Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A imprensa como narração do presente

A Tese de Doutoramento em Periodística de Tobias Peucer pode ser considerado o texto fundador da Teoria do Jornalismo. Nele está contido tudo aquilo que pode ser considerado universal e estrutural no jornalismo. Por isto, é um texto de valor permanente. O texto revela um autor atento ao tempo presente e ao cotidiano de sua época, premissas do jornalismo.


O texto, sem dúvida, revela um autor que observou e refletiu, de forma sistemática, sobre o seu objeto de estudo. Com reflexão e observação, Peucer sistematiza os fundamentos perenes do jornalismo. A tese trata da natureza do jornalismo e da notícia. Peucer aproxima o jornalismo dos conceitos de narração e história. Para ele, o jornalismo seria um misto de narração e história e, diríamos nós, o jornalismo seria uma forma de narração da história do presente. É extraordinária a atualidade do texto em relação ao discurso informativo, ao discurso sedutor e em relação ao paradigma da notícia como relato. Peucer é, então, o primeiro a perceber a notícia como uma forma de relato. E isto é incrivelmente atual. É impossível pensar a teoria da notícia sem a noção , a idéia de relato. Peucer é também o primeiro a pensar a teoria do acontecimento. Tobias Peucer é referencial naquilo que é essencial no estudo do jornalismo informativo e do seu reverso: o jornalismo sensacionalista.


Este ensaio tem por objetivo interpretar o texto da Tese de T. Peucer e relacioná-lo com os atuais estudos do jornalismo. Para isto, obedeceremos a ordem das frases e dos parágrafos, seguindo-os. Todas palavras, expressões, frases e parágrafos sublinhados referem-se ao texto da Tese que, aqui aparecerão grifados, destacados por nós.


Não há nada que satisfaça tanto a alma humana como a história, seja qual for a maneira como tenha sido escrita‘ (todos os grifos são nossos). Deste trecho, do primeiro parágrafo da tese, podemos retirar três elementos muito caros à Teoria do Jornalismo: a questão da satisfação, a questão da história e a maneira como ela é escrita. Aqui o autor já havia percebido, na sua época, o fascínio que a história (a vida dos Outros provoca no ser humano). O Outro da História é um elemento essencial na compreensão do jornalismo. Para aprofundar a questão do Outro na história, nossos estudiosos poderão debruçar-se sobre o quê a Psicologia, a Psicanálise, a Antropologia, a História e a Teoria Literária podem nos dizer.


Essa atração, encanto que está no Outro, é o que vai definir o discurso de sedução nas produções sensacionalísticas (popularescas e assistencialistas) que Peucer aponta na idéia-nuclear de deixar levar-se por. E remete à causa do fenômeno a curiosidade humana.


No segundo parágrafo da tese, Peucer trabalha com a origem da palavra notícia. Aborda primeiro o sentido de novellae que tem a mesma acepção de novos periódicos e o significado de nova comunicação e cita o exemplo do códex que se encontra na biblioteca real. São os monges quem passaram a empregar o termo notícia. Com a palavra nouvelle, os imperadores designavam as disposições mais recentes. Porém, Peucer emprega a palavra relatos (relationes), por proporcionar mais clareza. (Os grifos são nossos).


Formas de história


No terceiro parágrafo da tese, Peucer trabalha com as diversas formas de história. A forma universal, particular ou singular se ordena como um fio contínuo, conservando a sucessão dos fatos. A forma da história , as coisas esparsas ou histórias sem ordem extrai separadamente elementos da narração contínua dos fatos. A forma da história confusa, os gregos chamavam-na miscelânea, ou seja, história variada ou multiforme ou coisas desordenadas. Nesta forma, não há também nenhum critério de ordem. (Os grifos são nossos). Podemos verificar aqui, a preocupação de Peucer com a forma de escrever, de relatar, de contar a história. Já existe aqui uma primeira aproximação entre notícia (como narração do fato) e história.


