Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A memória do radiojornalismo cearense

Tornou-se lugar-comum falar da falta de memória no Brasil, da não preservação de construções antigas, edifícios, praças, verdadeiras testemunhas da história, ao longo de gerações. E o que dizer da memória imaterial? De tudo aquilo que se sedimenta nas rotinas diárias, no modo de fazer e de ser de determinadas coletividades, nos rituais e mitos que constroem o imaginário social.

A nossa relação com o passado é sempre problemática. Lembrar ou esquecer! É próprio da nossa sociedade o desvanecimento da memória, o silêncio e o esquecimento. Recuperá-la é uma tarefa árdua e um processo difícil, geralmente carregado de significado político.

A memória tem função social, ela transmite ao outro uma informação sobre aquilo que está ausente. O esquecimento é a outra face da memória, é a seleção que fazemos dos acontecimentos traumáticos. Por sua vez é através do pensamento e da linguagem que procedemos à apreensão do mundo social. Por outro lado, a forma como nos expressamos e o que dizemos são inevitavelmente gerados pela cultura na qual estamos inseridos. Um outro aspecto relevante é que a memória é um ato coletivo. Em nenhum momento, a rememoração ocorre de forma isolada porque é ordinariamente a ação de um ser social. A memória coletiva está na dependência da memória individual e esta se encontra enraizada nas malhas de grupos múltiplos nos quais estamos engajados. Ela é o elemento que permite perceber nos sujeitos a presença do social.

O depoimento é o instrumento através do qual se expressa a memória e ela só tem sentido ‘em relação a um grupo’. Além da memória individual e da memória coletiva, temos a memória histórica como ordenação de dados que são armazenados através dos recursos da sociedade escrita. É um passado reinventado. A história trabalha com uma longa duração, um tempo cronológico linear, enquanto a memória é cíclica.

É fundamental levar-se em conta a perspectiva histórica na construção de identidades, é através dela que podemos definir valores referendados pela experiência e projetarmos o futuro, inseridos num espaço e tempo e nas relações que aí se estabelecem.

O Ceará, como uma experiência de povo que se insere num espaço e tempo particulares guarda em sua memória uma história coletiva de pobreza, miséria, seca, calamidades sociais que trafegam os séculos. Mas, essa memória-imagem se intersecciona com outras visões. O Ceará das idéias visionárias, da Confederação do Equador, da Padaria Espiritual, da Abolição da Escravatura. É essa união entre contingência e inovação que molda o destino desse povo.

Esses elementos históricos confluem no surgimento, implantação e desenvolvimento do rádio no Estado. Em um contexto de penúria, de desigualdades sociais gritantes, a inserção tecnológica é sempre um grande desafio de ação. Essa mediação tecnológica que se incorpora nos meios de comunicação de massa tem em seu percurso um contexto social adverso, talvez por isso, sua história seja híbrida, mesclando-se com espíritos desbravadores e indômitos. Essa memória se concretiza nas reminiscências das pessoas que de fato fizeram esses meios. Os artistas, técnicos, atores, atrizes, empresários e ouvintes que deles participaram materializaram essa história inusitada. Essas pessoas, às vezes conhecidas outras nem tanto são o recorte desta pesquisa, o meio, a mediação para a construção de uma memória que não se perca no tempo de sua vida, mas que contribua para a aprendizagem social das gerações que estão por vir. Registrar a história do rádio cearense através da mediação dessas pessoas é reconstruir o passado, sedimentar nossa cultura e construir um futuro mais responsável.

Ao realizar esse trabalho, estamos disponibilizando informações para o povo cearense. Nossa pretensão é sair do âmbito dos estudos acadêmicos, fazendo-os mais próximos do objeto de que tratam. Essa intenção se concretiza no momento em que os depoimentos são não somente registrados mas transformados em material de reflexão através de programas em rádio e tv abertos para a população, através ainda de exposições de fotos, recortes de jornais, revistas e similares, da difusão via internet dessas informações, da disponibilização do material coletado, selecionado e catalogado e por último e não menos importante, na publicação de uma obra que fixe essa história na memória de nosso povo, elemento indispensável na construção da identidade tanto a pessoal quanto a coletiva.

