Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A longa jornada de um jornalista

Em caprichada edição coordenada por Moacyr Andrade, e que inclui uma bela iconografia, temos agora a história de Wilson Figueiredo – todo um capítulo do moderno jornalismo brasileiro, que será lançado dia 1º de dezembro, a partir das 18h, na Livraria Argumento do Leblon.

Wilson é mineiro do Espírito Santo. Contradição que já lhe rendeu muitas brincadeiras porque ele nasceu no Espírito Santo, mas ninguém é mais mineiro do que ele. Seu pai era médico, e fazia política, peregrinando pelo interior de Minas. Nas memórias de Wilson, avulta a figura quase mitológica do avô materno, austríaco, que era um pequeno empresário, mas também estava resolvido a levar o cinema para as cidades pequenas. Não se contentava em arranjar a maquinária: fazia os diversos filhos estudarem música, de modo que o filme tivesse acompanhamento. E nessa tradição musical, Wilson quase aprendeu violino.

A vitalidade do avô passou para a mãe, e depois para o próprio Wilson. Para saber disso, basta chegar perto dele, hoje, nos seus fabulosos 87 anos, que não o fizeram parar de trabalhar ou abandonar a ginástica diária.

De Minas para a vocação inescapável: o Rio de Janeiro

Para os amigos e colegas, Wilson sempre foi sinônimo de vida. E disso se apercebeu Mário de Andrade, quando conheceu, em Minas, o grupo de jovens a que Wilson pertencia, e escreveu: “Entre vocês, quando o Figueiró chegava, era uma brisa, um prazer desfatigante que chegava…”

Wilson tinha 17 anos quando desembarcou em Belo Horizonte. Fazia versos. Ainda Mário de Andrade: “Como eu sorria feliz lendo os versos dele! Cheguei a imaginar um poema em que ele esclarecesse que era moço, que era deslumbrado com o gozo da vida…” Mas a vida tem outras exigências e Wilson logo se meteu na imprensa, pelas mãos de um colega que ficaria famoso: Carlos Castello Branco. Trabalhou na Folha de Minas, criada por Affonso Arinos (outra figura importante nas suas memórias).

Talento era o que não faltava nas Minas daquele tempo; e Wilson, como “Castelinho”, logo faria parte de um grupo que incluía Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Helio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. O grupo foi imortalizado por Sabino nas páginas de O encontro marcado. Como diz o livro, eles “puxavam angústia” pelas esquinas de Belo Horizonte, antes de seguirem uma vocação inescapável: o Rio de Janeiro.

O antigo “jornal das cozinheiras”

Foram eles que, já no Rio, disseram ao jovem Wilson: você não tem mais nada a fazer em Belo Horizonte. Wilson topa o desafio, se muda, trabalha em diversas publicações, até ancorar no seu porto de destino: o Jornal do Brasil. A partir daí, o seu percurso se confunde com o de um jornal que marcou época e cuja derrocada ainda hoje parece uma história mal contada.

Wilson chega ao JB em 1957, pouco antes da famosa “reforma” de 1959, marco da imprensa brasileira. O antigo “jornal das cozinheiras”, calçado em montanhas de classificados, queria ser jornal sério, brigar com os grandes. E a “reforma” foi decisiva para isso, não só porque mudou a cara do jornal, mas porque jogou para um outro patamar a profissão. Saía de cena o jornalista que, para sobreviver, acumulava a redação com uma repartição pública.

JB atravessou momentos tormentosos

O JB da reforma era uma concentração de talentos. Odylo Costa, filho foi o primeiro timoneiro. Brilhante e improvisador, deu lugar a Jânio de Freitas, que também não durou muito. Até que o ciclo Alberto Dines consolidasse os ganhos obtidos, e partisse para novas conquistas.

Não demorou muito para que se delineasse a tensão entre o jornal – que gostava de fazer política – e o regime militar. Isso acontecia nas reportagens, numa redação dinâmica chefiada por Carlos Lemos, mas também nos editoriais. O time de editorialistas incluía Luiz Alberto Bahia, Antonio Callado, Mario Faustino, Helio Polvora. Numa época seguinte, de que eu participei, escreviam Claudio Bojunga, Heraclio Salles, Leo Schlafman, Noênio Spinola. Mas o editorial, na verdade, chamava-se Wilson Figueiredo. Ele era o chefe, e encarnava o espírito do jornal.

Assim o JB atravessou momentos tormentosos da política brasileira. Ficou famosa a edição do AI-5, cheia de alusões sinistras (porque era proibido escrever a verdade). Ou a do golpe que derrubou Allende e que também soube driblar a censura.

A angústia com o fim do JB

Um pouco adiante, começa a abertura “lenta, gradual e irreversível” e o JB, na gestão Walter Fontoura, traz Elio Gaspari para a editoria política. Isso provocava discussões homéricas na mesa de editoriais, porque Gaspari tinha um especial prazer em virar de ponta-cabeça propostas da diretoria – leia-se: Nascimento Brito. Depois dessa discussão homérica, tínhamos como missão pôr em letra de forma o que se tinha decidido. Aí é que entrava o mineiríssimo Wilson, que sabia extrair uma resultante de conclusões aparentemente contraditórias.

Já se estava, então, na Avenida Brasil 500, depois da histórica mudança de 1973. E a máquina de escrever dava lugar ao computador. Wilson dizia: “quanto o computador entrar, eu saio”. Não saiu, entrou muito bem na nova fase, só que já não se ouvia o estrépito da máquina.

O JB, naqueles dias, parecia estar escrevendo a história contemporânea do Brasil. Depois, houve um momento em que se percebeu que o barco estava fazendo água. Acho que isso ficou visível na falência brasileira de 1982. Medidas de emergência já não davam conta das dívidas do jornal. Wilson, hiperssensível, sofria. Tinha a intuição do que acabaria acontecendo. Num dos raros trechos amargos do livro, ele depõe: “O futuro dirá o que precisa ser dito. O JB fez do sucesso um trampolim para mergulhar num desastre inverossímil. A sede moderna, faraônica, de onde se divisaria o futuro, pode ajudar a entender uma arqueologia das vaidades, as ilusões desfeitas menos pela concorrência do que pela soberba. Mais adiante, tudo se explicará, mas depois que os sobreviventes não mais responderem à chamada dos vivos. Fica para outro tempo a versão definitiva, e não a das testemunhas”.

Amargura que se explica pelo rumo que tomaram suas relações com os antigos patrões, no que seria teoricamente um fim de carreira. Mas, como a fênix, ele ressurgiu no ambiente dinâmico de uma nova empresa, a FSB Comunicações, onde continua trabalhando (o livro-homenagem, aliás, também comemora os 30 anos da casa). Que Deus o guarde.

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[Luiz Paulo Horta é jornalista do Globo]