No quarto parágrafo, Peucer chama esta última classe ou tipo de relationes de relatos periodísticos (relationes novellae) que contêm a notificação de coisas diversas acontecidas recentemente em qualquer lugar. Os relatos jornalísticos têm em conta a sucessão exata dos fatos que estão interrelacionados e suas causas. Limitam-se a uma simples exposição a bem de reconhecer os fatos históricos mais importantes. Ou até mesmo misturam coisas de temas diferentes como acontece na vida diária ou como são propagadas pela voz pública para que o leitor curioso se sinta atraído pela variedade de caráter ameno e preste atenção.


Nos quatro primeiros parágrafos, nota-se a preocupação de Peucer em compreender a natureza do relato jornalístico. Se lermos os grifos no texto acima, temos a definição do que é relato jornalístico. E aqui temos posto dois paradigmas: o paradigma da notícia como narração e o paradigma da notícia como atração pela variedade e pelo novo.


A nova comunicação


O autor, ao preocupar-se com as formas da história, na verdade está ocupado com as formas de relatar da nova comunicação, isto é, dos novos periódicos em 1690. Este ponto nos remete às formas consagradas de redação do texto jornalístico conhecidas como pirâmide invertida, pirâmide normal e mista. É fantástica a relação que aqui pode ser feita com as formas de narrar do jornalismo informativo, incluindo aí o lead do texto. Verificamos no texto de Peucer, a preocupação com a ordenação dos fatos, com os critérios de ordem de aparecimento no texto. Isto é de uma incrível atualidade!


Nos parágrafos cinco, seis, sete e oito, Peucer ocupa-se das origens (da maneira de escrever esse tipo de notícias e de relatos precipitados, pois era um tempo que não era dada atenção à história) e causas da composição dos relatos com a finalidade de conhecer a estrutura e sua utilidade na vida, em um tempo em que não havia pessoas que pusessem por escrito a memória dos acontecimentos. Exceção àquilo que era registrado nos comentários dos pontífices e em outros documentos públicos e privados. Mais tarde, escritores gregos e latinos estabeleceram as bases dos comentários da história escrita. Com Carlos Magno, teve início o ensino da história por parte dos monges que deixaram uma relação dos fatos históricos em uma crônica. A partir de 1500, quando começou a brilhar a luz da literatura, homens sérios e doutos se aplicaram à tarefa de estabelecer as bases da história. Muitos se dedicaram a escrever história. Depois alguns não mais instruídos, querendo imitá-los, recopilaram uns relatos grotescos sobre fatos recentes, obras precipitadas extraídas dos escritos dos palácios, dos mercadores ou do boato público, de sorte que favoreciam a curiosidade do povo, geralmente inclinada ao conhecimento de coisas novas. E surgiram os Correios e assim se podia conhecer com mais facilidade o que sucedeu em lugares distantes. E apareceram os mercúrios franco-belgas, apesar de anunciar fábulas falsas junto com histórias verdadeiras, conseguiram encontrar credibilidade. Tal como disse Sêneca, alguns são crédulos, outros descuidados. Outros são enganados de boa fé pela mentira. Outros se deixam seduzir pela mentira. Uns não a evitam, outros a procuram. Toda esta raça tem em comum o defeito de crer que sua obra se fará aceita e popular se for misturada com fábulas.


Desta parte, pode-se observar que, no seu início, os relatos jornalísticos foram tomados pelos homens menos instruídos que, aproveitando-se da credulidade do povo, ofereciam aos leitores fatos misturados com fábulas. Daí serem relatos precipitados na sua origem. Então, a causa da aparição dos periódicos impressos, com tempestiva freqüência, são devido à curiosidade humana e à busca do lucro. Acredito que se pode inferir que os primeiros relatos jornalísticos surgem como uma forma mercenária de exploração da curiosidade humana.


