Até que não foi surpresa o Supremo Tribunal de Federal (STF) ter acabado na quarta-feira (17) com a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo e o registro profissional do Ministério do Trabalho. Esse passo significa praticamente a desregulamentação da profissão e seu primeiro efeito será o aviltamento salarial. A decisão abre caminho para um jornalismo de compadrio que caminhará, cada vez mais, para uma subserviência ainda maior aos interesses de grupamentos políticos e econômicos.
Uma semana antes, no dia 9 de junho, na Câmara Federal, a ‘4ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa’ já, pelos personagens envolvidos, mostrava claramente que o eterno sonho patronal – o fim da exigência de diploma – estava por se realizar. Entre os participantes, dirigentes da Associação Nacional de Jornais (ANJ), da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também estava presente, provavelmente ‘de laranja’. A promoção foi da Aner e Câmara, com apoio da Unesco e da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Entre os canapés também estavam, sorridentes, o presidente da Câmara, Michel Temer; o presidente do STF, Gilmar Mendes; e o presidente do TSE e juiz no STF Carlos Ayres Britto.
O barbeiro era médico e dentista
Na quarta-feira (17/6), ao apoiar o voto do relator pela ‘inconstitucionalidade do diploma e do registro profissional do jornalista’, Ayres Britto, sofista como seus colegas, disse que há talentos naturais para o jornalismo que não precisam frequentar escola. Para exercer o Direito, aparentemente não há. Ele cometeu algumas heresias ao citar Otto Lara Resende, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Armando Nogueira como destacados jornalistas que não possuíam diploma específico.
Ora, só faltou ele dizer que Abraham Lincoln era autodidata e também exerceu o jornalismo com grande competência. Britto, se coerente, deveria, de acordo com o exemplo de Lincoln, defender o fim da exigência do diploma e registro de advogado na OAB. Ignora Britto (ignora?) que foram jornalistas da geração de Otto, Drummond, Bandeira, Armando Nogueira, Pompeu de Souza e muitos outros do mesmo naipe que lutaram com êxito a batalha pela regulamentação da profissão, batalha anterior a 64, diga-se.
O argumento ‘entulho autoritário’ é malicioso e mentiroso, como Ricardo Lewandowski, que sofismou nessa trilha. O argumento de que o decreto de regulamentação foi assinado na ditadura é de chocante desonestidade. Por essa lógica, a regulamentação do flúor na água é ilegal e Itaipu deveria ser destruída. Sentado no próprio rabo, o ministro Cezar Peluso cometeu, entre outros, o seguinte argumento: ‘Há séculos, o jornalismo sempre pôde ser bem exercido, independentemente de diploma.’ Ora, há séculos o barbeiro era médico e dentista. No Brasil, as primeiras escolas de Direito só surgiram em 1827, em São Paulo e Olinda.
Nunca houve tanta liberdade de expressão
Ayres Britto não entende que Otto, Drummond, Rubens Braga, Callado, Nelson Rodrigues, Bandeira, Graciliano e outros grandes mestres (e mesmo centenas de menos talentosos) jamais foram alijados do jornalismo e não seriam hoje. Até porque eles eram a escola. Aliás, nossos grandes mestres contemporâneos estão aí, em plena atividade, em todos os veículos e áreas do jornalismo. Grandes e pequenos cronistas e colunistas da atualidade também estão no dia-a-dia do jornalismo. Assim como os chamados hoje de ‘colaboradores’. Não os colaboracionistas, esses parecem estar de toga no lombo.
A necessidade de formação técnica superior em Jornalismo foi uma evolução que veio no bojo da modernização do jornalismo brasileiro, começada na segunda metade da década de 50 e entrou pela década de 60. Entre as várias mudanças, lutou-se pela formação superior e a regulamentação da profissão, movimento liderado pelos jornalistas da época. Essa formação visava a profissionalizar os jornalistas que atuam no ritmo da ‘literatura sob pressão’ do jornalismo diário.
Nos jornais de hoje, são dezenas os profissionais não jornalistas que assinam colunas, artigos e até mesmo reportagens, além de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Embora não seja jornalismo, os blogs proliferam. Há o chamado ‘jornalismo cidadão’. A CNN tem o seu I-Report. Nunca se teve tanta liberdade de expressão. De tal modo que a insinuação de ‘ameaça à liberdade de expressão’ alardeada por setores do patronato e da sociedade, por aqueles que não foram estudar e pelos ilustres magistrados do supremo tribunal federal, é pura falácia. O STF derrubou na quarta-feira a regulamentação da profissão, isto é, a exigência de diploma superior e o registro no Ministério do Trabalho, declarando tais exigências ‘inconstitucionais’. O ‘supremo’ trabalhou assim pelo jornalismo amador.
Um dinheirinho a mais…
Fica a pergunta: o que levou uma corte supostamente suprema a uma decisão tão catastrófica? Por que seguiram Gilmar Mendes? É claro que a decisão não veio por conta da sabedoria jurídica dos juízes. O próprio presidente Gilmar Mendes foi acusado de ‘usar capangas’ por um dos seus pares e não reagiu. Consentiu. Tais ‘petáculos’ são comuns hoje naquela corte. O de quarta foi mais um. O grande jurista presidente é um dos fundadores de certo Instituto Brasileiro de Direito Público, que é privado. É esse o lado ‘empresarial’ de Mendes. Os produtos oferecidos aos clientes são cursos de Pós-Graduação presencial ou à distância. Um lato sensu em Direito Previdenciário, por exemplo, custa a bagatela de 15 parcelas de R$ 728,00 em dois semestres letivos. A última novidade do IDP são as inscrições para o tradicional (sic) Curso Avançado de Direito Constitucional (online) com professores como Gilmar Ferreira Mendes.
E, incrível! No corpo docente do tal IDP, são atrações nada menos que sete dos onze ministros do Supremo: Carlos Ayres Brito, Carlos Alberto Direito, Cezar Peluzo, Carmen Lucia Antunes Rocha, Eros Roberto Grau, Gilmar Ferreira Mendes e Marco Aurélio Mendes de Faria Mello. Isso forma uma maioria fácil na Corte Suprema. No caso da entrega do jornalismo brasileiro à picaretagem, é necessário ressalvar que o ministro Marco Aurélio foi o voto solitário contrário à barbaridade e é uma esperança de quem nem tudo esteja podre do reino judiciário de Brasília. Carlos Alberto Direito estava ausente. Os demais votaram com o dono da escola.
É necessário dizer que, no mínimo, ‘causa estranheza’ que ministros da mais alta Corte do país sejam empregados numa escola particular. E que um dos donos de tal escola seja justamente o presidente de tal corte. E mais: se ética houvesse, deveriam se declarar impedidos de julgar a matéria ‘diploma de jornalismo’. Afinal, são interessados diretos. Não seria nada surpreendente se amanhã o tal instituto lançasse uma nova pós, tipo ‘O exercício do Jornalismo na ordem constitucional de 88’ – para aperfeiçoar jornalistas, diplomados ou não. A um custo módico de 15 parcelas de 700 paus cada. Seria mais lucro para o instituto e, quem sabe, um dinheirinho a mais nas mãos dos ministros-professores.
Lamentavelmente, quando se trata de Brasília, sem exceção, tudo vai se resumindo a ‘bizines’. B-I-Z-I-N-E-S. Assim, aportuguesado.
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Jornalista free-lancer em Londrina, PR