Como fazer jornalismo local? Ou melhor: como oferecer um noticiário de comunidade que atenda às expectativas do cidadão? Esta questão martela a cabeça de editores e proprietários de meios de comunicação, não apenas em Santa Catarina, mas em toda a parte.
Uma problemática que fica mais aguda quanto maior é o alcance do veículo. Isto é, uma emissora cabeça de rede – aquela que está numa cidade grande e importante e gera conteúdos mais abrangentes – produz telejornalismo mais generalista, o que significa muitas vezes ignorar as demandas mais próximas do telespectador. Jornais com circulação estadual também enfrentam o dilema de equilibrar noticiário nacional e das diversas regiões que cobre.
Meios de comunicação mais localizados, com coberturas limitadas a uma cidade ou duas, têm mais condições de oferecer um noticiário mais concentrado, mais local. Mais provinciano também, é importante que se diga. Mas isso já é esperado pelo público, que também quer saber do crime do bairro, da sessão da Câmara dos Vereadores, do comércio urbano e por aí vai.
Questão de sobrevivência
Com o aparecimento de publicações mais modestas e com o surgimento de emissoras de rádio e TV, cujos sinais se restringem às microrregiões, o desafio de oferecer conteúdos jornalísticos hiperlocalizados aumenta ainda mais. Isso porque os investimentos dos grandes veículos não são canalizados para a abertura de novas sucursais ou mesmo para a contratação de correspondentes ou setoristas.
Pelo contrário, em Santa Catarina, a política do jornal A Notícia, nos últimos anos, foi fechar seus escritórios em diversas cidades importantes. Os cadernos regionais também tendem a desaparecer, o que pode impulsionar os leitores dessas localidades a outras alternativas de informação, como os pequenos jornais. Não existe também nenhuma iniciativa dos grandes veículos em motivar experiências que cubram possíveis lacunas geográficas.
Nos Estados Unidos, alguns jornais maiores têm feito diferente: têm motivado o surgimento de sites na internet com conteúdo hiperlocal, com maior abertura para a participação do cidadão, que não apenas sugere pautas, mas também manda seus relatos, vídeos e fotos.
O Chicago Tribune fez isso recentemente e lançou o TribLocal, que se ocupa de coberturas muito localizadas, bairristas mesmo. Já o Daily Telegraph será o primeiro jornal na Inglaterra a hospedar blogs de seus leitores. Esses experimentos fortalecem ainda mais a noção de jornalismo cidadão, expressão que vem ganhando muito eco naquele país e já começa a se espraiar em muitos pontos do mundo.
Não sabemos ainda se esta é a saída para um dilema como o que se apresenta: como ser global e ainda se manter local? De qualquer forma, os meios de comunicação precisam não apenas se preocupar com isso, como buscar soluções viáveis e duráveis. Na medida de alguma sobrevivência de seus negócios.
Onde estão os jornalistas?
As matérias não surgem do nada para os jornais. Para juntar dados, apurar informações e redigir os textos, existem os jornalistas. Mas os méritos por sua produção, muitas vezes, passam despercebidos, sem a publicação do nome do profissional na matéria. Cada vez mais se percebe esta prática, principalmente nas empresas que encaram a produção jornalística como um mero produto de mercado. Onde estão as marcas do jornalista responsável pela apuração, pelo tratamento das informações e pela difusão dos relatos do cotidiano? cadê suas impressões digitais?
Com esta idéia, o Monitor de Mídia nesta semana contabilizou as matérias com e sem assinatura de seus autores. Para isso, foram analisadas as edições de 22 a 25 de abril, dos três principais jornais catarinenses: A Notícia, Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina.
A NOTÍCIA
Domingo: Na edição, foram contabilizadas 27 matérias das quais 29,6% eram assinadas.
Segunda-feira: Neste dia, o percentual de matérias sem assinatura foi ainda maior: 73,07% de um total de 26 matérias.
Terça-feira: Nesta edição, 26,6%, de um total de 30 matérias contabilizadas, levaram assinatura do repórter.
Quarta-feira: A maior porcentagem de matérias sem assinatura foi apresentada neste dia: 84,85% de um total de 33 matérias computadas.