As qualidades


Nos parágrafos nove, dez e onze, Peucer indica as qualidades do bom historiador: intelecto e vontade. Cabe ao intelecto, o conhecimento das coisas que serão registradas nos relatos públicos. As coisas são obtidas por inspeção própria, quando o sujeito é espectador. Ou por transmissão, quando uns explicam aos outros os fatos que presenciaram. É merecedor de maior credibilidade o testemunho presencial que o receptor de uma transmissão de outro. Assim como nos julgamentos costumava-se dar mais crédito a um testemunho ocular que a um testemunho de ouvidos, assim também se dá mais crédito ao narrador presencial que a quem cuja narrativa foi extraída de outro. Assim que Gelli livro V, c. 18 pretende que a história seja a narração daquelas coisas de que o indivíduo tenha sido espectador, isto em sentido estrito.


O juízo, a mais exímia qualidade dos intelecto, por meio dele, as coisas dignas de crédito sejam separadas dos rumores infundados, das leves suspeitas. As coisas e ações diárias sejam separadas das coisas públicas e daquelas que merecem ser contadas. Este juízo faltou aos monges, escritores,autores das crônicas e aos redatores de periódicos. Faltou aos redatores de periódicos quando procuram falar de banalidades e minúnicas e omitem o que seria útil e fácil de ler. Envernizam com documentos o que ouviram dizer por outros e quando não têm coisas exatas fazem passar por história as suspeitas e conjeturas dos outros.


Nos parágrafos acima, Peucer ocupa-se da importância do conhecimento das coisas; do testemunho presencial; da apuração e verificação quando se refere à inspeção própria; da existência das fontes no jornalismo quando se refere à transmissão de outro e da existência da seleção, da separação, isto é, o juízo. Incrível a percepção de Peucer da seleção e da separação como elementos constitutivos do relato jornalístico. Isto é, saber separar o que é testemunho ocular de testemunho de ouvidos ( do que se ouviu dizer), separar o que é banal do que é importante. Incrível, aqui neste ponto está contido o trabalho incessante de apuração e verificação a que todo bom jornalismo (e jornalista) deve estar submetido. Peucer compreende que o relato jornalístico está submetido a dois desafios: ao desafio do texto (saber contar, saber narrar) e ao desafio da apuração (saber separar, saber escolher). Saber separar o que viu do que ouviu. Saber separar fatos de conjeturas.


Defeito comum


No parágrafo 12, Peucer trata do defeito comum nos historiadores de fazer passar por história as suspeitas e conjetura dos outros, deixando de lado fatos históricos maiores, isto acontece por falta de instrução ou de critérios e por ignorância em relação ao que cabe dizer e silenciar. Ver aqui semelhança com frase do Tractatus Lógico-Philosophicus de Ludwig Wittgenstein.


Aqui neste ponto, certamente estamos diante da formação dos jornalistas pois calúnia, injúria, difamação, distorção deliberada ou involuntária, omissão, descontextualização e etc acontece por falta de instrução ou de critério e por ignorância diante do que cabe dizer e silenciar (Tobias Peucer). Na verdade, todo o texto da Tese de Peucer nos indica o cuidado e a necessidade de investirmos fortemente na qualidade do ensino nas escolas de jornalismo.


No parágrafo 13 de sua tese, Peucer refere-se a outra qualidade do bom historiador: a vontade. Ele relaciona a vontade do escritor de periódicos à credibilidade e ao amor à verdade. Refere-se àquele preso por um afã partidário, mistura temerariamente alguma coisa de falso ou escreva coisas insuficientemente exploradas. Já que a primeira lei da história é que não se ouse dizer nada de falso e a segunda que não lhe falte coragem para dizer o que seja verdade e a terceira que não tenha suspeita de parcialidade nem aversão de escrever. E Estrabó, no livro XII da sua Georg., acrescenta que a história quer o que é vero, seja antigo ou novo. E o que é insólito ou não se narra ou o faz muito raramente. Polibi, escritor muito rigoroso da antiguidade, quando decidiu escrever sobre as gestas de Escipio da Espanha, foi até àqueles países distantes para que nada de falso borrasse a sua história. Cícero, no livro I De Legibus diz que falta esta laboriosidade em Heródoto. E Quintiliano parece negar a credibilidade aos gregos pois eles usam para a história as mesmas licenças que usam para a poética.


