Nos últimos quatro anos, em que esse quase-jornalista freqüentou regularmente os bancos de uma faculdade de Comunicação, foi desenvolvida uma pesquisa que teve como pano de fundo o Observatório da Imprensa e a discussão de jornalismo a partir dele propagada.
Durante o período, recolhi um sem-número de iniciativas emblemáticas de que uma nova idéia-força social – termo designado pelo professor Dênis de Moraes – emergia com o claro intuito de se contrapor à hegemonia das grandes corporações de mídia, que dominam a transmissão das formas simbólicas do mundo contemporâneo, a exemplo do que afirma o estudioso inglês John Thompson.
Muitos foram os encontros com minha orientadora, a jornalista Heloísa Miguel – também um ser humano e profissional que admiro bastante – apenas para realizar o ‘corte’ necessário para a pesquisa começar a tomar a forma de um trabalho de conclusão de curso, tal qual deverá me habilitar em Jornalismo no dia 10 de dezembro.
O projeto parte da idéia de que, nas últimas décadas, a mídia deixou de apenas intermediar o real e o simbólico, passando a estruturar e constituir o real. Essa capacidade, aliada ao interesse meramente comercial das empresas jornalísticas, além da recusa em abrir-se para o questionamento de seus próprios mecanismos e valores, indica que os meios de comunicação vêm perdendo, nos últimos anos, sua função fundamental de contrapoder.
O resultado, como afirma o também inglês Roger Silverstone, professor da área, tem se tornado visível nas sociedades modernas: declínio acentuado do engajamento político da população, aumento do individualismo e ocaso da cidadania. Não sem motivo, o fenômeno tem despertado a atenção de um grande número de profissionais – como sociólogos, educadores e pesquisadores da comunicação – em todo o mundo.
Eles acreditam que o Quarto Poder – como o jornalismo já foi chamado – se viu esvaziado de sentido, na medida em que se acelerava a globalização neoliberal dos anos 90. A principal ameaça, afirmam teóricos de jornalismo como José Arbex Jr., Ignacio Ramonet, Bill Kovach e Tom Rosenstiel, está nas grandes corporações de mídia, que tratam informações como mera mercadoria.
Preocupação mundial, articulação internacional
A pesquisa avança discutindo que, inseridos em grandes empresas transnacionais, os veículos midiáticos se tornaram os lugares onde se elaboram, se negociam e se difundem os discursos, os valores e as identidades, como verdadeiras fábricas de consenso. Nesse contexto, parafraseando Ramonet, se coloca uma questão: como vigiar o Quarto Poder ou, em outras palavras, como fazer com que os cidadãos se protejam do Quarto Poder?
No conjunto das tentativas de resposta a questões como essas, verifica-se o aumento da bibliografia sobre aspectos negativos da imprensa, especialmente a respeito de seu perigoso vínculo com interesses políticos e econômicos. Surgem iniciativas por meio de diversos canais e em âmbitos que vão do universal ao local. Trata-se, sobretudo, de constatar que o fenômeno está em curso, de modo já não tão insipiente.
Por 200 anos a esfera pública, capaz de fazer a mediação entre sociedade e Estado, teve na imprensa a voz de que necessitava para estabelecer os parâmetros que deram forma aos primeiros Estados-nação e representação às identidades nacionais do Velho Continente.
No entanto, a partir do momento em que interesses comerciais passaram a se infiltrar no modo de produção jornalística, no fim do século 19, a esfera pública começou a ruir. Seus pressupostos básicos de garantia à pluralidade de opiniões e liberdade de expressão foram ameaçados por forças estranhas ao interesse público. Nas últimas décadas do século 20, esse processo acentuou-se com o movimento global de liberalização econômica, que aproxima a comunicação da simples mercadoria e sobrepõe a lógica do lucro à do livre debate de idéias.
Está aí o desenvolvimento do processo em que o Quarto Poder entra em crise, coincidindo com a mudança estrutural da esfera pública de que fala o alemão Jürgen Habermas. Se, por muito tempo, a imprensa foi vista como um contrapoder, graças ao senso cívico dos meios de comunicação e à possibilidade de recorrer democraticamente a essa instituição para criticar, rejeitar e resistir a ameaças ao bem comum, o cenário, definitivamente, não é mais o mesmo.
