Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A polêmica combinação de jornalismo com entretenimento

Caracterizada como objeto de lazer, a televisão, desde a sua criação, tem como finalidade entreter o público. Mas, cabe frisar que a TV não tem somente esta função. Suas abordagens vão além da diversão, passam pela informação, chegando até aquilo que é de interesse para as emissoras: o lucro e a audiência.

Devido à larga escala de programas veiculados em diferentes canais, o telespectador tem o privilégio de poder escolher o que deseja assistir. Esse leque de conteúdos televisivos só é possível porque as emissoras ofertam conteúdo em horários em que é possível conciliar o tempo livre com o trabalho. A empresa InterScience Informação e Tecnologia Aplicada realizou aqui no Brasil em 1997, uma pesquisa que revelou que 61% das pessoas entrevistadas passavam boa parte do seu tempo livre dentro de suas residências (SOUSA, 1998, p. 22).

Segundo Dejavite [Fábia Angélica Dejavite é jornalista e doutora em Comunicação e Artes pela Universidade de São Paulo] (2006), a mídia é o alvo dessas pessoas que procuram lazer, cultura e diversão nas horas livres. Pois além da diversão, a televisão em especial consegue oferecer conteúdos para todos os públicos. Ao analisar uma matéria publicada em maio de 2005 pela revista Época, Dejavite afirma que a televisão tem o poder sob a vida sociocultural das pessoas:

“A mídia é uma das escolhas preferidas de entretenimento caseiro e a televisão, um dos principais meios de divertimento. A maioria dos brasileiros, isto é, 97%, assiste tevê. Cada um gasta em média 4h50min por dia na frente da telinha. A reportagem revelou que o índice de leitura vem aumentando no país: 38% gostam de ler livros e 47% leem revistas com regularidade. Não houve menção ao jornal impresso” (DEJAVITE, 2006, p. 32).

Com base nesses dados, podemos observar que o entretenimento é considerado, na maioria das vezes, como “carta na manga” das emissoras, para conseguir resgatar a audiência que a concorrência tem conquistado. Conforme Harris Watts (apud SOUZA, 2004):

“O entretenimento é necessário para toda e qualquer ideia de produção, sem exceções. Todo programa deve entreter, senão não haverá audiência. Entreter não significa somente vamos sorrir e cantar. Pode ser interessar, surpreender, divertir, chocar, estimular, ou desafiar a audiência, mas despertando sua vontade de assistir. Isso é entretenimento” (WATTS apud SOUZA, 2004, p. 39).

A categoria de entretenimento possui uma ampla variação de gêneros, entre eles, estão os programas de auditório, desenho animado, talk show, novelas, reality show, musical, variedades, esportivo, game show etc. A palavra entretenimento vem do francês entreternir que significa, inicialmente, apoiar; manter junto; unir. Com o passar do tempo, na televisão, o sentido da palavra acabou ganhando novos significados: distrair e divertir.

Embora existam diferentes categorias, os programas devem entrenter e podem também, aliar seus conteúdos com a informação. Assim, o espetáculo da diversão do entretenimento, passa a oferecer emoção e prazer aliados com conteúdos informativos.

Infotenimento

No Brasil, a predominância do fenômeno do infotenimento é comum. As emissoras conseguiram adequar os formatos de diversos programas, ligando a informação com o entretenimento, surgindo então, o termo híbrido que hoje conhecemos como infotenimento ou infotainment. Assim, “a notícia torna-se espetáculo e faz parte de uma espécie de show de informações” (SOUZA, 2004, p. 130).

A Rede Globo, por exemplo, oferece em sua programação, diversos programas da categoria infotainment (informação e entretenimento). Entre eles, estão o Fantástico, Globo Repórter e Bem Estar. A Record, por sua vez, disponibiliza na sua grade o Fala Brasil, Domingo Espetacular e Hoje em Dia. Um dos grandes líderes em audiência, exibido pela Band é o CQC (Custe o que Custar).

“O programa semanal recorre a estratégias humorísticas para construir relatos sobre acontecimentos do campo cultural, econômico, social e, principalmente, político. Entre as principais marcas estão às reportagens performáticas, o jogo de sentidos criado por manipulações videográficas, o modo irônico como discute os fatos cobertos pela grande imprensa, a sátira feita a personalidades públicas e a paródia das produções e processos televisivos, num jogo de permanente intertextualidade” (GOMES; GUTMANN; SANTOS, 2008, p. 6).