Fiscalização e censura

O rádio na atualidade ainda é um veículo de grande representatividade como mostram os números de aparelhos de radiodifusão sonora existentes no mundo e no Brasil, assim como as peculiaridades brasileiras sobre o hábito de escuta.

Em 1997, existiam 2.432 milhões de aparelhos de rádio no mundo. Dividindo-se por mil habitantes dá um total de 418, ou seja, a cada mil pessoas 418 possuem aparelho de rádio. Quando se compara aos aparelhos de televisão, tem-se um total de 1.396 milhões, significando que a cada mil pessoas, 240 possuem televisão, quase a metade das que possuem rádio. No Brasil, neste mesmo ano, a UNESCO aponta que existam 71.000 mil (71.000.000) aparelhos de rádio, o que indica que a cada mil pessoas, 434 possuam um aparelho receptor.

Numa pesquisa do Marplan (Instituto Internacional de Pesquisa) e IBOPE, publicada no jornal O Povo no dia 11 de novembro de 2001, sobre o rádio, tem-se a constatação de que 98% das residências possuem pelo menos um aparelho de rádio, 83% dos automóveis têm rádio e 51% da população têm walkman (rádio pequeno e portátil). E mais: 98% da população acima de 10 anos ouve rádio; 75% escuta rádio todos os dias, numa de 3 horas e 45 minutos por dia.

Os canais tanto de rádio como de televisão são concessão do Estado o que permite uma ingerência e um controle sobre os meios de comunicação pelas instâncias do poder, favorecendo o atrelamento dos meios e dos seus fazedores ao jogo político partidário.

‘A política adotada pelo Brasil para a exploração da radiodifusão é baseada na teoria da responsabilidade social pela iniciativa privada, em que o Estado procura estabelecer princípios que garantam o uso social dos meios de comunicação, tornando-os responsáveis pelo conteúdo da programação que transmitem e suas conseqüências. O Estado concede uma autorização para que entidades executoras de serviços de radiodifusão possam explorar comercialmente os veículos’ (ORTRIWANO, 1985: 22).

Embora na atualidade haja uma licitação, percebemos o quanto não se conseguiu verdadeiramente uma ruptura com o modo tradicional das concessões muito bem retratada na ironia de Ortriwano (1985:61) ‘são concessões públicas a privados, por privados que manobram a coisa pública’.

O rádio nasceu no meio de elite. Os aparelhos receptores eram importados, não havia uma indústria que se estabeleceu previamente. O seu idealizador, Roquette Pinto, ressaltava o valor educativo desse meio de comunicação que na verdade tinha como elemento principal na sua implantação razões econômicas que viria a favorecer o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Na inauguração do evento foram distribuídos pela Westinghous,e receptores para as autoridades, os políticos e militares e algumas pessoas da elite que reunidas em torno de Roquette Pinto, puderam ouvir as transmissões de estréia (como o discurso do presidente da época Dr. Epitácio da Silva Pessoa) (FERRARETTO, 2000).

‘As primeiras emissoras tinham sempre em sua denominação os termos ‘clube’ ou ‘sociedade’, pois na verdade nasciam como clubes ou associações formadas pelos idealistas que acreditavam na potencialidade do novo meio’ (ORTRIWANO, 1985: 14).

Em 1923, foi fundada por Roquette Pinto e Henry Morize, A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, e ela marca a trajetória do veículo no país. Esta foi a primeira emissora a se regularizar no sistema de radiodifusão sonora brasileiro. Elba Dias, em 1 de junho de 1924 percebendo a lucratividade do rádio funda a Rádio Clube do Brasil. Dado o interesse que a novidade despertou na sociedade brasileira, as empresas estrangeiras resolveram investir no setor. Uma das primeiras empresas a Philips tomou conta do mercado e tornou-se a mais conhecida e bem sucedida em pouco espaço de tempo.