Oligopolização da mídia versus democracia
No trabalho, ao lado de outros pesquisadores, constatamos que a oligopolização da imprensa e seus efeitos negativos sobre a prática da atividade têm sido objeto de acalorados debates entre governos de inúmeros países ao redor do mundo, e passa também pela regulamentação da atividade dos meios de comunicação de massa.
Em vários países, inclusive no Brasil – que possui um sistema midiático estruturado em concentrações de empresas –, a década passada e principalmente este início de século 21 têm assistido à emergência de inúmeros novos institutos legais para legislar sobre a atuação da mídia no contexto da globalização.
Sem poder legal, mas não menos destacadas, organizações não-governamentais e outros tipos de grupos sociais são criados com o objetivo de ser um canal de vigilância e discussão permanente sobre a atuação da imprensa. Um notável exemplo brasileiro é este Observatório da Imprensa, cuja primeira edição foi ao ar em 1º de abril de 1996.
Essas vias, que têm a internet como seu principal meio de comunicação, também almejam a pretensão de serem capazes de oferecer um contraponto e uma alternativa à enorme influência que a mídia corporativa tem sobre a construção da realidade atual. Prova disso foi o lançamento, no 2º Fórum Social Mundial, do Observatório Internacional de Mídia (www.observatoire-medias.info), cujo nascimento oficial ocorreu em 13 de maio de 2002.
No mesmo caminho, jornalistas, professores universitários, estudiosos e outros profissionais da área de comunicação se empenham na publicação de pesquisas que alertam sobre o caminho tomado pela imprensa contemporânea. São trabalhos que trazem o debate sobre a democratização da comunicação à tona.
Nesse sentido, notamos que cresce a passos largos o engajamento de profissionais e teóricos, dentro e fora da academia, na reflexão sobre formas de enfrentar o atual modelo midiático. Como era de se esperar, não há resposta pronta, mas a sugestão de alguns caminhos. Essas forças estão sendo chamadas por alguns autores de ‘Quinto Poder’, um poder fiscalizador do Quarto Poder e a ele alternativo.
No Brasil, experiências pioneiras fazem história
Diante do fenômeno da globalização dos meios de comunicação, não é por acaso que respostas de crítica de imprensa e da conseqüente configuração de um Quinto Poder ocorram também em nível mundial. A constatação real e concreta de um movimento fiscalizador e alternativo ao jornalismo fabricado pelas grandes corporações começou a tomar forma durante o 2º Fórum Social Mundial, realizado em fevereiro de 2002 na cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.
Nele, representantes da sociedade civil, profissionais da mídia, professores e pesquisadores de universidades de todo o mundo se articularam para criar o Observatório Internacional de Mídia (www.observatoire-medias.info), cujo nascimento oficial ocorreu em 13 de maio de 2002 em cerimônia no auditório do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP).
Para ampliar sua força em relação ao poderio exacerbado dos grupos de comunicação, a resistência começa também a ganhar ramificações locais. É o que mostra a criação do Observatório Brasileiro de Mídia, lançado em 22 de setembro de 2004, também na USP.
Iniciativa do Núcleo de Jornalismo Comparado da universidade, do Instituto Observatório Social (criado pela Central Única dos Trabalhadores e por outras organizações do trabalho) e pelo Observatório Internacional de Mídia, a organização, de acordo com o ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, resulta da pressão social pelo monitoramento dos meios de comunicação.
O lugar do representante do cidadão
Ouvir os leitores e criticar o jornal em que trabalha são as principais atribuições do ombudsman, mas seu papel vai muito além disso. Embora pouco conhecida, essa função tem uma grande importância na democratização dos meios de comunicação, e o Brasil é um terreno com várias experiências nesse sentido. De origem sueca, a palavra significa ‘representante do cidadão’, e refere-se a uma espécie de ouvidor-geral, que atende aos reclames da população.
Essa mesma idéia desloca-se para a imprensa, onde o termo designa o representante dos leitores do jornal. De acordo com o site da Folha de S. Paulo (www.folha.com.br), a função de ombudsman de imprensa foi criada nos Estados Unidos em 1960 e chegou ao Brasil num domingo, dia 24 de setembro de 1989, quando a Folha, numa decisão inédita na história do jornalismo latino-americano, passou a publicar semanalmente a coluna de seu ombudsman.
O jornalista Caio Túlio Costa foi o primeiro profissional a assumir a posição. ‘Coube a mim dar forma, implantar e consolidar um serviço de atendimento ao cidadão num país onde a cidadania nem chega a ser uma noção – é um desejo difuso e uma possibilidade distante’.