Nota-se que o AN apresentou um significativo desequilíbrio: num total de 116 matérias em quatro dias, 88 não apresentaram assinatura.
DIÁRIO CATARINENSE
Domingo: Foram publicadas 44 matérias, sendo 54,5% com identificação e 45,4% que não possuíam a assinatura do repórter.
Segunda-feira: O DC apresentou 53 matérias, das quais 52,8% creditavam e 47,1% não possuíam identificação.
Terça-feira: De 52 matérias, 40,3% apresentavam 59,6% não apresentavam créditos.
Quarta-feira: Em 60 matérias, 40% publicaram e 60% não publicaram o nome do repórter.
No total do Diário Catarinense, pouco menos da metade, 46,4%, das 209 matérias não eram assinadas. Isso demonstra um certo equilíbrio, porém boa parte do jornal é feita de forma anônima.
JORNAL DE SANTA CATARINA
Sábado e Domingo: Das 33 matérias computadas neste dia, 51,5% eram assinadas enquanto 48,5% não apresentavam o nome do repórter.
Segunda-feira: Esta edição apresentou 25 matérias, das quais 48% levaram assinatura enquanto 52% não tinham identificação.
Terça-feira: Este dia apresentou a maior diferença entre matérias com e sem assinatura: num total de 20 matérias, 60% tem identificação e 40% não.
Quarta-feira: Novamente, com um total de 20 matérias, 55% levaram assinatura enquanto 45% não apresentaram identificação.
Entre os três jornais, o Santa foi o que mais evidenciou o trabalho dos jornalistas. Em 98 matérias, 53,06% identificava o autor, enquanto 46,94% não apresentaram o nome do repórter.
O resultado disso…
O nome serve de credencial para os jornalistas. Para isso, os créditos são importantes para que os méritos ou os deslizes possam ser associados ao autor, e não somente ao jornal como uma empresa – no caso a RBS. Porém, Quando o jornalista obtém um espaço maior dentro do jornal e tem a oportunidade de imprimir o seu estilo textual, significa mais do que ele assinar uma matéria que remonta a um padrão do veículo.
Com os números vistos, percebeu-se que o jornalismo está mais para uma prática institucional, e pouco sobra para se ter uma noção das pessoas envolvidas na produção das notícias. Sem isso, não existe a identificação do leitor com um jornalista em particular, mas sim com o grupo. Esta ação é mais conveniente para a empresa, onde a única preocupação é a totalidade do produto jornal.
A Notícia | |||
Total | Assinadas | Não-assinadas | |
22/04 | 27 | 29,6% | 70,4% |
23/04 | 26 | 26,9% | 73,03% |
24/04 | 30 | 26,6% | 73,4% |
25/04 | 33 | 15,15% | 84,85% |
Total | 116 | 24,1% | 75,8% |
Diário Catarinense | |||
Total | Assinadas | Não-assinadas | |
22/04 | 44 | 54,5% | 45,4% |
23/04 | 53 | 52,8% | 47,1% |
24/04 | 52 | 40,3% | 59,6% |
25/04 | 60 | 40% | 60% |
Total | 209 | 46,4% | 53,6% |
Jornal de Santa Catarina | |||
Total | Assinadas | Não-assinadas | |
21 e 22/04 | 33 | 51,5% | 48,5% |
23/04 | 25 | 48% | 52% |
24/04 | 20 | 60% | 40% |
25/04 | 20 | 55% | 45% |
Total | 98 | 53,06% | 46,94% |
TECNOMÍDIA
Crise de identidade
Joel Minusculi (*)
A criação de uma identidade dentro do mundo virtual é uma das possibilidades mais fascinantes da internet. Para ser ou não ser, o usuário só precisa criar um perfil ou participar como anônimo na interação da grande rede. Mas o que parece tão simples e fácil causa muitas discussões, principalmente na relação de confiança entre os usuários e o serviço.
Tudo começou com os bate-papos (chats) e o uso de codinomes (nicks). Nestes espaços, os usuários conversavam sobre os mais diversos assuntos, desde uma discussão sobre o final de um filme, até a confissão de desejos íntimos. Os apelidos eram como máscaras, para preservar a identidade e libertar de qualquer inibição naquela oportunidade.