O rádio cresce e assume cada vez mais um lugar de importância na vida política e econômica do país. Diante da repercussão adquirida o Governo, passa a regulamentá-lo. A propaganda foi autorizada (Decreto nº 21.111) com o limite de 10% da programação, sendo logo depois elevada para 20% e hoje fixada em 25% (ORTRIWANO, 1985; FERRARETTO, 2000).

Ferraretto chama a atenção para o uso político que foi adicionado ao rádio, logo nos seus primórdios:

No dia 23 de maio de 1932, um grupo de estudantes invade a Rádio Record, de São Paulo. Um deles, José Branco Lefèvre, lê ao microfone um manifesto contra o governo revolucionário liderado por Getúlio Vargas. ‘Nós, os abaixo-assinados, declaramos que invadimos, à valentona, os estúdios da Rádio Record e conclamamos o povo para que se mude a situação política existente no Brasil (FERRARETTO, 2000: 107).

Com o objetivo de fiscalização e censura do conteúdo da programação radiofônica, assim como a de jornal, cinema e teatro, Getúlio Vargas tratou de controlar a veiculação das mensagens, através do Departamento Oficial de Propaganda – DOP, transformado depois em Departamento de Propaganda e Difusão Cultural e posteriormente em Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, que criou ‘a Voz do Brasil’ (hoje a Hora do Brasil) .

O rádio viveu sua ‘época de ouro’ nos anos 40. Nas palavras de Ferraretto:

‘… com a programação voltada ao entretenimento, predominando programas de auditório, radionovelas e humorísticos. A cobertura esportiva também ocupa o seu espaço. O radiojornalismo, por sua vez, ganha força à medida que o país se envolve na Segunda Guerra Mundial. O veículo adquire, desta forma, audiência massiva, tornando-se, no início dos anos 50 (…) a primeira expressão das indústrias culturais no Brasil’ (FERRARETTO, 2000: 112 – 113).

Humanismo esquecido

O rádio acompanhou cada fase da história do País as ‘demarches’ políticas, econômicas, culturais, ora censurado, calado à força, até, como na ditadura, outras vezes nitidamente a favor das elites. Na década de 80 tivemos o aparecimento dos radialistas populares prestadores de serviço característica reforçada pela abertura democrática que vagarosamente se estabelecia no Brasil.

No Ceará, a História do Rádio começou com a Ceará Rádio Clube também conhecida por PRE-9, seu prefixo, inaugurada em 1934 por João Dummar. É a partir desse marco que tem início o nosso trabalho resgatando inicialmente por meio da narrativa dos que implantaram o rádio, e o desenvolveram e a ele devotaram suas vida.

Uma análise dos meios de comunicação de massa e da memória que eles carregam consigo são objetos privilegiados de pesquisa uma vez que o resgate de sua história nos faz antever a sua força mediadora e quiçá construtora dos grandes acontecimentos históricos das sociedades, além de sua capacidade de espetacularização de eventos o que nos leva a indagarmos sobre as relações entre história e ficção, entre reconstrução de um passado histórico e sua elaboração midiática.

Por outro lado, a mídia não nos diz somente dos eventos que são destacados pela Macro História, mas também nos dá informações importantíssimas sobre os acontecimentos de todos os dias, os eventos corriqueiros, que ao serem resgatados nos contam muito sobre a Micro História, aquela que nos revela o que os grandes livros didáticos não nos contam e que a literatura nos dá um vislumbre. Os meios são, um dos mediadores modernos para a compreensão da história de todos os dias de tempos e lugares passados. São eles, as pontes sociais que reatualizam as fronteiras entre o público e o privado. Por eles, podemos inferir subculturas, cosmovisões, ideologias de tempos e lugares distanciados de nós. Dessa forma optamos por trabalhar com história de vida das pessoas que fizeram a Radiodifusão cearense.

Nossa intenção é ressaltar através das falas os momentos de ruptura e analisar a linguagem do jornalismo no rádio comparando as suas diversas fases e explicitar em que medida os velhos fazedores de rádio influenciaram no fazer atual do jornalismo radiofônico. Para isso a pesquisa abrange desde o início do rádio até a atualidade. Tomamos a referência feita por Ana Baumworcel (2003, p.2) no seu trabalho Radiojornalismo e sentido no novo milênio para pautar a nossa metodologia de análise.