Iniciativas distintas, objetivos consonantes
Em várias democracias do Ocidente, a idéia do media watching (ou observatórios de imprensa), unido-se às experiências anteriores do ombudsman, e do media criticism (crítica de imprensa) tem produzido um número notável de iniciativas dispostas a aperfeiçoar e fiscalizar o trabalho da imprensa.
Todas elas partem, necessariamente, da constatação de que o jornalismo, de algum modo, não estaria funcionando a contento. Acreditamos que a discussão da emergência dessas novas forças sociais, embora dê margem a subjetividades, não deve ser encarada como uma conseqüência natural da imprensa, mas como um sintoma de que algo não vai bem.
O jornal independente francês Le Monde Diplomatique (www.monde-diplomatique.fr), ou simplesmente Diplô, como é tradicionalmente conhecido, tem mais de 50 anos de existência. Nascido como edição mensal do diário francês Le Monde, tornou-se ao longo dos anos um símbolo de informação profunda e confiável, de jornalismo sem concessões à superficialidade e ao sensacionalismo.
No Brasil, há uma iniciativa bastante similar ao Diplô francês, o Brasil de Fato. Seu surgimento ocorreu no ano de 2002, quando um conjunto de intelectuais, artistas e jornalistas somou-se aos movimentos sociais brasileiros com o objetivo de construir um jornal que ‘ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia nacional’. O novo jornal também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral.
Na mesma linha crítica do Brasil de Fato, mas com um viés analítico-acadêmico, nasceu na internet – campo prodigioso de ações não-governamentais – o Instituto Gutenberg, ou Centro de Estudos da Imprensa (www.igutenberg.org), organização de crítica de mídia criada por jornalistas em 1994.
O projeto, liderado pelo jornalista Sérgio Buarque de Gusmão, com longa experiência na imprensa, tem em seu conselho editorial profissionais como Caco Barcelos, Hamilton de Souza, Jair Borin, Paulo Markun e José Marques de Melo, além de contar com Dom Paulo Evaristo Arns como presidente honorário.
Nesse sentido, entidades não diretamente ligadas à comunicação também se mostram preocupadas com os caminhos do jornalismo na contemporaneidade. Em julho deste ano, seis organizações de alcance mundial, lideradas pela organização anticorrupção Transparência Internacional (www.transparency.org), divulgaram simultaneamente a ‘Carta sobre a Transparência na Mídia’, reunindo princípios que pretendem dissociar a atividade jornalística da mercadológica.
Outra iniciativa da Transparência Brasil, entidade fundada em 2000 por um grupo de indivíduos e organizações não-governamentais ‘comprometidos com o combate à corrupção’, é o banco de dados Deu no Jornal (www.deunojornal.org.br), com reportagens relacionadas à corrupção e seu combate, publicadas em jornais e revistas de todos os estados brasileiros. De acordo com informações do site, o projeto visa a coligir um banco de dados sobre notícias e submetê-las a análise.
Desde 26 de janeiro de 2004, o noticiário sobre corrupção e anticorrupção publicada nas versões da internet de veículos impressos de todo o país é recolhido diariamente e introduzido numa base de dados. O acesso é disponibilizado ao público pelo site na internet.
O projeto Reescrita (www.reescrita.com.br), de natureza acadêmico-profissional, é uma outra iniciativa da sociedade civil para a ‘crítica, a pesquisa e a discussão do jornalismo e de outras linguagens da comunicação’. Desenvolvido inteiramente na web, o projeto reúne textos com análises de imprensa, artigos sobre temas correntes do jornalismo e outras grandes discussões. Sob coordenação acadêmica e editorial do professor-doutor Manuel Carlos da Conceição Chaparro, a iniciativa conta com a colaboração de jornalistas, professores e estudantes de Comunicação de todo o Brasil.
Também de origem acadêmica, o Monitor de Mídia (www.cehcom.univali.br/monitordemidia), do Centro de Ciências Humanas e da Comunicação (Cehcom), do curso de Comunicação Social da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina, se propõe a analisar e criticar a mídia impressa catarinense.
O projeto é pioneiro em termos de acompanhamento sistemático da imprensa regional. Desde o fim de agosto de 2001, a cada quinzena, o site vem oferecendo uma crítica dos três principais jornais catarinenses, avaliando a qualidade de seu noticiário, apontando deslizes e destacando boas iniciativas. ‘Esse é um projeto de análise e crítica de mídia com o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento da imprensa’, diz o texto de apresentação do site.