O termo infotainment é recente na televisão, se comparado com os que mencionamos no tópico anterior, o mesmo surgiu na década de 80 e conseguiu se destacar no final dos anos de 1990, devido a forte utilização pelos pesquisadores da área da Comunicação, no qual definiam o termo como todo conteúdo editorial que fornece informação e diversão ao receptor e, ao mesmo tempo, constitui uma “prestação de serviço” (DEJAVITE, 2006, p. 71).

A variação de conteúdos oferecidos pelos programas de infotainment é ampla, aborda desde conteúdos de moda e saúde até a situação política e econômica de um país. O que caracteriza esse tipo de conteúdo é a forma como os mediadores transmitem a notícia e a estética do cenário no qual estão presentes. Assuntos que do ponto de vista da sociedade, são considerados severos e sistemáticos ao se tratar e levantar opiniões, no infotainment essas notícias são dadas de forma simplificada e atraentes para melhor compreensão do telespectador.

Gomes (2009) atribui o advento do infotainment a dois fatores associados entre si: a consolidação do neoliberalismo e a expansão das possibilidades tecnológicas da produção, distribuição e consumo da cultura midiática. Embora, ambos os fatores não estejam ligados diretamente com o infotainment, foi através deles que o fenômeno conseguiu se desenvolver.

Há quem afirme que o grande marco do infotainment na televisão foi a Guerra do Golfo (1990-1991), quando as emissoras norte-americanas transmitiram em 1991, as destruições que o ataque aéreo causou ao Iraque, matando civis, militares e outras centenas de pessoas. A televisão naquela época exibia as cenas dos destroços, bombardeios e as mortes que a guerra ocasionou. Na maioria das vezes, a transmissão era ao vivo.

O infotainment estava presente até mesmo no primeiro conflito transmitido pelas emissoras de televisão, a Guerra do Vietnã em 1954. Apesar de o fenômeno ter aparecido neste cenário – que não tinha nada de diversão –, a forma como as imagens eram veiculadas foi o que destacou a presença do infotainment. As imagens exibidas pela televisão, segundo Alves (2013), eram “idênticas às de um filme, o próprio Vietname [sic] parecia um cenário de um filme, mas real, que mostrava tudo o que se passava” (ALVES, 2013, p. 8). O contexto visual veiculado nesta época, não era censurado, todas as imagens captadas eram transmitidas, um exemplo, foi a execução de um vietnamita na rua com tiros na cabeça, fazendo com que os jornais circulassem por todo o mundo, as imagens (Anexo C) desse episódio que chocou a população.

A Guerra do Golfo, ao contrário da Guerra do Vietnã, teve boa parte das suas cenas sem ser veiculada, isso porque o então presidente norte americano, George Bush, limitou a presença dos veículos de comunicação, adotando o sistema “pool de imprensa” [pool de imprensa é quando se reúne representantes de diversos veículos de comunicação para cobrir um evento. O sistema “pool de imprensa” é usado quando um ambiente não comporta todos os jornalistas para fazer a cobertura]:

“[…] no qual Bush escolhia os meios de comunicação que poderiam estar presentes na cobertura do conflito, submetidos a orientação militar. Ao contrário da Guerra do Vietname [sic], as imagens que a televisão capturava transmitiam a sensação de uma guerra limpa, sem mortos, sem violência, sem perseguições” (ALVES, 2013, p. 9).

Em síntese, o infotainment na televisão conseguiu se expandir em várias vertentes, chegando até mesmo no jornalismo, no qual quebrou paradigmas que afirmavam que uma notícia só poderia ser repassada com seriedade, afim de que o telespectador conseguisse vê credibilidade no discurso do mediador. Unir informação com entretenimento nunca rendeu tanta audiência e lucro para as emissoras, como nos últimos tempos.

Jornalismo e entretenimento

Compete ao jornalismo moderno o papel de deixar a sociedade informada e ao mesmo tempo apta a levantar opiniões sobre os fatos que a cercam. O entretenimento prima por despertar a atenção do público através da exploração dos recursos midiáticos levando o telespectador a nutrir seu imaginário de forma prazerosa. Tudo isso, agrega valor a informação, pois induz as pessoas a quererem consumir cada vez mais esse tipo de conteúdo aliado com o entretenimento.

No jornalismo, o infotainment surgiu antes mesmo da aparição na televisão, quando os jornais impressos tentavam atrair os leitores com conteúdos que fossem distrair e ao mesmo tempo informar. A publicidade por sua vez, contribuiu para ampliação desse público, que começou a consumir esses tipos de conteúdos, devido à criatividade usada nos elementos visuais que compunham os jornais.

