores dança em área próxima ao estádio de Munique, local da cerimônia de abertura’, com um pequeno erro de concordância. O dia 10/06 trouxe ‘Sex shops da Croácia sem vibradores’, como se o suplemento fosse um catálogo de acessórios.

No dia 11/06, uma espécie de ‘Big Brother Brasil’ na Alemanha foi apresentado, em que mostrava cada passo dos jogadores brasileiros. Uma reportagem direcionada aos bastidores da seleção, que por menos informativa que seja, desperta a curiosidade do leitor, mas é indiferente e dispensável.

A edição de 12/06 veio com matérias mais informativas, além de trazer um charge, que as outras edições não trouxeram. No infográfico, horários dos jogos e onde assisti-los. No dia seguinte, o jornal ambientou a Copa no estado, que mostrou algumas cidades catarinenses onde as empresas liberaram os funcionários mais cedo e de alguns locais que instalaram telões para o jogo Brasil x Croácia.

O suplemento trouxe ainda, ao longo do período analisado, nas últimas páginas crônicas de autores variados; a tabela da Copa; histórias de alguns jogadores; algumas estatísticas (como dos maiores artilheiros dos mundiais); e a crônica de Luís Fernando Verissimo, sempre direto de Königstein.

Sem deixar a bola cair

O Jornal de Santa Catarina vestiu a camisa e entrou no campo da cobertura da Copa. A quantidade de material apresentado e sua grande diversidade puderam agradar leitores de todos os estilos. Poucas foram as matérias em que se utilizou material de agência.

O jornal optou pelo caderno especial ‘Jornal da Copa’. Bastante ilustrado e colorido, o encarte entrou no clima do campeonato e de forma dinâmica trouxe muita informação a seus leitores. Além do box ‘Pitacos da Copa’ na coluna de Cláudio Holzer, as notícias só apareceram no caderno, que antecedia a editoria de Esportes. De vários lugares da Alemanha e aqui do Vale, os repórteres mostraram a dimensão e importância dos acontecimentos que envolvem o Mundial.

Os recursos gráficos enriqueceram bastante o encarte. O carimbo ‘de olho na concorrência’ acompanhou as matérias sobre os times adversários do Brasil nesta primeira fase. A parte opinativa foi apresentada em boxes e contou com a participação de enviados especiais, editores e especialistas. A coluna de Verissimo mostrou o lado literário dos acontecimentos, e o autor ganhou matéria sobre ele. As entrevistas publicadas pelo jornal deram um ar de revista para o caderno especial, tornando-o ainda mais dinâmico. Outro ponto bastante positivo foi a grande quantidade de matérias e notas sobre as outras seleções, os jogadores estrangeiros e os jogos das outras chaves do Mundial. O jornal também não esqueceu da tabela da Copa, acompanhada da foto da seleção brasileira.

Mesmo com uma cobertura completa, o Santa bateu na trave em alguns aspectos. No dia 5/6, o jornal ilustrou a matéria sobre o amistoso do Brasil contra a Nova Zelândia com uma foto de Ronaldinho Gaúcho em jogo e colocou a legenda ‘Ronaldinho não jogou bem, mas deixou o campo ovacionado’. Faltou simplicidade, a troca da palavra ‘ovacionado’ por ‘aplaudido’ seria de grande valia para a compreensão de todos os leitores. Na edição conjunta de 10-11/6, o título da matéria ‘Quem disse que não?’, que se referiu à vitória da Alemanha em seu jogo de estréia contra a Costa Rica, não apresentou clareza nem sintonia com o texto, já que a seleção da casa era favorita na partida. O exagero de espaço destinado a matérias sobre as bolhas de Ronaldo, o elástico do calção de Ronaldinho Gaúcho e as noitadas de alguns jogadores estamparam as curiosidades sem relevância publicadas pelo jornal.

