O jornalista e escritor colombiano Gabriel García Márquez, prêmio Nobel de Literatura, disse certa vez que o jornalismo é a melhor profissão do mundo. Ele não deixa de ter razão. Repórteres são paparicados, respeitados e temidos. Circulam entre autoridades, intelectuais, celebridades – e também entre assassinos, ladrões e miseráveis. Antenas parabólicas ambulantes, interrogam os protagonistas da História e são os primeiros a ser avisados das decisões que vão transformar a sociedade. Por fim, suas reportagens e opiniões tornam-se referências para a discussão das grandes questões de seu tempo.
Sim, é uma grande profissão: mergulhar na realidade, observar, registrar e tornar público o que viu. A prática jornalística é uma das formas mais estimulantes de conhecer o mundo e de participar da sociedade.
Mas escolher esta profissão é sobretudo encarar uma grande responsabilidade: as pessoas precisam muito dos jornalistas. Em uma sociedade complexa, povoada por diversos grupos sociais espalhados pelo espaço, a circulação de informações corretas e relevantes é condição chave para promover o desenvolvimento humano. Para cumprir o seu papel com competência, o jornalista precisa saber identificar as falhas sociais com muita precisão. E é neste ponto que entra a questão da formação universitária.
Reflexão crítica
Para transformar a sociedade, é preciso, antes de tudo, aprender a ler o mundo para interpretar suas conexões e detectar as verdadeiras necessidades das pessoas. E isso não é tão simples quanto o senso comum parece sugerir. Primeiramente, é preciso perceber que os fatos nunca estão isolados. Eles se encadeiam em relações complexas e só são explicados na medida em que são contextualizados.
Mais do que apenas noticiar fatos, o jornalista deve ter uma inteligência aguçada para compreender a lógica social que rege os casos aparentemente isolados. Só assim alcançará consciência crítica para discernir, entre os milhares fatos cotidianos, qual é verdadeiramente importante, revelador da realidade. Só assim será capaz de distinguir a causa do efeito, o sintoma da doença, o secundário do essencial.
A formação universitária em Jornalismo favorece o desenvolvimento de um método para fortalecer essas inquietações intelectuais. No decorrer do curso, o estudante articula noções de Psicologia, Filosofia, Antropologia, Ética e Ciências Sociais aplicadas à Comunicação. Esses estudos oferecem uma oportunidade preciosa para ampliar a visão de mundo, lapidar a inteligência e enxergar as sutilezas das relações sociais.
O período acadêmico é, sem dúvida, o mais adequado para o livre desenrolar dessas reflexões. E um dos motivos é básico: depois de se acorrentar nas engrenagens da profissão, dificilmente o profissional consegue, sozinho, organizar um método de estudo sistemático para o exercício da autocrítica intelectual. Em outras palavras, não tem oportunidade de dialogar e tirar dúvidas com um orientador, não tem tempo de organizar os estudos – ou até mesmo de estudar! A ordem é: trabalhar, produzir! Essa história de estudar… é coisa para estudante.
Sem uma reflexão crítica sobre seu próprio ofício, o profissional vira um mero repetidor daquelas velhas fórmulas que tradicionalmente não funcionam. Deste modo seu ofício torna-se burocrático e sua contribuição social revela-se, na verdade, estéril. Pior, o jornalista pode achar que está ajudando, mas na verdade apenas faz o papel de marionete de interesses cuja origem muitas vezes nem desconfia.
Dever histórico
Hoje há um grande debate entre profissionais de imprensa sobre a questão da regulamentação profissional. Em poucas palavras: há quem defenda a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão, e há outros defendendo que qualquer pessoa alfabetizada é capaz de se tornar um bom técnico da escrita e atuar em um órgão de imprensa.
De fato, não é um diploma que vai garantir a competência técnica do profissional. Na verdade, é o próprio cotidiano que ensina, na avalanche diária de notícias, os procedimentos do ofício. E, bem a propósito, quase todos os jornalistas de duas ou três gerações anteriores, na falta de escolas de Jornalismo, aprenderam o ofício na prática.
Mas é preciso ficar bem claro qual é o sentido da formação universitária. O curso de Jornalismo jamais se resume a um curso técnico. Aprendem-se as técnicas, é claro, mas elas são encaradas como ferramentas para o verdadeiro caráter do jornalismo, que é um intenso exercício intelectual. Com o estudo universitário, o futuro profissional será capaz de desenvolver suas próprias teorias – e, como sabemos, pessoas que partem direto para a prática na verdade estão aplicando no seu trabalho uma teoria feita por outros.
Um bom curso de Jornalismo contribui na ‘alfabetização’ no sentido em que Paulo Freire conferia à palavra: os futuros profissionais aprenderão a ler na faculdade que ‘a casa é bela’, e que a casa bela nunca servirá de moradia ao pedreiro que a construiu enquanto as políticas públicas de habitação permanecerem subordinadas à especulação imobiliária de grandes construtoras.
Para se tornar um bom jornalista, além da vocação pessoal, é preciso ler muito, observar muito e escrever muito. O próprio ato de redigir as próprias idéias desenvolve a organização mental e a capacidade de observação. Já se disse que ‘quem não consegue escrever claramente o que pensa, na verdade não pensa’. Mais uma vez, portanto, o sentido da formação universitária é sistematizar o método para a futura profissão, para que os futuros jornalistas compreendam a dimensão do que estão fazendo, com plena consciência de seu papel social. Até porque nosso dever histórico é superar a qualidade do jornalismo praticado pelas gerações anteriores.
******
Jornalista e professor no curso de Comunicação Social na Universidade de Uberaba (Uniube)