Mais tarde, quando os usuários da internet começaram a deixar suas marcas na rede, os fóruns passaram por um processo parecido. Era possível para qualquer um fazer um cadastro, preencher um formulário de informações e participar. Nessa época, há o surgimento de perfis reais e falsos, estes últimos mais conhecidos como fakes.
Estas identidades inventadas seguiam o mesmo princípio dos apelidos, só que agora havia um registro fixo, como um documento virtual. Porém, sem um sistema eficiente para assegurar a veracidade dos dados preenchidos, se manteve a possibilidade de qualquer um poder mostrar ou ser qualquer coisa, somente com as intenções como limite.
O uso dos perfis falsos chegou até o Orkut, o maior site atual de relacionamentos virtuais. Nessa versão a prática serve, entre outras coisas, para propósitos mal intencionados, como agressões morais ou para corromper outros perfis de outros usuários. Estas ações causaram um revés na idéia de construção coletiva do conhecimento, que era a proposta inicial do site.
A liberdade caótica da internet impede muitas das formas de controle usadas no cotidiano real. Os dispositivos judiciais tentam criar leis que alcancem o mundo dos bytes. Enquanto isso, a solução encontrada foi criar mediadores nos serviços. Estes são como "xerifes", que podem julgar ações e executar penas para os infratores, que variam entre a retirada de privilégios ou o banimento do serviço. Questão fácil de contornar para os mal intencionados, já que é possível criar outro cadastro, com uma nova identidade.
Novos meios
O problema ganha outras proporções quando as plataformas evoluem e viram necessidade na sociedade atual. Todas as ferramentas citadas foram agregadas a sistemas, como o Second Life e a Wikipedia. Com isso, o uso de identidades virtuais é mais uma vez posto à prova na personificação dos avatares e no conteúdo produzido por usuários dos mais diversos tipos. Ou seja, como saber realmente quem ou o que é a fonte consultada para determinados assuntos?
Mesmo com todas as dúvidas, há jornalistas que exploram este novo mundo para o exercício de sua profissão. Além da alta velocidade da grande rede entre os meios de comunicação, os benefícios incluem a possibilidade de contato com pessoas em todo o mundo, a maior flexibilidade de horários e a comodidade de colher informações em qualquer ponto com internet.
Exemplo disso foi a cobertura feita pela Wikipédia no atentado em Virgínia. Num curto espaço de tempo e com a contribuição de 2.074 editores, segundo a última contagem, o site criou um artigo detalhado e bem feito sobre o ocorrido e com mais de 140 notas separadas. Porém, caso um destes editores quisesse, parte das informações dispostas poderiam ser corrompidas, como aconteceu no recente caso Essjay.
No Second Life, o slogan "você pode ser qualquer um, fazer qualquer coisa e experimentar a total liberdade" abre um leque de possibilidades para os usuários. O sistema nega ser um jogo, mas muitas pessoas o encaram desta forma. Então, mais uma vez, entram em cena os fakes, agora com rostos e roupas modificáveis em um clique e suas mais diversas intenções.
Adam Pasik, jornalista da Reuters, usa seu alterego Adam Reuters na cobertura do mundo virtual para a agência. Sobre os avatares (personagens dos usuários dentro do Second Life) como nova categoria de fontes, ele confessa não ter como confirmar a identidade de quem controla a personificação virtual. "Todos os avatares são únicos, tenho certeza que estou falando com a mesma pessoa", explica o jornalista.
Os jornalistas devem ter um cuidado redobrado nesta "virtualidade", principalmente ao lidar com informações num mundo tão maleável. Em todos os meios existem jogos de interesses, informações plantadas e manipulação de dados. A verdade, que é um dos principais fundamentos da imprensa, é configurável na versão on-line. A internet somente entra como um novo canal e, apesar dos bytes facilitarem em muito a vida, o fator humano não deve ser deixado de lado. Afinal, são as pessoas, com boas ou más intenções, que ainda apertam os botões e conduzem o mouse.
(*) Bolsista do Monitor de Mídia e acadêmico de Jornalismo na Univali
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