A figura do jornalista sempre causou certo fascínio na sociedade. Seja no cinema, na literatura ou mesmo nos quadrinhos, a figura do repórter-herói contribuiu para a construção do imaginário sobre a profissão. Um imaginário que, na maioria das vezes, ignora a complexidade do processo de produção de notícias, visto como um trabalho individual e personalizado do jornalista.
Em parte, essa tendência a individualizar as representações do métier explica-se pelo processo histórico em que se constrói a identidade dos jornalistas. Na medida em que se consolida como profissão, o jornalismo se relaciona e se abastece de práticas vizinhas, seja na literatura, na política, nas ciências sociais etc. Esse intercâmbio implica certa dubiedade na identidade profissional: misto de técnico e intelectual, a condição de jornalista em alguns momentos se aproxima de outras profissões liberais.
Mas a construção desse imaginário pode ser vista como uma estratégia de legitimação social adotada pela categoria. Por que devemos ter jornalistas? Por que conceder a determinado grupo social o monopólio de produção e difusão de informações? Os jornalistas vão responder: ‘Não somos apenas operários de uma empresa especializada na venda de informações, cujo objetivo final é – obviamente – o lucro. Vigiamos o poder em nome da sociedade. Temos um mandato civil para isso!’. Por trás desse discurso está a idéia de que o jornalista deve ser visto como um ente autônomo, com interesses distintos (e, muitas vezes, divergentes) da empresa de comunicação .
Um outro fator – nem sempre citado pelos pesquisadores da área – pode nos ajudar a entender um pouco mais desse fascínio pelo jornalista enquanto indivíduo e ator social. Falo da importância que uma elite profissional conquista na construção de um imaginário sobre o métier pelo público e entre os próprios jornalistas. Ou seja, na medida em que um jornalista atinge o topo, sua carreira se torna paradigmática para o grupo profissional. Todos os valores e os méritos necessários ao sucesso estarão representados nesse indivíduo.
Obviamente existe uma discussão informal na comunidade de jornalistas (incluindo também os professores e pesquisadores da área) em torno de alguns nomes que pertenceriam a essa elite. Mas isso é feito de forma aleatória. Se perguntarmos: ‘Qual a elite profissional dos jornalistas brasileiros?’, dificilmente encontraremos um consenso. Nesse sentido, o simples exercício de tentar encontrar e sistematizar esses nomes já me parece interessante e possibilita traçar contornos um pouco mais precisos sobre a atuação dessa elite de jornalistas.
No caso, a solução encontrada para esse mapeamento foi a montagem de uma enquête online dirigida a jornalistas, assessores de imprensa, estudantes e acadêmicos da área, de forma que pudéssemos produzir uma lista preliminar dos jornalistas mais influentes.
Montagem e veiculação
Desde o começo, a pesquisa seguiu o princípio de que os próprios entrevistados deveriam indicar o nome de jornalistas considerados influentes. A meu ver, a técnica de indicações livres poderia oferecer duas vantagens:
1)
Permitiria superar as limitações impostas por critérios mais ‘objetivos’. Fatores como salário, cargo, titulação acadêmica ou prêmios não são necessariamente prioritários na definição de uma elite profissional. Reconhecemos, nesse caso, que o status social independe da riqueza material.2)
Permitiria identificar os jornalistas mais influentes a partir do reconhecimento entre pares.A pesquisa, veiculada na internet, consistia de dois campos de resposta. No primeiro, o entrevistado respondia à pergunta: ‘Levando em consideração a influência junto ao público e o prestígio profissional, indique o nome do jornalista que melhor representa os valores da profissão.’ No segundo, indicava sua ocupação (jornalista, estudante de Comunicação, professor/acadêmico, assessor de imprensa e outros).
O sistema de armazenagem das respostas foi construído em parceira com o estudante de Engenharia de Redes da Universidade de Brasília (UnB) Arthur Lima, e ficou hospedado no servidor da própria universidade. Além das respostas, o sistema detectava data e hora das votações. Assim, era possível descobrir e evitar que uma pessoa votasse repetidamente num mesmo nome. A divulgação da enquete foi feita por meio de noticias publicadas nos sites da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), do Observatório da Imprensa e do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo. A pesquisa ficou no ar entre os dias 25 de julho e 26 de setembro.