Tudo foi bem, mas na edição do dia 7/6 a chamada na contracapa do jornal chamou mais atenção do que deveria. O título ‘Bolha sarou no pé de Ronaldo, mais ainda dói bastante na Nike’ (grifo nosso), além de se referir a um assunto já cansativo, fugiu das regras de um bom título, tanto pela gramática, quanto pela sua construção. O uso de ‘mais’ (adjetivo de superioridade) foi inadequado, quando se deveria usar ‘mas’ (conjunção de oposição, contrariedade). O mesmo com o uso de ‘bastante’ (com o sentido de suficiente), quando ‘muito’ (advérbio de intensidade) seria mais adequado.

Diário Catarinense vai a campo

A seção ‘Esportes’ do Diário Catarinense veio recheada de notícias sobre futebol. Todos os dias o jornal publicou uma grande variedade de novidades (às vezes nem tão novas assim), deixando o leitor tonto com tanta informação. Bom seria se todas as matérias fossem cabíveis nesta seção. Durante os 12 dias analisados, reportagens extremamente distantes do tema ‘esporte’ infestaram as páginas da seção que deveria ser direcionada a este assunto.

Mesmo antes da Copa começar, informações sobre as seleções de todos os países participantes foram noticiadas. A seleção brasileira, obviamente, obteve uma ‘hiper-cobertura’ e um acompanhamento diferenciado. Havia dados valiosos e notícias totalmente descartáveis ou fora dos padrões da seção em que foram publicadas.

Conflitos internos da seleção brasileira, a noite de folga dos jogadores, a bolha de Ronaldo, o caso amoroso de Ronaldo, a febre de Ronaldo, o machucado nas nádegas de Ronaldinho, as propagandas do encarte ‘Diário da Copa’, as casas enfeitadas, os blumenauenses e pomeranos na Copa; esses foram alguns dos assuntos pitorescos que mais tiveram destaque na seção esportiva do DC. Com características de revista de fofoca, ‘Festa em noite de folga rende fotos e mentiras’, no dia 02/06, relatou a noitada de lazer dos jogadores e a repercussão dos fatos.

O ‘Diário da Copa’ (mesmo ainda antes de virar caderno especial) foi uma fonte de notas dispensáveis para o acompanhamento dos jogos, que mais estavam para informações do ‘Guia dos Curiosos’ ou coluna social.

No dia 1/6, uma das notas de destaque foi ‘Pacote’, descrevendo um hotel especial para as mulheres abandonadas pelos companheiros durante a Copa do Mundo. A descrição incluiu detalhes, como por exemplo, que as televisões do hotel não passarão jogos de futebol, somente filmes românticos.

Em 4/6, uma das notícias de destaque foi ‘D2’ descrevendo a música composta pelo cantor Marcelo D2 para Ronaldo. A preocupação de Felipão com o temperamento de Cristiano Ronaldo foi a nota principal do dia 5/6. ‘O passeio da bola’ e ‘Ballack’, respectivamente, descreveram por onde andava a bola que seria usada na primeira partida da Copa e a falta de Ballack no primeiro treino da Alemanha, em 6/6.

No dia 7/7, ‘Festa’, ‘Segurança’ e ‘Bicicleta’ preencheram o espaço da coluna com informações dispensáveis. ‘Seleção sem Rei?’, ‘Ajuda Hindu’, ‘Feiticeiro’, ‘Visita’ e ‘Temperatura’ foi a seleção de curiosidades e estranhezas de mandingas e simpatias, no dia 8/6. Em 9/6, a coluna virou caderno especial e, aí sim, o jornal tirou proveito para colocar os mais diversos assuntos, para preencher as páginas do encarte.

A cobertura das seleções e dos jogos foi bem completa e detalhada, contudo, há detalhes que transgridem o necessário. ‘Coração dividido. Será?’, ‘Nova geração só quer Ronaldinho’, ‘Alemã declara paixão pelo Brasil’, ‘A Copa hi-tech’, ‘Beleza e desempenho’, ‘Mudanças preciosas no desenho dos gomos’, ‘Chuteiras dão velocidade e força’ são algumas das matérias que apresentaram informações fora dos lances dos jogos.