Inicialmente destacamos a evolução da linguagem do radiojornalismo no Brasil a partir de três momentos históricos: década de 1940, quando foram criadas as primeiras regras a partir do modelo norte-americano; década de 1960, quando o rádio investiu no gênero como alternativa para continuar a existir frente à concorrência com a TV; década de 1980, como opção para as emissoras AM sobreviverem à hegemonia das FM. (www.intercom.org.br/papersxxiii-ci/gt066a4.pdf)

A análise da década de 1990 será feita com base nas histórias de vida tendo como referência as décadas anteriores. A idéia é dar sentido no presente a eventos passados deixados à margem pela história oficial. Com efeito, dar relevância à memória exclusivamente ou à história é obscurecer um dos suportes de continuidade e construção crítica da vida social.

Na reconstrução da memória, o elemento fundamental é o velho. Ele é o grande depositário, o testemunho de um passado coletivo inscrito na trajetória individual e que se recupera através de um processo, hoje, cada vez mais político, uma vez que a história oral tem resgatado a memória como suporte para a compreensão de eventos escamoteados.

A experiência depende da presença de velhos personagens que, com sua autoridade consentida e desejada, garantem a perpetuação das tradições, pela recomposição permanente da memória coletiva (BORELLI, 1992:79).

Ecléa Bosi (1987) recupera a função da memória e o lugar do velho na sociedade, a partir da compreensão de que existe um resgate, uma solidez que se constrói ao longo do tempo, uma tradição a ser recobrada. A memória não é uma fantasia ou um processo totalmente inconsciente no qual as lembranças afloram espontaneamente; é um trabalho incansável de reconstrução, reconstituição do passado com os olhos no presente, com o interesse do presente com vistas à construção do futuro.

O fato memorável é composto de duas partes distintas e inseparáveis – a memória coletiva e a memória individual. Quando as pessoas falam de si, constroem, reconstroem suas lembranças, cada fala tem uma colocação própria, um colorido; cada silêncio, cada respiração remete a um tempo anterior e a tudo que está/esteve em volta. A história de vida confere carne e sangue a uma estrutura, possibilitando que a identidade se dê em relação ao grupo social no qual o indivíduo está inserido. Dessa forma, uma análise que traga como suporte a memória do rádio é um dos vieses para responder a questões importantes que transpassam nossa sociedade.

Estamos no primeiro estágio do trabalho e descortinamos a cada entrevista realizada a cada contato com os que atuaram no rádio cearense uma riqueza de informações e experiências que precisa ser valorizada e repassada para as novas gerações de um ponto de vista que resignifique o que hoje se produz nas rádios locais.

Assim num primeiro contato com Manuelito Eduardo, Diretor da Ceará Rádio Clube e dos Diários Associados, sua fala inicial é reveladora da sua percepção do que é o rádio para ele na atualidade:

É triste ver que com tanto avanço nas tecnologias dos veículos de comunicação de massa a única coisa que se tornou obsoleta foi o próprio homem. Aquele responsável por todas as conquistas, por todos os limites ultrapassados acabou esquecendo de si mesmo, de sua própria humanidade.(MANUELITO EDUARDO, 25.03.2003).

Recalques da memória

Nas falas de Manuelito Eduardo (79 anos), Cid Carvalho (78 anos) e Narcélio Limaverde (76), todos homens de rádio é possível delinear um tempo que se encontra distante de nós não apenas cronologicamente, mas principalmente que se diferencia no que diz respeito aos valores e aos costumes. Referem que na sua época o rádio era símbolo de glamour e arte. Ser locutor era desempenhar um papel de importância e respeito e ascenção social. Muitos deles entraram na política, se fizeram vereador, deputado e até senador no caso de Cid Carvalho que fala dos pré requisitos para ser radialista.