Entendemos que esse movimento de cidadãos interessados em discutir os fatos e suas abordagens pela imprensa é fruto da junção das facilidades de comunicação proporcionadas pela internet, com a motivação pessoal de se discutir jornalismo. A desenvoltura e liberdade com que esses indivíduos produzem e alimentam esse tipo de canal são reveladoras do quanto se sentem parte do processo – de produção, difusão e consumo de notícias. É a sociedade fiscalizando a imprensa e criando canais para que essa análise também seja vista.
Com a internet, ‘cada cidadão é um repórter’
Uma forma no mínimo curiosa e absolutamente atual de crítica de imprensa pode estar desencadeando uma verdadeira revolução informativa na internet. Ela acontece graças às características do espaço interativo e de fácil acesso/publicação que a rede mundial de computadores oferece.
O formato desse tipo de canal – os weblogs, ou simplesmente blogs – tornou-se mundialmente conhecido no ano passado, com a invasão do Iraque pelos Estados Unidos.
Eles funcionam como diários virtuais, produzidos principalmente por jornalistas e outros cidadãos que, sozinhos ou em grupo, começam a revelar um novo meio de difusão de informações alternativas. Dentre os milhares de blogs com conteúdo restrito, ou seja, de caráter pessoal, que só interessa aos círculos de conhecidos do autor, surgiram nos cinco últimos anos verdadeiras revistas online com enorme quantidade de leitores.
Na ponta do processo iniciado pelos blogs e fortalecido pelos blogs de múltipla autoria, encontra-se o jornalismo participativo online. Responsável por essa inédita experiência, o site OhmyNews (www.ohmynews.com) ‘foi a primeira tentativa bem-sucedida, na internet, de revolucionar o processo de garimpagem de notícias e criar o slogan ‘cada cidadão é um repórter’’, diz o jornalista e pesquisador de mídia eletrônica Carlos Castilho.
Apesar de resultados preliminares bastante positivos, as experiências sobre a participação do público na produção de notícias ainda não podem ser consideradas definitivas. Elas indicam, no entanto, um estímulo precursor de uma revisão nos paradigmas do jornalismo atual e, sobretudo, no lugar dos jornalistas, na captação, produção e divulgação de notícias. Para esse campo, onde a internet e o jornalismo se fundem, somente o céu parece ser o limite.
Educar para a mídia: em prol do jornalismo
Diante da discussão até agora instaurada e de todas as iniciativas elencadas com o propósito de exercitar um Quinto Poder, verificamos o papel central que os receptores das mensagens têm nesse cenário de experiências compartilhadas. Neste momento, analisaremos algumas experiências que unem as áreas de educação e comunicação, que dialogam e se inter-relacionam cada vez mais.
‘A cidadania do século 21 requer um grau de conhecimento que até agora poucos de nós têm, que requer do indivíduo que saiba ler os produtos de mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias’, acredita Roger Silverstone, titular da cadeira de Mídia e Comunicações da London School of Economics, na Inglaterra.
Autor de Por que estudar a mídia?, na obra, Silverstone defende a idéia de que a mídia se tornou central para a experiência humana, tendo um controle em constante crescimento sobre o fluxo de palavras e imagens em escala global – e sobre processos sociais, políticos e culturais. Em contrapartida, o autor também afirma que há um visível crescimento nas reações de indivíduos, comunidades e governos contra sua influência.
Segundo o autor, é preciso instituir um programa de alfabetização para a mídia, no qual as pessoas poderiam aprender a fazer escolhas sobre o que e como consumir. Esse conhecimento sobre os produtos da mídia não é fornecido pelo sistema de educação tradicional, pois ‘envolveria capacidades que vão além do que foi considerada alfabetização em massa na época da mídia impressa’.
A obra refere-se a um tempo em que a mídia impressa deixou a impressão de ser suficiente; que para exercer a cidadania plena, as populações tivessem acesso à leitura. Mas adverte que avanços na capacidade de leitura dos indivíduos, ou seja, um questionamento crítico do que se lê, sempre foram consideradas ameaças para os poderes estabelecidos.
Alinhada à idéia de educação para a mídia, pesquisadores têm falado e apresentado resultados em relação a estudos que unem as áreas de educação e comunicação. A isso somam-se diversas iniciativas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e com o propósito de aumentar e incentivar a educação cresce a preocupação de pais e educadores com o desenvolvimento de projetos que ajudem as crianças e jovens a construir uma leitura crítica dos meios de comunicação. Os objetivos são protegê-los contra os efeitos provocados pelos meios de comunicação e prepará-los para cobrar da mídia uma atuação mais contributiva.