Todas, claro, relacionadas à Copa, porém, com características de notícias de caderno de Cultura e Lazer. No dia 10/6 mais matérias ‘extra-esportivas’ relacionadas a Copa: ‘Tecnologia digital abre caminho’ e ‘Fenômeno X Lula’ renderam duas páginas no encarte. A primeira descreveu como a RBS TV transmitiu a abertura da Copa em circuito e fechado e trouxe um box explicando como funciona o sistema HDTV. A segunda trouxe uma foto de Ronaldo em 2002 e outra em 2006 para o leitor comparar se o ‘fenômeno’ realmente engordou.

Em 11/06, as notícias de destaque foram curiosidades sobre diversos países incluindo Israel, Iraque e Índia. O título ‘Nações Unidas FC’ deu abertura às notas ‘Da beira do mar de Israel’, ‘Trégua em Intifada’, ‘Kiribati vê tudo do Pacífico’, ‘Rezas, velas e ritual na índia pelo Brasil’, ‘Televisão na rua para haitianos e ‘Iraquiano até arrisca a vida’. Como se pode ver, o espaço que deveria ser dedicado às partidas em si estão sendo abarrotados por futilidades.

Moacir Pereira muda

Na edição de 4/6, o Diário Catarinense anunciou o novo integrante de sua equipe jornalística. Moacir Pereira, com seus 42 anos de experiência no jornalismo, retorna ao Grupo RBS, após 22 anos afastado. Na matéria ‘Moacir Pereira estréia no DC na próxima quinta’, o periódico apresentou o currículo, os fatos e os prêmios que marcaram o jornalista ao longo da carreira. O texto detalhou a atuação que passa a ter o jornalista no grupo: coluna diária nos dois jornais, apresentações diárias na RBS TV e na TVCOM (canal a cabo em Florianópolis) e participação na Rádio CBN/Diário.

Menos vozes, mais espaço

Cláudio Prisco ganhou mais espaço em A Notícia. Em 11/06, o periódico anunciou que o colunista terá agora uma página inteira aos domingos. Neste novo espaço, o Canal Aberto tem o reforço de entrevistas ping-pong, frases e análise da semana, além das seções Folclore Político, Memória e Gangorra. Reflexo da ausência de Moacir Pereira, essa mudança aparenta preparar o jornal para as eleições. Com menos vozes, A Notícia abre mais espaço para Cláudio Prisco.

A violência da imagem

Em meio ao verde e amarelo das capas dos jornais da manhã de 13/06, letras vermelhas e uma foto, nada condizente com o clima de alegria dos brasileiros. Na primeira página, o destaque para um duplo assassinato que vitimou duas meninas na região de São João Batista (SC). Entre os demais jornais expostos na banca, O Atlântico se sobressaía com o alarde do crime e com uma estratégia sensacionalista de fazer jornalismo. Tão violento quanto o assassinato foi a forma que foi retratado.

A exploração da dor alheia e o apelo ao violento foram usados de forma esdrúxula e sem caráter informativo. Uma foto dos corpos das crianças, empilhados de forma nada respeitosa dentro de um caixão de metal, estava sob a manchete ‘Assassinato brutal de duas meninas deixa região em estado de choque’. Como se não bastasse a imagem chocante, um grifo rubro foi colocado em ‘Assassinato brutal’. Velha fórmula de chamar a atenção para a matéria no interior da edição. Entretanto, nas páginas internas, o leitor apenas encontrou um texto frio e sistemático, com a descrição da cronologia do caso, desde o desaparecimento até a descoberta dos corpos. Mas dessa vez, uma foto amena do funeral, com os caixões de madeira lacrados.

A capa dos jornais deve ser planejada de forma a chamar atenção, servir como um cardápio e instigar o leitor a comprar o material. O uso desse caso, neste dia, pelo O Atlântico, não levou a mínima consideração pelos sentimentos dos familiares das vítimas. Talvez com o sofrimento da perda ainda mal cicatrizado, o jornal rasgou aquelas lições sobre ética que se aprendem na academia e usou, tão covarde quanto os assassinos, as meninas. Nessa perda de vidas, o jornal perdeu parte da sua credibilidade.

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