Era importante ter noções de inglês, francês e italiano, no mínimo, precisava conhecer as artes, ter pelo menos o segundo grau completo. Muitos eram graduados ou artistas, advindos principalmente do teatro. Tinha que possuir amplo conhecimento de literatura e de jornalismo, enfim, o ofício de radialista exigia uma série de talentos e esforços no sentido de se profissionalizar que convergiam para essa profissão. (CID CARVALHO, 06.05.2003).

O locutor daquele tempo tinha que mostrar seu talento logo no ato da prova de seleção, onde era submetido a testes de oratória em que o candidato, segundo a experiência contada por Manuelito Eduardo, abria ‘Os Sertões’ de Euclides da Cunha e lia uma a duas páginas, observado pelo corpo de profissionais da casa que fazia a avaliação, sendo a prova oral feita no ar podendo ser ouvida por qualquer ouvinte que estivesse sintonizando a emissora. Após esse primeiro teste, os candidatos pré-selecionados trabalhariam na rádio por um tempo determinado até que a diretoria decidisse qual seria o programa mais adequado.

Eu tenho a impressão de que o passado é muito importante e eu tenho certeza de que sou um predestinado. Eu na minha juventude, quando eu tinha mais ou menos 9 anos freqüentava a casa de um professor chamado Nazareno Pires, essa coisa tem a ver com rádio, eu vou explicar porque. Nós estávamos em 1935 ou 236 e a Ceará Rádio Clube já havia sido inaugurada. Eu nem sabia o que era rádio. E lá na casa do Dr. Nazareno pires, ele ra professor de Agronomia, ele tinha em cima de um móvel um auto falante, porque naquela época os receptores eram geralmente separados. O auto falante tinha um sintonizador. E ele me mostrou: – Olha, vem ouvir aqui! E eu fui ouvir e era a Ceará Rádio Clube e eu nunca pensei na minha vida que um dia ia entrar no rádio, nessa coisa misteriosa que ouvi naquele dia. Então isso me marcou. Essa coisa pode ser muito simplória e pode não significar muito, mas é pra mostrar que naquela época não havia receptores, pelo menos na rua onde eu m,orava, na Rua do imperador. Nós não tínhamos rádio, podia a minha família até conhecer mas eu não conhecia. Conheci logo depois com o advento da Ceará Rádio Clube em 1934. A estação proporcionava uma facilidade. Era só uma emissora e nós podíamos fazer uns receptores caseiros, artesanais, chamados galena. Era um aproveitamento de fones de ouvido. Esses fones de ouvido funcionavam com uma bobina e um cristal de rocha e uma agula que era aproveitada de vitrola e se ouvia distintamente. Esse foi o meu primeiro contato com o rádio.(MANUELITO EDUARDO, 25.03.2003).

No mundo moderno, a narração e a experiência vão sendo substituídas pela informação (Benjamin,1985), ocasionando um empobrecimento da interação comunicativa. Quanto mais a informação avança, menos espaço existe para o ato criativo e a imaginação. A indústria cultural desenvolve um papel relevante no bombardeio de informações, através de seu caráter homogeneizador. Os fatos são apresentados como se escapassem da conexão com o real, e com outros acontecimentos que lhes são causa e efeito e passam a flutuar na superfície de um mundo cada vez menos autêntico, cada vez mais massificado e virtual. Desse ponto de vista, uma vez que há a primazia da troca de informações em detrimento da experiência, a sociedade produz o sujeito desmemoriado.

A preocupação de Benjamin (1985) com o esquecimento refere-se a um determinado enfoque e ele remete ao historiador oficial, que faz a sua fala sempre do ponto de vista dos vencedores, deixando de lado a história vivida e feita pelos dominados. A contrapartida do que é memorável são os recalques da memória no sentido de que há uma tendência de lembrar fatos agradáveis e esquecer os não prazerosos. De forma constante, a mente está recalcando aquelas experiências que não foram boas. então, nesse sentido, cada memória vai ser guardada num lugar mais fundo chamado inconsciente, próprio ao esquecimento, sendo o esquecimento também uma forma de defesa pessoal.