“A imprensa introduziu esta técnica por volta dos anos 30, no século 19, de forma a adquirir mais audiência. A publicidade era e é o principal sustento do jornal e, como tal, foi necessário adoptar elementos mais atrativos. Era fundamental o jornal adaptar-se às mudanças sociais e tornar-se uma das opções de lazer, começando a incluir na paginação secções como o teatro, livraria, arte, literatura, crimes e sociedade” (ALVES, 2013, p. 7).

Com o surgimento das chamadas penny press e yellow press no século 19, a presença do entretenimento na informação ficou mais nítida. Penny press eram jornais baratos, vendidos por uma quantia mínima considerada pela classe média, no qual facilitava o acesso às notícias do dia-a-dia de forma mais econômica. O outro tipo de jornalismo daquela época era o chamado de yellow press, que focava em disponibilizar poucas informações nas suas páginas, mesmo assim, conseguia vender vários exemplares devido aos títulos apelativos nas matérias veiculadas. Dejavite (2006) afirma que “esse tipo de conteúdo satisfaz nossas curiosidades, estimulam nossas aspirações, possibilitam extravasar nossas frustrações e nutrem nossa imaginação” (DEJAVITE, 2006, p. 73).

Falar em entretenimento dentro do jornalismo tem gerado controversas entre pesquisadores e profissionais da área de comunicação. Há quem diga que unir o entretenimento com a informação distorce os valores éticos que o jornalismo prima. Outros afirmam que o elo da notícia com o entretenimento proporciona a elevação da audiência dentro dos jornais, pois satisfazem as necessidades culturais do público, aliadas com a diversão. Gomes (2004) acredita que o jornalismo assume o compromisso de prestação de serviço para seu público, gerando mecanismos que proporcionam cada individuo escolher e compreender o processo político que o envolve. Desta forma, o autor considera que a intervenção do entretenimento nesta área é contraditória, pois não se assimila a natureza da informação.

“O fato é que os parâmetros de seleção, de organização e de apresentação da informação tendem a responder aos mesmos princípios que há algum tempo vêm sendo identificados como estruturadores da comunicação de massas: o entretenimento, como base de referência, a ruptura, a diversão e a dramaticidade como seus subsistemas. Há de se perguntar como isso se tornou possível, já que pelo menos aparentemente, a natureza da informação se demonstra incompatível com uma codificação em chave lúdica” (GOMES, 2004, p. 313).

A forma de espetacularizar a notícia

Esse tipo de conteúdo, para o autor, faz com que os veículos de comunicação induzam cada vez mais, o receptor a observar menos a informação a ser passada. A prioridade neste caso seria a utilização de textos mais curtos, ritmos e posturas mais informais, dando enfoque à estética da imagem. “Este princípio é apenas o indício de que reina uma lógica da diversão, em cujo extremo de realização é presidido pela afirmação que nada mais deve ser solicitado ao destinatário da informação do que um consumo distraído” (GOMES, 2004, p. 315).

Seguindo no mesmo contexto de Wilson Gomes, existem outros teóricos que afirmam que o fenômeno do hibridismo infotainment, não se associa com as práticas do jornalismo “sério”, aquele que em suas editorias aborda sobre assuntos da economia e política de um país, repelindo-se de tudo que aparentemente não é de interesse do público. Para o sociólogo Pierre Bourdieu, o entretenimento dentro na notícia ocasiona déficit de atenção no individuo. A sua crítica está associada à espetacularização da notícia, quando se trata de política.

“A busca do divertimento inclina, sem que haja necessidade de pretendê-lo explicitamente, a desviar a atenção para um espetáculo todas as vezes que a vida política faz surgir uma questão importante, mas de aparência tediosa, ou, mais sutilmente, a reduzir o que se chama de atualidade a uma rapsódia de acontecimentos divertidos, frequentemente situados a meio caminho entre as notícias de variedades e o show, a uma sucessão sem pé nem cabeça de acontecimentos” (BOURDIEU, 1997, p. 139).

Manter a credibilidade do trabalho dos profissionais de comunicação é um dos itens que Traquina (2004) defende em separar o entretenimento da informação. De acordo com o autor:

“[…] as empresas jornalísticas e os jornalistas não podem esquecer as regras elementares do trabalho, como, por exemplo, a verificação da informação, ou o respeito total pela fronteira entre ‘fato’ e ‘ficção’. A crescente presença das notícias de infotainment e o crescente apagamento das fronteiras da informação e do entretenimento com a ascensão dos comunicadores são tendências que apontam para a importância da identidade profissional dos jornalistas” (TRAQUINA, 2004, p. 208).