Resultados
Ao todo, a pesquisa computou 302 votos. A maior parte (46,69%) veio de pessoas que se declararam jornalistas, conforme mostra a Tabela 01.
Tabela 1 – Distribuição dos votos, segundo a ocupação dos entrevistados
Profissão do entrevistado | Votos | % |
Jornalista | 141 | 46,69 |
Assessor de imprensa | 28 | 9,27 |
Acadêmico ou professor | 28 | 9,27 |
Estudante | 42 | 13,91 |
Outros | 59 | 19,54 |
Não votou | 4 | 1,32 |
Total | 302 | 100,00 |
Embora fosse o público prioritário da pesquisa, a alta incidência de jornalistas votantes surpreendeu. Quando escolhi os sites do Observatório da Imprensa e do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo como meios de divulgação, acreditava que haveria uma pulverização maior de votos entre estudantes e acadêmicos.
Uma possível explicação para essa concentração estaria no fato de o jornalismo ser considerada a primeira ocupação por profissionais que trabalham em mais de uma empresa/instituição (um jornal, uma universidade, um órgão governamental). Numa das respostas da enquête, por exemplo, um entrevistado que se declarou jornalista utilizou o espaço destinado à indicação de um nome para escrever a seguinte mensagem: ‘Como não tem espaço aí embaixo, informo que sou, também, professor de Telejornalismo’.
É preciso destacar também que, historicamente, nunca houve uma separação formal no Brasil entre as profissões de jornalista e assessor de imprensa. Isso implica uma certa porosidade entre as duas ocupações. Os profissionais de ambas as profissões compartilham de uma formação comum – curso universitário de Comunicação/Jornalismo – e costumam intercalar períodos de trabalho nas redações e nas assessorias. Detentores de um registro de jornalismo, vários profissionais vão se considerar jornalistas desempenhando temporariamente a função de assessores.
Além disso, durante muito tempo o trabalho de assessorias foi visto como uma atividade menor, à qual se dedicavam os menos competentes ou aqueles que buscavam melhores salários abrindo mão da ‘cachaça’ representada pelo trabalho em redação.
Elite fragmentada
Ao analisarmos a lista de indicações da pesquisa, o que primeiro vem à tona é a fragmentação dos resultados. O profissional mais votado, o jornalista Alberto Dines, por exemplo, ficou com apenas 6% dos votos. Para isso, talvez tenha contribuído o fato de a pesquisa ter sido divulgada também no Observatório da Imprensa, site fundado por Dines.
Observa-se também uma grande pluralidade de nomes. Para se ter uma idéia, 32,78% dos jornalistas que constam na lista obtiveram apenas uma indicação. Quando somamos o número de votos dos 16 jornalistas mais votados, chega-se a apenas 48,68% do total de votos (ver tabela 2).
Tabela 2 – Jornalistas mais indicados
Jornalista | Indicações obtidas | % |
Alberto Dines | 18 | 5,96 |
Franklin Martins | 14 | 4,64 |
Elio Gaspari | 12 | 3,97 |
William Bonner | 12 | 3,97 |
Ana Paula Padrão | 11 | 3,64 |
Boris Casoy | 10 | 3,31 |
Janio de Freitas | 9 | 2,98 |
Clóvis Rossi | 8 | 2,65 |
Heródoto Barbeiro | 8 | 2,65 |
Ricardo Noblat | 8 | 2,65 |
Caco Barcellos | 7 | 2,32 |
Carlos Nascimento | 7 | 2,32 |
Alexandre Garcia | 6 | 1,99 |
Carlos Chagas | 6 | 1,99 |
Mino Carta | 6 | 1,99 |
Ricardo Kotscho | 5 | 1,66 |
Essa fragmentação evidencia uma das limitações do método adotado. Ao abrir o voto às indicações dos entrevistados, sabíamos do risco dessa pluralidade de nomes e de uma tendência à regionalização das votações, como de fato aconteceu em alguns casos.