Verdade e parcialidade


A credibilidade jornalística aqui é duplamente construída pela laboriosidade (isto é pelo trabalho de exploração da verdade) e pela atitude de distanciamento crítico (suspeita de parcialidade) em relação ao objeto que explora, sem estar preso, alheio, submetido aos afãs dos fanatismos partidários, religiosos etc.


Ainda no parágrafo 13, Peucer também trata da credibilidade resultante de escolhas editoriais. O que é insólito ou não se narra ou o faz muito raramente. A falta de credibilidade das produções sensacionalísticas muito decorre da exploração do caráter insólito dos acontecimentos. Isto é, da valorização de acontecimentos banais que incitam/excitam a curiosidade humana pelo novo. E daí obtêm muito dinheiro com os altos índices de audiência.


Nos parágrafos 15 e 16, Peucer trata do acontecimento. Como os fatos são quase infinitos, cabe estabelecer uma seleção, de modo que seja dado preferência àqueles que merecem ser recordados ou conhecidos. E cita os prodígios, as monstruosidades, os fatos da natureza e da arte. Outra ordem de fatos tais como: as diferentes formas dos impérios, as mudanças, os movimentos, a guerra, a paz, planos, batalhas, derrotas, estratégias, novas leis, julgamentos, cargos políticos, os dignatários, nascimento e morte de príncipes, as sucessões em um reino, as inaugurações e cerimônias públicas, óbito de varões ilustres, o fim de pessoas ímpias. E os temas eclesiásticos e literários. E centenas de coisas que façam referência à história natural, à história da sociedade, da igreja, da literatura. Tudo isto costuma ser narrado de forma embaralhada nos periódicos, como uma história confusa para que o leitor receba o impacto de uma amena variedade. Ao escolher a matéria digna dos novos relatos jornalísticos, cabe algumas precauções que a prudência comum sugere. Primeiro, não se ponha coisas de pouco peso ou as ações diárias dos homens ou as desgraças humanas das quais há uma fecunda abundância na vida comum. Coisas que são mais próprias de um diário particular. Segundo, não se expliquem coisas dos príncipes que não querem que sejam divulgadas, pode lhe mandar ao degredo. Terceiro, não se insira nos periódicos nada que prejudique os bons costumes. Quando se explicam estas coisas, tal como disse Plínio, é como se estivesse ensinando.


Amenas e fúteis


Os escritores de periódicos escrevem quase precipitadamente, não tanto para a posteridade, mas para satisfazer a curiosidade do povo, ávido de coisas novas. Para satisfazer esta curiosidade, faltam coisas de peso, e ocupam-se com coisas amenas, leves e às vezes fúteis.


Nos parágrafos 16, 17 e 18, Peucer refere-se às prudências necessárias quando da escolha dos novos relatos jornalísticos, entre elas, estão a escolha de coisas de pouco peso; coisas dos príncipes que não querem que sejam divulgadas e coisas que prejudiquem os bons costumes.


No parágrafo 19, Peucer escreve que os escritores de periódicos têm mais licença que os historiadores porque eles não escrevem preocupados com a posteridade, mas com aquelas coisas que acontecem a cada dia, muitos induzidos pelos sentimentos ou traídos pela negligência, explicam-nas de uma forma completamente diversa do que realmente aconteceu. Por prudência, diante da veracidade de um fato, poder-se-á fazer uso da fórmula de precaução que se encontra em Curci, livro IX: diz ele, transcrevi mais coisas que não acredito. Dado que não posso afirmar sobre aquilo de que duvido, nem posso ocultar o que ouvi. Agindo assim, o escritor de periódicos salvaguardará a sua credibilidade e assim permite ao leitor fazer o seu juízo.


