Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A elite branca: rica e intocável

Vocês podem me contar quantas mulheres negras, mulatas, mestiças e pobres (são palavras quase sinônimas) são assassinadas por ano no Brasil? Quantas mulheres brasileiras voluntariamente ou enganadas deixam o Brasil para viverem da prostituição no estrangeiro, sofrendo violência e mesmo sendo assassinadas por cafetões, fechadas sem documentos em bordéis, sujeitas a todas as humilhações?


E quantas mulheres brasileiras estão, neste momento, fechadas num aeroporto europeu, Madri, Lisboa ou Roma, por exemplo, impedidas de desembarcar mesmo se cumpriram com as exigências legais, mas consideradas pelos policiais como possíveis prostitutas? Ou quantas mulheres brasileiras, sem documentos, emigrantes clandestinas grávidas ou com bebês vivem um pesadelo inimaginável neste rigoroso inverno europeu?


Quantas mulheres emigrantes no Japão, despedidas de seus empregos nestas últimas semanas com seus maridos, estão comendo uma sopa por dia num dos refúgios criados por entidades assistenciais, geralmente religiosas, depois de terem deixado tudo que possuíam num apartamento que não podem mais pagar?


Quantas meninas ainda nem moças satisfazem o turismo sexual em muitas áreas turísticas brasileiras?


Delírio foi levado adiante


Alguém se lembra delas quando aparecem mortas no Bois de Boulogne, em Paris, enforcadas ou apunhaladas num bordel do Ticino, na Suíça, ou drogadas e jogadas numa rua de Roma? Será que só o fotógrafo Sebastião Salgado vê que, no Brasil, em meio à indiferença geral, existe uma outra população pobre, negra, mulata, mestiça?


Já imaginaram se a imprensa e povo sul-africanos, durante o apartheid, se revoltassem quando uma branca, da melhor sociedade bôer, fosse agredida numa rua de Londres? Se isso ocorresse, seria um caso da chamada Síndrome de Estocolmo, quando o seqüestrado chega até a se apaixonar por seu seqüestrador.


Teria sido a Síndrome de Estocolmo que levou nossa população mestiça a se inflamar contra a Suíça, sem perceber a farsa da pobre menina rica, como diria Celso Lyra, que não é negra e nem mulata?


Por que o ato racista, se ela tem tudo de uma branca européia? Porque ela falava português? Ora, o português é uma das línguas da União Européia. A mentira era grande demais, mas foi aceita e a maior televisão brasileira, a Globo, com o apoio de um blogueiro irresponsável, levou o delírio adiante.


O que fizeram dos nossos sonhos?


Nossa sociedade de apartheid econômico e social chegou a essa perfeição – ignora as humilhações de que são vítimas a grande maioria da população e se levanta de dedo em riste quando uma representante da elite branca e rica alega ter sofrido uma agressão. E o ministro dos Direitos Humanos fala até em holocausto! Mas vamos com calma, o Brasil, mesmo se melhorou nestes últimos anos, vive ainda o holocausto. Não temos o maior número de assassinatos por ano, quase igual ao dos mortos no Iraque?


E o ministro Celso Amorim, que viveu tantos anos em Genebra, conhecedor da Suíça, entra no show da Globo e arrasta consigo o presidente, na farsa que virou o fiasco do ano? Nós, emigrantes, esperávamos uma tal reação em Lisboa, na Espanha, na Itália. Não veio e nem virá. A munição foi gasta e mal gasta para defender a farsa das intocáveis, que têm pai rico, pai influente, amigo de blogueiro, amigo de políticos. É isso que vale.


E como se não bastasse vem aquela afirmação de que o Brasil dará tratamento de VIP e apoio jurídico à brasileira Paula Oliveira, se for necessário. E para as outras, que não mentiram, mas que sofrem e são humilhadas, só que são pé-de-chinelo? Nada? Que vergonha!


Ricardo Noblat pediu desculpas? A Globo fez seu mea culpa?


O que eu posso fazer? Onde está a esquerda? O que fizeram dos nossos sonhos? Ficaram todos cegos, se acostumaram com nosso apartheid, mudaram de campo, mudaram de time?

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Jornalista e escritor