A fragmentação não implica necessariamente falta de consenso em torno dos integrantes da elite profissional brasileira. Outra hipótese deve ser considerada: a de que a elite dos jornalistas nacionais seria composta de um numero ainda maior de profissionais do que se supunha anteriormente. Isso pode ser explicado pela diversidade de meios e funções que permeiam o campo do jornalismo no Brasil. Na verdade, constatamos mais tarde que boa parte dos entrevistados gostaria de ter indicado mais de um nome para a lista de jornalistas influentes.
Televisão e política
Um segundo aspecto que deve ser destacado é o predomínio de jornalistas que atuam na mídia televisão (ver tabela 3). Dos 16 mais votados, 10 trabalham com telejornalismo. Entre eles estão apresentadores dos telejornais mais importantes do país: William Bonner (Rede Globo), Ana Paula Padrão (SBT), Boris Casoy (Rede Record) e Carlos Nascimento (TV Bandeirantes).
Tabela 3 – Jornalistas mais indicados por veículo de comunicação
Jornalista | Mídia | Veículo |
Alberto Dines | Internet/TV | Site Observatório da Imprensa/TV Pública |
Franklin Martins | TV | TV Globo |
Elio Gaspari | Jornal impresso | O Globo, Folha de S. Paulo Jornais assinantes |
William Bonner | TV | TV Globo |
Ana Paula Padrão | TV | SBT |
Boris Casoy | TV | TV Record |
Janio de Freitas | Jornal impresso | Folha de S. Paulo |
Clóvis Rossi | Jornal impresso | Folha de S. Paulo |
Heródoto Barbeiro | Rádio/TV | CBN/TV Cultura |
Ricardo Noblat | Internet | Blog no iG |
Caco Barcellos | TV | TV Globo |
Carlos Nascimento | TV | TV Bandeirantes |
Alexandre Garcia | TV | TV Globo |
Carlos Chagas | Jornal/Rádio/TV | Tribuna da Imprensa |
Mino Carta | Revista impressa | Carta Capital |
Ricardo Kotcho | Internet | Site No Mínimo |
Aparentemente, a hegemonia da televisão poderia ser explicada pela maior visibilidade desses jornalistas. No entanto, a maior parte deles se formou profissionalmente na mídia impressa e foi recrutada posteriormente pelas emissoras de TV. Assim, ao mesmo tempo em que aportam sua credibilidade à mídia audiovisual, multiplicam sua audiência e influência no público e entre os colegas.
Por fim, destacamos ainda a importância do jornalismo político na composição dessa elite profissional. Dos 16 jornalistas mais votados, boa parte atua como colunista político ou construiu sua carreira como repórter dessa editoria.
Limites e perspectivas
Esta reflexão buscou apresentar algumas perspectivas de estudo sobre as elites profissionais do jornalismo brasileiro. Entendo que seria impossível traçar um retrato mais fidedigno dessa elite em decorrência de limitações teóricas e metodológicas. Além disso, alguns temas importantes não puderam ser aprofundados neste artigo, cujo objetivo é o de apenas divulgar os resultados da enquête. (Como vários aspectos da pesquisa ainda não foram totalmente desenvolvidos, estou aberto a contribuições. Críticas e sugestões podem ser enviadas a fabiop@gmail.com)
Algumas indagações, entretanto, podem sugerir caminhos de pesquisa e reflexão. Em primeiro lugar, é preciso estudar a legitimidade desses jornalistas em outros setores da sociedade. Acredito que o estudo das relações entre a elite dos jornalistas e as elites do poder representa um campo bastante interessante. Outro ponto importante a ser analisado é a influência desse grupo profissional no público ou na audiência.
Por fim, alerto para a necessidade de entendermos melhor como o status dessas elites é instrumentalizado na prática. Ou seja: como é o trabalho diário desses jornalistas? Como ele influencia o público e os colegas? Em que sentido a obra justifica o status de elite? Estudos nesta direção podem ajudar a entender melhor o papel da elite de jornalistas na sociedade.
Conheça um pouco a obra dos quatro jornalistas mais votados
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Doutorando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB); colaboraram o jornalista Carlos Müller e o estudante Arthur Lima