Nos parágrafos 20 e 21, Peucer refere-se aos tipos de relato, à ordem e disposição do fato histórico (economia) e à maneira de dizer e ao estilo adequado aos fatos (expressão). Ele orienta como ordenar o relato levando em conta as circunstâncias, a causa, o tempo, o local, a pessoa, o objeto, o modo. Aqui podemos dizer que Peucer, em 1690, já havia percebido que o epicentro do relato jornalístico está contido no fenômeno do acontecimento. Daí nada mais natural que nos lembrarmos do tão criticado e odiado lead, pelos teóricos da comunicação, e das pirâmides invertida, mista e normal. Peucer refere-se a esses conceitos, naturalmente utilizando outras nomenclaturas, que ele chama de economia e expressão (expostos acima).


Estilo do periódico


No parágrafo 22, Peucer refere-se ao plano da expressão, ao modo de dizer, ao estilo do periódico que não há de ser nem oratório nem poético.


Hoje diríamos que há de ser informativo ou sensacionalista. Pois o estilo oratório distancia o leitor desejoso de novidade e o estilo poético lhe causa confusão, além de não expor com clareza suficiente. O mais fantástico neste parágrafo, é que o autor trata da linguagem jornalística. Ele está se referindo a uma linguagem clara e concisa. Orienta que cabe evitar as palavras obscuras e a confusão na ordem sintática, mostrar os fatos claramente e torná-los compreensíveis sem recorrer às palavras próprias dos mercados e dos botecos de tal modo que a maioria as entenda e os eruditos respeitem. Aqui neste parágrafo, acontece a fundação do estilo informativo, da linguagem jornalística, do discurso jornalístico e do jornalismo informativo como os conhecemos hoje. Esta fundação remete ao seu contrário, ao jornalismo sensacionalista. Está escrito no final deste parágrafo: os homens são curiosos por natureza e eles se sentem fascinados por qualquer conhecimento nu das coisas, de modo que se deixam levar até mesmo por erros e fábulas (Plínio). Aqui neste final, acontece a fundação do discurso de sedução, ao apontar o epicentro do fenômeno psicológico da sedução: se deixar levar por erros e fábulas. Pois há os que amam a verdade, gostam da verdade e os que não amam a verdade e preferem ser enganados a ouvir a verdade.


Assim que, os relatos jornalísticos não costumam escrever tendo em vista a posteridade mas tendo em vista a curiosidade humana. Posteridade e curiosidade. Seria a grande diferença entre História e Jornalismo? Mas esta diferença não reduziria o jornalismo à curiosidade? Na verdade, no mundo de hoje, o bom jornalismo transcende a simples curiosidade e aponta para a posteridade. Basta ver a importância dos arquivos jornalísticos para os pesquisadores das Ciências Sociais e Humanas. E Homero entre fatos e fábulas, escreveu a imortal Ilíada pensando na posteridade da cultura grega (hoje nossa civilização ocidental) e imortalizou Aquiles (cuja biografia iria inspirar Alexandre, O Grande, da Macedônia), Heitor e Ulisses e a guerra contra Tróia. Já que a finalidade interna e própria da história é a conservação do registro dos fatos acontecidos.


Registro e acurácia


Já que as coisas singulares são praticamente infinitas, só os fatos que foram registrados com certa acurácia e aplicação é que passam à história. Porém, a maior parte deles, por ter sido escrita de forma precipitada, a partir de rumores e de cartas pouco certas, não chega a superar os anos.


Assim: a finalidade dos novos periódicos é mais própria para o conhecimento de coisas novas acompanhadas de uma certa utilidade e atualidade. De novo, encontramos aqui um conceito de notícia, fantasticamente atual! E a transcendência do jornalismo informativo em relação à curiosidade, já que vem acompanhado de uma certa utilidade e atualidade.


O que há de novo?


O afã de saber coisas novas é tão grande que cada vez que os cidadãos se encontram perguntam: o que há de novo? Satisfazer a curiosidade humana e a sede de novidades aparecem como as duas condições psicológicas do aparecimento dos relatos jornalísticos.


