Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa brasileira
entre o porre e a ressaca

Onde foi parar a brasileira sem nome que há 10 dias estava nas primeiras páginas e na escalada dos telejornais identificada apenas pela nacionalidade – foi seqüestrada, confiscada, embargada, censurada?


Que fim levou a advogada pernambucana Paula Oliveira que emocionou o país quando apareceu como vítima da agressão dos skinheads suíços?


Depois que se descobriu que foi protagonista de uma farsa, embuste, patranha, a moça simplesmente sumiu. Evaporou.


A brasilidade é um sentimento que só se manifesta quando inflado pela indignação. Solidariedade só no câncer – parafraseando Nelson Rodrigues – e, mesmo assim, somente no velório ou féretro.


Paula Oliveira está vivendo agora um drama terrível, maior ainda do que o de ter sido supostamente seviciada por três hooligans da extrema-direita suíça.


Há poucos dias tinha o apoio e o consolo de 190 milhões conterrâneos; agora está sozinha, com suas mágoas, família e amigos mais próximos.


Solidão penosa


Ninguém quer saber por que razão fez o que fez. A alegação de doença apresentada por seus advogados pode atenuar a sentença judicial, mas coloca-a numa solidão ainda mais penosa. Ninguém gosta de saber que foi manipulado por um surto de paranóia ou fantasia persecutória.


Nunca se saberá se Paula Oliveira se auto-imolou para denunciar o ressurgimento do nazifascismo europeu (e mundial) ou se apenas queria chamar a atenção para si mesma. Está condenada a assumir definitivamente o papel de vítima de um acesso maníaco.


A implacável gangorra que transformou a heroína em vilã foi construída por nossa mídia. Não houve má-fé, todos agiram com as melhores intenções, é sempre assim. Porém todos são igualmente responsáveis pelo vexame sofrido pelo Estado brasileiro, legítimo representante da brasilidade e o maior prejudicado nesta história.


O sumiço total do caso no fim de semana carnavalesco escancara os procedimentos e valores que comandam os nossos meios de comunicação. O assuntão transformou-se magicamente em assuntinho.


A metamorfose impõe um questionário:


** O surpreendente desfecho por acaso tornou sem importância o recrudescimento da violência política na Europa, Américas e Ásia?


** Os fantasmas de Hitler e Mussolini devem voltar para os armários ou para os museus só porque a patrícia Paula Oliveira fez uma acusação sem fundamentos?


** O neonazismo, o neofascismo, o neostalinismo e o neototalitarismo porventura deixaram de representar uma ameaça?


** A democracia está definitivamente implantada no Ocidente e já não carece de mobilizações em seu favor?


** Saiu de cena definitivamente o espectro da intolerância política, religiosa e étnica só porque Paula Oliveira simulou uma violência contra si mesma?


Nossa mídia vive de porre, esta é a verdade.


De porre e de ressaca, alternadamente. Aos estouros da manada sucedem mergulhos modorrentos, num ritmo regular, constante e invariável, que só serve para estimular a implantação da cultura da afoiteza e da morbidez.


Como a grande imprensa recusa a olhar-se no espelho, auto-amordaçada, estamos condenados a repetir indefinidamente o caso Paula Oliveira.


Doravante, quem vai encarnar o conflito entre verossimilhança e veracidade será a grande imprensa brasileira. Merecido castigo para aqueles que tiveram vergonha de rememorar sua história e seu passado de glórias.


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A tenebrosa Segunda Guerra Mundial deve ser engavetada justamente quando o mundo prepara-se para reverenciar os 50 milhões de mortos no 70º aniversário da sua execução?


As revistas semanais e os cadernos de idéias não conseguiram.