Silvio Waisbord fará a palestra de abertura do 6º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, marcado para o período de 19 a 21 de novembro, na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), em São Bernardo do Campo (SP) [ver aqui].
Professor na School of Media and Public Affairs da George Washington University, Waisbord é autor de Watchdog Journalism in South America e de diversos artigos que tratam de jornalismo e sociedade civil. Nesta entrevista exclusiva, o pesquisador, que edita o periódico International Journal of Press/Politics, fala de suas expectativas para o congresso da SBPJor e sobre as relações entre imprensa e poder.
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Qual a sua expectativa com relação ao encontro anual da SBPJor? O senhor já conhecia a associação e as pesquisas desenvolvidas no Brasil?
Silvio Waisbord – Sim, conheço a SBPJor e suas atividades. Minha expectativa é participar do encontro para me familiarizar com o trabalho de meus colegas no Brasil e conversar sobre possibilidades de colaboração futura. O Brasil tem una tradição forte de investigação no jornalismo, distribuída em vários pontos do país e com interesses amplos.
A sua palestra no nosso encontro anual será sobre sociedade civil e jornalismo. Na sua opinião, as pesquisas em nosso campo têm sido capazes de compreender esta relação tão complexa? Por quê?
S.W. – Creio que esta relação se compreende em parte. Por um lado, há bastantes trabalhos no Brasil e na América Latina sobre o vínculo da imprensa com o mercado e o estado. Porém, não se há posto ênfase suficiente sobre a pergunta como a sociedade civil e a imprensa se vinculam atualmente. Há trabalhos sobre imprensa comunitária e alternativa, mas não necessariamente vistas de uma perspectiva que pretende compreender se é possível que a grande imprensa reforce sua relação com diferentes grupos da sociedade civil. Isso é importante porque apesar de freqüentemente se entender a imprensa como uma instituição supostamente ancorada na sociedade civil, em nossos países, suas origens estão firmemente vinculadas à luta pelo poder no estado e sua posterior consolidação no mercado.
Se a imprensa contribui para o aprimoramento democrático, deve ser uma instituição que permita expressar e vincular a sociedade civil entre si e com os espaços para a tomada de decisão e de políticas, que é o Estado. As inovações tecnológicas das últimas décadas fazem mais importante essa pergunta ao colocar em questão se a grande imprensa cumpre com expectativas de catalizar/promover discussões amplas sobre uma variedade de temas que competem aos cidadãos, ou se, pelo contrário, privilegia seus laços com o estado e o mercado. Em resumo, a pergunta é se a imprensa, uma instituição que tipicamente privilegia seus laços com o Estado e o mercado pode, ao mesmo tempo, servir a interesses cívicos? Minha exposição é sobre este dilema e quero sugerir formas de abordar esta pergunta.
Na América Latina temos vivido um momento bastante peculiar no que tange às relações entre o jornalismo e o poder e em muitos países a posição dos políticos frente à imprensa tem sido duramente criticada – como na Argentina e na Venezuela, por exemplo. Como o senhor avalia esta situação? Quais suas conseqüências? Os pesquisadores do campo estão atentos a este fenômeno?
S.W. – O que vemos a partir de governos neoconservadores ou populistas é a continuação de uma abordagem tradicional na região de ver a imprensa como apêndice do estado, como porta-voz oficial, e não como canal de expressão cidadã. Pensamos que haja poucos países na região que mudaram leis fundamentais aprovadas em épocas ditatoriais. Isso se justifica tanto por uma ótica política como por uma lógica a partir dos meios que privilegia, para apoiar ou opor-se, as políticas oficiais. O Estado segue sendo foco de atenção por razões econômicas que pouco têm que ver com objetivos democráticos. Existe uma cumplicidade entre os políticos e as grandes empresas na maior parte dos países.
Por outro lado, seria surpreendente esperar que aqueles que ascendem ao poder pensem de outra maneira que não seja uma forma maniqueísta sobre o papel dos meios (de apoio ou de oposição). A mudança somente pode acontecer se existir interesse por parte da sociedade civil de mudar a forma à qual o estado os meios se vinculam. Felizmente, existe muito interesse entre os acadêmicos em estudar este tema que segue sendo vigente e importante para compreender a comunicação política na região. Não estou seguro se os paradigmas que utilizamos seguem sendo úteis para entender este cenário parecido com o passado, mas oferece novidades dada a complexidade e diversidade do que é a cena midiática hoje em dia.
Alguns líderes como Hugo Chávez, por exemplo, costumam criticar duramente a imprensa. Por outro lado, temos, de um modo geral, uma cobertura bastante incompleta dos temas inerentes à América Latina tanto em jornais locais, quanto nos estrangeiros. O público está atento a isto? E a questão da credibilidade do jornalismo, em momentos como estes, como o senhor avalia?
S.W. – Os líderes em geral criticam a imprensa. Têm pele fina demais para sustentar as críticas, além do tom ou intenção que estas tenham. Criticam o que os desagrada, apesar de ter apoio unânime do resto dos meios. A cultura vigente política de lideranças verticais e a critica da imprensa (ou de outras fontes) não se levam pela mão. Em geral, creio que o público busque da imprensa, dos meios menos do que dizem comumente os teóricos sobre a democracia. Não se espera que a imprensa seja somente ou principalmente uma fonte ou um canal para permitir funcionarmos melhor como cidadãos na democracia, sendo que também se utiliza para outros fins (entretenimento, sociabilidade, sentido de ordem cotidiano, empatia social). Porém, é importante indicar a crescente consciência sobre o papel dos meios na vida política, a crítica popular aos meios, que coincidem com o auge dos meios na vida cotidiana na região. Isso se demonstra em observatórios cívicos, a ativa participação de leitores em sites de internet, atos públicos contra os meios, a seletividade dos movimentos sociais e outros grupos de cidadãos mobilizados para aproximar-se dos meios, e outros exemplos. Isso sugere uma maior atenção ao que ocorre com os meios, o que não necessariamente faz com que os meios sejam mais críveis.
É difícil generalizar sobre a credibilidade dos meios, já que, na minha opinião, a fragmentação política/ideológica como assim também a fragmentação de meios que perseguem diversos fins, fazem difícil generalizar se a cidadania ‘crê’ ou ‘não crê’ nos meios. Há credibilidade segmentada em meios que encaixam/fortalecem interesses e visões particulares.