Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A fotografia como documentação

A criação do cinema possibilitou à sociedade uma modificação do olhar, alterando toda sua sensibilidade. O olhar através das lentes de uma câmera captura o que o olhar humano observa fugazmente. A história do cinema nos mostra que, além da linguagem cinematográfica que havia se desenvolvido, o procedimento influenciou a própria forma de olhar.



‘A verdade passa a depender de um certo cultivo da visão, o que deve ser bem ordenado, deve-se saber `o que pode ir junto e o que tem de permanecer separado´, como diz Platão no Sofista; inventa-se, com isso, a lógica. E abre-se, por aí, o caminho para uma nova etapa da evolução do olhar: sua vinculação com a interioridade’ (ADAUTO, 1998, p.90).


Quando o cinema provoca com a mudança da sensibilidade na sociedade industrial, essa alteração pode ser comparada ao surgimento da escrita, que contribuiu na variação das formas de comunicação humana. A vida cotidiana foi bastante alterada pelos desencadeamentos dos meios de produção de livros na Europa (século 15), possibilitando dessa forma o aparecimento de uma nova forma de conhecimento. A chegada do cinema apresentou fatos parecidos: modificação da forma de olhar, na sensibilidade e no conhecimento.


‘Estes (materiais) supõem a consciência tanto na sua origem quanto na sua apreensão. Ganham a sua origem como matéria elaborada pela consciência humana com uma destinação fundamental: manifestar a consciência e seus conteúdos, expressar estados da mente, fixar ideias para disponibilizá-las materialmente. São construídos para significar, para expressar, portanto, para serem lidos, interpretados, compreendidos por outras consciências’ (GOMES, 2004, p. 94).


A condição do homem moderno no mundo


Michelangelo Antonioni, ou simplesmente Antonioni, foi oriundo da escola neo-realista mais produtiva do cinema italiano, entre as décadas de 40 e 50. Com o passar do tempo, desenvolveu sua própria estética, que tratava dos interesses humanos na sociedade e as complexas relações entre homens e mulheres modernos. Também tentou compreender a alma feminina, mesmo sabendo o quão árdua seria essa tarefa.


Foi rotulado como o cineasta da incomunicabilidade, o que aceitou sem nenhum receio, mas logo depois sentiu-se incomodado pois dizia sempre tentar se comunicar em seus filmes.


‘Nessa maneira de construir o enredo, a crítica também notou que havia um novo modo de encarar a imagem cinematográfica, que deixava de ser apenas o suporte de uma narração para se tornar realização’ (FERZETTI, Fabrizo.2007, pg. 58).


Entretanto, como disse, as relações homem e mulher e suas formas de comportamento no mundo moderno sempre estiveram no centro de sua preocupação. É isso que observamos na Trilogia da Incomunicabilidade: A Aventura, A Noite e O Eclipse, no seu final com a cidade e a natureza parando enquanto surge um eclipse solar. Umas das cenas mais belas de serem vistas nas telas do cinema.


Antonioni sempre surpreendeu em suas obras, como vemos em Deserto Vermelho, com Mônica Vitti, Profissão Repórter, que filmou com Jack Nicholson, Zabriskie Point e Blow Up – Depois daquele Beijo, que na verdade constata um grande trabalho sobre a função do olhar humano. Poucos cineastas, como Antonioni, perceberam a louca condição do homem moderno no mundo.


Imagens passam a ter significado próprio


Blow up é considerado um dos filmes mais comentados nos últimos 40 anos. Foi inspirado no texto Las babas del diablo, do escritor argentino Julio Cortazar. Ambientado e filmado na Londres dos anos 60, faz ênfase ao processo de apreensão da realidade com elementos da fotografia e o próprio cinema. O filme não apresenta respostas de fácil entendimento ou conclusões simplistas, por isso é até hoje analisado.


O filme narra a estória de Thomas (David Hemmings), um entediado fotógrafo de moda com características amorais, arrogantes, insensíveis e obstinação pelo seu trabalho. Dono de um senso estético admirável, Thomas não se sente preenchido, sua vida parece norteada pela instabilidade que é representada claramente quando ele fotografa, de forma não-consensual, Jane (Vanessa Redgrave) aos beijos com um homem num parque público, e não se abala com a insistência da garota para que ele lhe entregue o filme.


A fotografia é a grande paixão de Thomas, mais importante até que as pessoas que ele descarta facilmente. Mas, uma atitude de Jane, ao pedir que não revelasse as fotografias, mostrou o quanto ela era desprovida de conteúdo em sua estrutura interior. E isso fez com que ele inconscientemente buscasse por significações, que no decorrer do filme, quando as fotos são reveladas e devidamente ampliadas, surge à descoberta de um possível assassinato no parque. Trata-se de uma imagem isolada, aparentemente sem significado, que a partir de um conjunto formado por várias delas configura uma sequência lógica que adquiriu a relevância que o artista procurava.


Thomas tenta encontrar significações ocultas nas suas fotos, tendo como referência o olhar apreensivo de Jane em uma delas. Num encadeamento visualmente espetaculoso, a perspectiva do outro se torna algo relevante para ele, tornando-se assim, um ponto de partida. As imagens passam ter importância por seu significado próprio, e não para o seu deleite.


Mistério, morte e ilusão


Retratado sem pudor, observamos muito de Antonioni no próprio Thomas. O gosto do diretor pela beleza, revelado nos excelentes enquadramentos, nos movimentos secos e breves. Numa sequência em que o mestre na arte do cinema capta Thomas fotografando Veruschka (top model vanguardista), imaginemos dois fotógrafos num só, em busca do enquadramento perfeito e apaixonados pelos seus ofícios. A crítica que Antonioni faz ao seu alter ego é ampliada para a sociedade de que fazemos parte. Em Blow up, encontramos pessoas retratadas de formas estáticas e alheias as significações das coisas, como são as modelos e os espectadores do show dos Yardbirds (Jimmy Page e Jeff Beck). Antonioni exalta a concepção de que não devemos nos tornar passivos em nossas posturas ideológicas e consequentemente em nossas vidas.


‘O cineasta italiano retrata o ambiente instigante da `Swinging London´ com um interesse quase antropológico. Repare como Antonioni incluiu no enredo três longas sequência representando a trinca de valores fundamentais da época (Sexo, Drogas e Rock´n´roll), chegando sempre à mesma conclusão: nada, nem mesmo a energia da juventude e sua febril vontade de contestação, é capaz de retirar o homem da prisão social’ (CARREIRO, ONLINE, 11/04/2010).


Muitos consideram esse filme como umas das primeiras obras na área da globalização. É o primeiro filme em língua inglesa que trazia ao mundo a primeira cena de nudez frontal feminina (da cantora-atriz Jane Birkin) em um filme não-erótico e dirigido ao grande público.


Um filme de Antonioni em que ele filosofa sobre temas como mistério, morte e ilusão. Além de documentar a música, a sexualidade, a moda e a arte de uma Londres fervilhante. Sua trilha sonora, composta por Herbie Hancock, é magnífica e se encaixa perfeitamente ao clima sessentista carregado de liberdade que predomina no filme.

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Estudante de Comunicação Social – Radialismo (UFPB)