Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mesma ética para duas funções?

Eugênio Bucci já discutiu tal tema, neste Observatório, em artigo de 2006 intitulado de: “Profissões diferentes requerem códigos de ética diferentes”(clique aqui) – se assessor e jornalista desenvolvem as mesmas funções. Inspirado em um debate na disciplina de Ética em Assessoria de Imprensa, realizado no curso da pós-graduação em Assessoria de Comunicação da Universidade Potiguar (Natal-RN), resolvo pincelar minha opinião exposta em sala de aula, onde 99% dos estudantes são jornalistas e a extrema maioria discordou de mim.

Ao longo da minha curta carreira como jornalista, exerci muito mais a função de assessor de comunicação do que a de jornalista diário – aquele que vive nas redações. Por ter a vivência em ambos os setores, sei, provando na prática, que as duas funções citadas acima são diferentes. Karl Marx disse que “a verdade é o critério da prática”, logo posso abordar esse tema com autonomia, pois tenho a teoria acadêmica e a vivência prática sobre ambas as funções, de assessor e de jornalista, sem soberba alguma.

Vou intitular o jornalista de redação somente como jornalista e o assessor de comunicação como tal, mesmo sabendo, e respeitando, que este último também é jornalista. Nesse ponto já esclareço que, em minha visão, assessor de imprensa é jornalista, diferente do que pensa Heródoto Barbeiro, entre outros jornalistas. Acredito que jornalistas e assessores desenvolvem funções diferentes, somente. A área macro é a comunicação. Trabalhar em jornal ou em assessoria é nicho de mercado, setores dentro do sistema macro. Assim sendo, se são duas funções diferentes, têm éticas diferentes. Nesse caso, estou de acordo com Bucci, em artigo intitulado acima.

Interesse público e interesse da empresa

Em um caso hipotético, fica mais fácil entender meu pensamento: a divulgação de um novo remédio no mercado farmacêutico. Tal remédio é muito bom, digamos, para a calvície, mas prejudica a libido masculina. A assessoria de imprensa do laboratório divulgará todas as funções benéficas do produto, assim como o preço, onde encontrar, como aplicar, vantagens etc. A propaganda tentará firmar o produto no mercado e a publicidade venderá a ideia de forma positiva, sem problemas. Mas como havíamos dito, remédio para calvície diminui a libido masculina. E o jornalista não deixará escapar tal informação, defendendo um artigo de seu Código de Ética que diz: “É dever do Jornalista: divulgar os fatos e as informações de interesse público” (Art. 6º, parágrafo II).

Por mais que o assessor de imprensa esteja à disposição do jornalista para responder a quaisquer dúvidas (como uma jornalista da minha sala argumentou), e mesmo que o assessor responda a verdade, caso perguntado sobre a libido masculina, ele não carrega consigo, nesse caso, a verdade totalmente. Ele não tem o compromisso ético com o interesse público. O seu interesse é o da empresa para a qual trabalha. Deixando sempre claro que não há problema algum nisso. Sou assessor, como sou jornalista, mas confesso que são funções diferentes, éticas diferentes. Sendo assim, precisam de códigos de ética diferentes, ou uma revisão mais uma ampliação ao código vigente.

Por mais que esteja bem claro que o que separa um interesse privado de um público, o assessor pensa a comunicação estratégica que visa a melhorar a relação da instituição com o seu público e a sociedade em geral. Para tanto, publicam-se propagandas e informações que interessam somente à empresa e aos seus objetivos junto a esse público. Ao jornalista cabe publicar aquilo de interesse do público, em relação à empresa, por mais que seja um interesse do proprietário do veículo de comunicação que a sociedade saiba de algumas informações e de outras não.

Conceitos e práticas diferentes

Se a publicidade é um cadáver que lhe sorri e o seu bem é a imaginação alheia, o jornalismo não é livre e a máxima da liberdade de imprensa é apenas uma linda expressão, trabalhando com um bem simbólico, palpável, que é jornal, que vende informação porque as notícias são sua mercadoria, a assessoria de comunicação cria ferramentas que encobertam os defeitos de seus assessorados, pois essa é sua função. Todas essas áreas são da comunicação. Mas não são iguais. São diferentes funções dentro do campo da comunicação. O desenvolvimento do papel do assessor de imprensa se dá nesse contexto: na junção das várias ferramentas da comunicação para o desenvolvimento de um setor específico, que é a comunicação estratégica.

Sem a premissa da verdade não há sentido do jornalista existir, como afirmou Gay Talese, em entrevista a Juan Cruz (íntegra):

“`El periodista bien formado es el que va a contar la verdad siempre, y sin ella no se puede vivir. Cuando la gente dice que el periodismo, tal y como yo lo entiendo, está muerto, o que el Nuevo Periodismo no es periodismo, y que las noticias están en Facebook o en los blogs, siento sinceramente que no puede ser, porque sería trágico´, dice à Efe este mito estadounidense”. [“`O jornalista bem formado vai dizer sempre a verdade, e sem ela não se pode viver. Quando as pessoas dizem que o jornalismo, tal como o entendo, está morto, ou que o Novo Jornalismo não é jornalismo, e as notícias estão no Facebook e nos blogs, sinto sinceramente que não pode ser, porque seria trágico´, disse à [agência de notícias] Efe o mito estadunidense.”]

As duas funções são importantes para a comunicação, dignas e os profissionais que as exercem são jornalistas. Porém, ambos trabalham com conceitos e práticas diferentes. O interesse da imprensa/mídia é (ou deve ser) o cidadão. O do assessor é a empresa/cliente.