No parágrafo 25, Peucer junta a essas finalidades a de utilidade e amenidade: Dado que tanto uma quanto outra aparece no ânimo do leitor, quando alguém tira uma notícia (isto é, uma novidade) de um relato jornalístico.


O parágrafo 26, poderíamos lê-lo como deve ser feita uma notícia ou uma reportagem atuais (isto é, história escrita com bom senso): é necessário conhecimento dos fatos, competência, juízo elevado, documentos autênticos obtidos em arquivos não suspeitos e linguagem e estilo adequados à história. E não se pode negar que haja nesses relatos jornalísticos alguma utilidade que afeta a vida tanto privada como pública dos homens. Utilidade para os letrados, iletrados e comerciantes. Utilidade quando fazem referência ao conhecimento (da geografia, história, política e etc), aos direitos a, os costumes e etc. O leitor de bom senso terá que discernir aí as coisas sem fundamento das verdadeiras e sólidas.


Aqui neste parágrafo, Peucer, ao estabelecer a finalidade da história a utilidade e de outras a amenidade, também já havia percebido, na noção de utilidade, uma ligação com o aspecto do conhecimento e com o caráter de mercadoria da notícia e seu fetichismo. Aqui está, em fase embrionária, o paradigma do jornalismo como uma forma de conhecimento da realidade. Noção que Robert Park ( no campo dos estudos sociológicos) e Adelmo Genro Filho (no campo da teoria marxista) iriam trabalhar no século XX.


Reportagem e curiosidade


No entanto, alerto os leitores que o texto da Tese de Peucer não trata do jornalismo como reportagem, isto é, como compreensão da complexidade da realidade. Pois, a reportagem, como sabemos, tem na imediaticidade do fato o seu ponto de partida. Diríamos que a reportagem é um gênero que nasce da curiosidade exploratória humana para conhecer e modificar a realidade.


No parágrafo 27, Peucer trata da amenidade, com uma fantástica atualidade, apresentando aquilo que a psicologia trata como identificação e projeção: o registro sem necessidade da dor passada é um deleite: e para os que escaparam sem nenhuma moléstia pessoal vêem os dramas dos outros sem nenhuma dor, pois também a compaixão em si mesma é agradável.


Peucer escreve que não é a ordem dos relatos que atrai mas as situações incertas e variadas, de uma personagem destacada, pois elas contêm admiração, expectativa, alegria, moléstia, esperança, temor e, se, os relatos terminam com um sucesso notável, o espírito sacia-se do prazer de uma leitura altamente amena. Aqui lembrei-me de uma frase de Proust sobre ‘o ato abominável e voluptuoso que se chama ler o jornal’.


Curiosos por natureza


Peucer cita Plínio: os homens são curiosos por natureza e eles se deixam fascinar por qualquer conhecimento nu das coisas, de maneira que se deixam levar até erros e fábulas. Antonio, o Panormita, disse sobre o Rei Alfonso de Aragão, em um livro sobre as suas gestas que sentiu tanto prazer em ler a história de Curci que acabou sendo curado da doença que o afetava.


O parágrafo 27 é de capital importância para o entendimento atual do sensacionalismo. De novo, é fantástica a atualidade do escrito pois ele contém os aspectos nucleares da compreensão do fenômeno do sensacionalismo que, como se sabe hoje, não pode ser visto sem se levar em conta os estudos da Psicanálise, da Psicologia e da Neurociência.


No parágrafo 28, no entanto, Peucer já aponta para os atributos inerentes ao fato, isto é, à sua noticiabilidade: É maior ainda o prazer encontrado na leitura dos periódicos pelos eruditos: aqueles que gozam do conhecimento da geografia, da genealogia e dos afazeres cívicos. Porque todo relato é mais agradável se se conhece o local, as pessoas notáveis que foram autoras de um feito.

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Jornalista e professora-adjunta do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisadora na área de Jornalismo e Linguagem