Diante de tantas opiniões que apontam que o entretenimento não pode ser associado com a informação dentro do jornalismo, existem estudiosos que primam pela aliança entre ambos, como ferramenta para o fortalecimento da informação jornalística e por consequência o aumento pelo consumo de notícias. Dejavite (2006) afirma que qualquer matéria, seja ela, focada em assuntos mais sérios ou de menor interesse para certo público, pode informar e entreter ao mesmo tempo. “O limite ético que separa jornalismo e entretenimento não existe” (DEJAVITE, 2006, p. 72). Sob o ponto de vista dos aspectos visuais que caracterizam também, o fenômeno do infotainment, Gutmann (2008) defende que:

“Não é possível desconsiderar, por exemplo, que quando se apresenta na linguagem audiovisual, o discurso jornalístico requer estratégias de apelo sonoro e visual próprias da TV, vistas como traduções de uma suposta primazia do prazer e dos sentidos. Esse pressuposto evoca a necessidade de repensar a tão enraizada oposição valorativa entre informação e entretenimento de modo a problematizar a própria concepção do jornalismo moderno, amparada nos ideais iluministas do homem livre e racional” (GUTMANN, 2008, p. 3).

A partir desta outra abordagem, podemos assegurar que o entretenimento não se configura em aspectos negativos ao jornalismo, mas como um elemento que atende e satisfaz o receptor da melhor maneira. É possível considerar também, que o infotainment não impede a capacidade de críticas e questionamentos sobre a diversão na notícia. Para Dejavite (2006), esse outro lado do jornalismo ela caracteriza como notícia light, ou seja, todo conteúdo que distraia, informe e traga uma informação sobre o assunto publicado.

Dejavite (2006) traça três características básicas para a notícia light:

“1) capacidade de distração – ocupa o tempo livre, para não aborrecer; 2) espetacularização – estimula e satisfaz aspirações, curiosidades, ajuste de contas, possibilidades de extravasar as frustrações, nutre a imaginação; 3) alimentação das conversas – facilita as relações sociais, oferecendo temas de conversação do dia-a-dia, como boatos e notícias sobre celebridades” (TARRUELLA; GIL, 1997 apud DEJAVITE, 2006, p. 70).

Essa simplicidade no texto jornalístico, não só nos impressos como também no audiovisual, se destaca devido à recriação dos fatos, fazendo com que os receptores se tornem mais participativos e atraídos pelo conteúdo. “Essa mistura de gêneros no jornalismo surge como uma das mais novas especialidades, denominadas jornalismo de INFOtenimento” (DEJAVITE, 2006, p. 71).

No telejornalismo esse fenômeno é mais evidente devido à junção de imagens, sons e texto. Se a notícia é dada como espetáculo no telejornalismo, logo todo o cenário ou ambiente de gravação é visto também como parte desse espetáculo. Seja essa forma de espetacular a notícia que acarrete a grande audiência no telejornal com esse formato.

Referências

ALVES, D. F. R. Infoentretenimento nos Programas Televisivos: o caso das estações televisivas portuguesas. 2013. 71 f. Dissertação (mestrado em Jornalismo) – Universidade da Beira Interior Artes e Letras, Covilhã. 2013. Disponível em: https://ubithesis.ubi.pt/handle/10400.6/1602. Acesso em: 14 de maio de 2015.

DEJAVITE, Fábia A. INFOtenimento: informação + entretenimento no jornalismo. São Paulo: Paulinas, 2006.

GOMES, Itânia Maria Mota. “O Infotainment e a Cultura Televisiva”. In: João Freire Filho. (Org.). A TV em transição: tendências de programação no Brasil e no mundo. 1ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2009, v. 1, p. 195-221 (e-mail).

GUTMANN, J F; FERREIRA, T. E. & GOMES, I M. M. “Eles estão à solta, mas nós estamos correndo atrás. Jornalismo e entretenimento no Custe o que Custar”. Revista E-compós, v. 11, agosto de 2008, p. 1-6, 2008. Disponível em: < http://telejornalismo.org/gomes-itania/>. Acesso em: 24 de abril de 2015.

GUTMANN, Juliana Freire. “Aspectos audiovisuais do infotainment: o CQC como propósito de análise”. Trabalho apresentado no Colóquio Internacional Televisão e realidade em Salvador/ BA, 2008. Disponível em: http://www.tverealidade.facom.ufba.br/coloquio%20textos/Ju%20Gutmann.pdf. Acesso em: 13 de abril de 2015.

SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira. São Paulo: Summus, 2004.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005.

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Germana Plácido de Carvalho Mendes é graduada em Comunicação Social