Etapa vencida

É instigante conhecer o que cada grupo rememora, o que quer rememorar a sociedade. E essa discussão remete à terapêutica que vai pôr em evidência os fatos que se refugiam no inconsciente, que se perdem da memória de forma ardilosa. A terapêutica vai fazer vir à tona, também e principalmente, o lado desagradável, vai permear a região obscura da mente, para de lá retirar o fato recalcado, escondido, porque de outra forma, ele viria através de sintomas corporais de sofrimento ou transformados em linguagem simbólica, ocasionando um descarregamento mental.

O esquecimento é abordado por Michael Pollak (1990) quando analisa as formas que podem tomar a reconstituição das lembranças, as diferentes narrativas do mesmo fato, as posturas adotadas pelas fontes biográficas e ainda as estratégias de esquecimento, os silêncios, os buracos da memória. Pollak (1989:8) ressalta que ‘existem nas lembranças de uns e de outros, zonas de sombras, silêncios, não-ditos’.

… A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa, uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor (Pollak,1989:8).

Partimos da convicção de que esses homens e mulheres, empreendedores, e criativos, construíram uma história individual e coletiva que torna a memória do rádio cearense uma multiplicidade de eventos bem particulares que devem ser fixados no tempo e espaço a fim de que a experiência social não se perca nas brumas do esquecimento.

E como a memória é, ela mesma, condição do dizível, determinados sentidos não podem ser lidos não têm como significar. Eles ficam inviabilizados acrescenta que a memória falha porque faltam sentidos, que foram silenciados, excluídos, para que não haja um dito, um já significado constituído. Ficamos sem memória, o que impede que certos sentidos hoje possam fazer (outros) sentidos (ORLANDI, apud BAUMWORCEL, 1999:60).

O esquecimento é defesa individual e coletiva, é proteção que interdita a lembrança de fatos desagradáveis, as frustrações e os fracassos, O que é memóravel, digno de ser relatado? Que fatos foram esquecidos socialmente na história narrada pelos velhos fazedores do rádio cearense? Qual a importância desses fatos, os memoráveis e os interditados para o fazer do Radiojornalismo no Ceará?

A pesquisa está em andamento e a cada etapa vencida estamos operacionalizando os produtos, programas de rádio e tv, artigos e disponibilizando aos estudantes e ao público interessado.

Bibliografia

BAUMWORCEL, Ana. Radiojornalismo e sentido no novo milênio. Disponível em (www.intercom.org.br/papersxxiii-ci/gt066a4.pdf)

BENJAMIN, Walter. ‘O Narrador, considerações sobre a obra de Nicolai Lieskov’, … Obras

BORELLI, Sílvia Helena Simões. ‘Memória e Temporalidade’, In: Margem. São Paulo, Educ. N.1, Mar/1992.

BOSI, Ecléa.. Memória e Sociedade. São Paulo: T. A. Queiroz: Ed. Da Univ. de São Paulo, 1996.

FERRARETO, Luiz Artur; KOPPLIN, Elisa. Rádio no ar . Sagra-De Luzzato: 2000.

JORNAL O POVO, Fortaleza-Ce, 11 nov. 2001, Ano: LXXIV, nº 24.314, Caderno Política, p. 33.

MONTENEGRO, Antônio Torres.História oral e Memória. São Paulo: Contexto,1992.

ORLANDI, Eni P., Maio de 1968: os silêncios da memória. In: trad. Bras: NUNES, José Horta, Papel da memória. Campinas: Pontes, 1999.

ORTRIWANO, Gisela S. A informação no rádio. São Paulo: Contexto,1985.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro: Estudos Históricos,

Sociedade: São Paulo: T.A Queiroz. Editoria da Universidade de São Paulo, 1987.

Tribunais, 1990, 189p.

UNITED NATIONS EDUCATIONAL SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION Disponível em: (http://www.unescostat.unesco.org/statsen/stats0.htm) acesso em: 15 set. 2003. V-2, N.3, p. 3-15. 1989.

Entrevistas

Manuelito Eduardo, Fortaleza: 25.03.2003.

Cid Carvalho. Fortaleza: 06.05.2003

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Coordenadora do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), mestre e doutora em Sociologia