Tentativas de conclusão
Diante do exposto, constata-se que o jornalismo atual está numa encruzilhada: ao mesmo tempo em que procura revestir-se da distinção que propiciou sua evolução, parece ora condenado, pela lógica da mercantilização, a tornar-se mera ferramenta ideológico-publicitária que legitima o pensamento neoliberal, no contexto da globalização.
Por deter agora a capacidade de interconectar o planeta em tempo real, a mídia mundial, nas mãos de poucos empresários, trabalha no sentido de unificar crenças, valores, estilos de vida e padrões de consumo quase sempre alinhados com a necessidade de venda da indústria do capital. O interesse público – que deveria reger a atividade – é ofuscado.
Nessa conjuntura, um número reduzido de corporações transnacionais assume o controle da produção de uma quantidade inapreensível de marcas, produtos e serviços de informação e entretenimento. Inserido nesse contexto, sobra pouco ou nenhum espaço para o jornalismo enquanto serviço realmente público – que critica, investiga e fiscaliza as ações e o movimento dos poderes estabelecidos.
A função social da imprensa está relegada e subordinada a interesses quase puramente comerciais. Superficialidade, espetacularização, fragmentação e pré-disposição são algumas das marcas do fazer jornalístico atual, onde algumas vozes sobrepõem a visão de mundo a ser compartilhada por toda a sociedade.
Força tida como crucial para o estabelecimento dos Estados nacionais, o jornalismo, na contemporaneidade, é direcionado pelas políticas excludentes do neoliberalismo, que não almejam senão a ‘transnacionalização das indústrias culturais, a concentração patrimonial e a primazia do lucro, ao mesmo tempo em que enfraquecem identidades, laços comunitários e direitos sociais’, afirma o professor Moraes.
Como se não bastasse, o perigo não reside somente na desconstrução e talvez no fim da imprensa, mas na fragilização e decomposição dos ideais democráticos e da soberania dos Estados, tão duramente estabelecidos ao longo dos séculos.
Contudo, por mais categórica que seja a interferência do maquinário da mídia na configuração dos imaginários sociais, o mundo em rede cria possibilidades de transformação até então nunca imaginadas.
O conjunto dessa articulação é denominado por alguns autores de Quinto Poder, ou seja, a sociedade fiscalizando o trabalho da imprensa e, quando não satisfeita, criando opções e meios de resistência a ela, através de movimentos, redes de meios alternativos de expressão, interação e mobilização, tecendo vínculos e primando por espaços participativos e convergências solidárias.
Como mostram diversas iniciativas elencadas nessa pesquisa, o caminho para a democratização da esfera pública passa necessariamente pela elaboração de políticas de socialização dos serviços e espaços de comunicação, hoje, dentro de uma visão que esteja acima de limites e fronteiras nacionais.
Como diz Moraes, isso inclui um realinhamento dos sistemas globais de informação e entretenimento, respeito às peculiaridades regionais, descentralização da produção simbólica e, especialmente, garantir o bem supremo da pluralidade no jornalismo.
Não é fácil imaginar a universalização da cidadania no atual cenário de concentração da mídia, mas os anseios contidos em cada uma das ações desta pesquisa nos levam a crer na constituição de uma força social capaz de pela primeira vez por em xeque a produção e difusão de informações jornalísticas sob a lógica do capital financeiro globalizante e do lucro a qualquer preço.
Nesse sentido, também se revela patente a importância da chegada dessa discussão à academia, que poderá a partir dela irradiar-se para a sociedade. Essa difusão se daria na medida em que a formação de profissionais incluísse essa nova dimensão do espaço público da comunicação, sendo que a mudança poderia ocorrer, essencialmente, através dos profissionais na prática jornalística, nas atividades de docência e na participação em projetos de educomunicação, para citar apenas alguns exemplos.
Ao reunir e disponibilizar essas informações, estimulando a discussão e o reconhecimento do Quinto Poder, esperamos contribuir para a difusão – tanto dos autores quanto das iniciativas –, que propõem profundas alterações na produção e difusão da notícia, o que interessa diretamente a profissionais e estudantes de jornalismo, bem como os receptores de informações.
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Formando de Jornalismo pela Unoeste (Universidade do Oeste Paulista)