Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A ‘Tiazinha’ está decepcionando os sobrinhos

O adjetivo ‘prestigioso’ é sempre suspeito e deve ser usado com parcimônia. Esse é um dos primeiro ensinamentos que recebemos ao começar no jornalismo. Uma exceção a esse princípio sempre se fez presente com a British Broadcasting Corporation, a BBC de Londres. Fundada em 1922, para ser, como diz seu princípio fundamental ‘livre da influência comercial e política, respondendo somente a ouvintes e espectadores’. É tratada carinhosamente pelos súditos de Sua Majestade por ‘Tiazinha’.

Foi ao ar pela primeira vez no laboratório londrino de Guglielmo Marconi, o bolonhês prêmio Nobel, inventor da rádio. A BBC inaugurou, em 1936, o primeiro sistema TV da história. Em 1953, 22 milhões de seus espectadores assistiram à coroação da rainha Elizabeth II. Pouco mais de 40 anos depois desse evento (1995) nasce a BBC World, um canal que transmite em 33 línguas para 183 milhões de telespectadores por semana.

Todavia, a ‘Tiazinha’ nesses últimos tempos vem desiludindo seus ‘sobrinhos’ Está vivendo a mais séria e pior crise de seus 85 anos. Tal qual a outra instituição britânica, a monarquia, é mantida e financiada pela confiança e afeto da opinião pública, que paga para assisti-la o cânone (taxa obrigatória) mais alto do mundo: £ 135,50 (algo como R$ 450,00 por ano).

Os motivos da crise

Mas o que aprontou a ‘Tiazinha’ apara desiludir seus sobrinhos? Primeiro mandou ao ar um comentário feito fora do palco pela cantora Madonna, reclamando aos palavrões sobre a falta de calor dos que a estavam assistindo. A opinião pública julgou esse fato totalmente dispensável – deveria ter sido cortado. Depois, descendo aos níveis do subjornalismo dos tablóides lidos no metrô, criou uma intriga sobre a desavença entre uma repórter e a rainha – e depois teve que desmentir. Finalmente, fez uma grande picaretagem num programa de perguntas e respostas com prêmios, que ilegalmente eram distribuídos entre seus funcionários em detrimento dos ansiosos telespectadores que telefonavam de casa.

Enfim, a ‘Velha Tia’ revelou-se corrupta, negligente e mentirosa e agora começa a temer que os ingleses não lhe tenham mais confiança. Segundo uma pesquisa do Guardian, de cada 100 espectadores, 59 confiam na BBC menos do que confiavam antes. Muitas cabeças rolaram e o diretor Mark Thompson promete uma cura radical depois dessa sacudida.

Essa crise tem três motivos básicos: o primeiro é a forte concorrência das estações transmissoras, presente e comum em todo o mundo rico e desenvolvido. O segundo é a pressão dos governos e dos produtores privados que, nos últimos 20 anos, empurraram a BBC a produzir os próprios programas no setor independente. Sob muitos pontos de vista, essa foi uma desvantagem, pois os produtores independentes são mais agressivos e têm idéias mais frescas. O terceiro motivo, e o mais importante, é a cultura midiática, da qual faz parte também a BBC. É do conhecimento geral que os jornais britânicos, especialmente os tablóides, são polêmicos, cheios de referências a sexo e desinteressados da realidade dos fatos.

Educação e política liberal

A antiga tendência da BBC de fazer somente programações ‘úteis aos espectadores’ não é mais possível (o novo canal BBC 4 foi concebido especificamente para intelectuais). Atualmente, o canal tradicional coloca no ar programas de perguntas e respostas e reality shows que não são em nada diferentes daqueles transmitidos pelas televisões privadas. Essas transmissões são muito populares, o que significa que o canal televisivo aumentará em audiência mas perderá em respeitabilidade.

A BBC não tem somente uma grande reputação, mas também uma importante prestação de serviços – seus noticiários continuam sendo imparciais e excelentes.

No seu apogeu, a BBC conseguiu combinar uma excelente programação educadora com uma política liberal exemplar. Se essa crise continuar – e se agravar –, corre-se o risco de perder para sempre uma emissora de grande valor.

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Jornalista