O exercício do jornalismo tem a função de informar os indivíduos sobre os acontecimentos do mundo. Em sociedades tão complexas como as sociedades modernas, o jornalismo tem um papel central na mediação destas com a realidade. O jornalismo não é a realidade, mas, na verdade, uma reprodução do real, um recorte. Neste sentido, se o jornalismo é profícuo para sociedade e, às vezes, os profissionais de mídia podem distorcer esta “realidade” de acordo com seus interesses ou para quem eles trabalham. O exercício do jornalismo deve, antes de tudo, primar pela objetividade, e, assim, tentar se aproximar ao máximo da “verdade” dos fatos. Quando o jornalista molda a informação a partir dos seus interesses, ele está obstruindo a informação. Este tipo de atitude pode prejudicar terceiros envolvidos na apuração da matéria. O presente trabalho pretende discutir matérias jornalísticas que têm como objetivo o sensacionalismo, a busca pela audiência a qualquer custo, o apelo sexual, que possuem conteúdo que contém baixo calão; enfim, material que causa dúvida no telespectador, dando margem ao questionamento da credibilidade das informações.
Do mesmo modo, nas últimas duas décadas, o jornalismo passa por um importante processo de evolução, não apenas do ponto de vista tecnológico e operacional, mas também pelo seu papel social. O jornalismo tem contribuído para o amadurecimento dos seus profissionais, das empresas de comunicação e também dos consumidores de informação. Desse processo evolutivo, resultou um aperfeiçoamento de técnicas de investigação, no sentido de atender às necessidades do jornalismo de serviços e na segmentação do seu mercado, além da especialização de coberturas.
“Polêmica e perigosa”
Percebe-se com isso, como agravante, uma tentativa de remediar, de algum modo, essa distorção através da utilização do “realismo” formatado a partir do uso intenso do jornalismo investigativo, que é uma forma de produzir reportagem especializada buscando elucidar fatos até então desconhecidos do público. Em sua maioria são casos de crimes e corrupção que podem chocar a sociedade e, com isso, transformar-se em notícia. De acordo com Cristiane Finger:
“É neste cenário que a câmera oculta se insere. Um aparato tecnológico usado como `muleta´, pequenos instrumentos com poderosos recursos, que se voltam para retratar, na maioria das vezes, delitos banais, consequências, quando deveriam revelar causas” (FINGER, 2007, P.2)
No Brasil, o exemplo de maior destaque dessa técnica é o polêmico caso do jornalista da Rede Globo de Televisão Tim Lopes. Esse tipo de jornalismo utiliza como principal instrumento a “câmera oculta”, que possibilita transmitir informações sobre condutas individuais que venham a atingir interesses públicos. Ela pode ser definida como o uso que se faz da câmera sem permissão dos entrevistados, normalmente manuseada por jornalistas a fim de obter informações importantes para a produção jornalística. Desse modo, são registradas situações vividas pelo chamado homem comum sem que ele tenha conhecimento de que está sendo focado por uma câmera. Esta ferramenta acaba sendo responsável pelas verdadeiras armadilhas a que, na verdade, as pessoas são submetidas.
O esforço na utilização da câmera oculta acaba revelando a influência da indústria cultural. O ambiente fora das redações, nos pequenos detalhes do dia a dia; nas informações secundárias; ouvindo todos os envolvidos direta ou indiretamente no fato; tentando extrapolar apenas os dois lados da notícia. De acordo com Antônio Brasil: “Câmeras ocultas matam jornalistas e a ética profissional. Sempre fui contra. Considero uma prática jornalística polêmica e perigosa, tanto para a segurança dos nossos colegas quanto para a ética da profissão” (BRASIL, 2002, p. 31).
Dois valores
Durante a investigação da notícia, parte dos jornalistas investe mais no uso de tecnologias, em detrimento de uma investigação que busque desvelar os pormenores pacientemente, deixando os fatos se desenrolarem por si sós:
“Um jornalista não pode denunciar uma situação de corrupção só porque lhe parece que seja ou porque alguém o sugeriu. Antes disso, deverá ter em mãos o máximo de provas documentais que qualifiquem essa situação” (LOPES, 2003, p.23).
Em algumas reportagens com caráter de denúncia, o jornalista às vezes faz algo ilegal. Na condição de cidadão, o jornalista tem a obrigação de evitar que um crime se concretize. Mostrar que a lei não está sendo cumprida é coerente, mas realizar atitudes como comprar drogas ou mentir sobre a sua identidade não é tarefa do jornalista. Para o jornalista que quer atingir a “verdade” (uma das premissas da prática jornalística), mentir não deve ser nunca uma alternativa.
A criminalidade das drogas é gritante em nosso país e as autoridades têm conhecimento do assunto. Cabe a jornalismo registrar, denunciar e trazer a estas informações à sociedade. A responsabilidade social às vezes fica à margem da cobertura jornalística, cedendo espaço para a espetacularização com conteúdos como sexo e drogas.
Do mesmo modo que se cria um impasse em que o jornalismo investigativo é visto de maneira benéfica para a sociedade, no entanto, diverge com os objetivos da administração pública, sobrepondo-se também aos valores particulares. Esse impasse acaba chocando-se com outros dois valores – a moral e a ética no jornalismo. Sendo o primeiro “um conjunto de valores que orientam a conduta as ações e os julgamentos humanos. Valores como bondade, justiça, liberdade, igualdade, respeito à vida, entre tantos outros” (CHRISTOFOLETTI, 2008) e o segundo como “Aquilo que os homens fazem com a moral, isto é, como fazem os valores funcionarem… Se a moral coloca normas, padroniza, é dura e sinalizadora, a ética é reflexiva, maleável, praticante e questionadora” (id., ibid.).
Sociedade mais democrática
Diante dessa realidade, tomando-se como norteadores estes dois valores, observam-se mudanças significativas no modo como a sociedade passa a visualizar este tipo de informação, exigindo maior qualidade e seriedade na produção jornalística que lhe é oferecida. A mesma não mais se deslumbra tão facilmente com a realidade a ela apresentada pela mídia, através dos flagrantes das câmeras ocultas, questionando, desse modo, a real gravidade da invasão de privacidade do indivíduo com intuito de obter a matéria jornalística, como também questiona os meios e as ferramentas utilizadas para tal fim. Iniciando-se, desse modo, o debate sobre a ética na prática jornalística.
Esses questionamentos podem gerar perda da credibilidade por parte da imprensa, usuária desses recursos, diante da sociedade, que passa a questionar a possibilidade de existência de reportagens manipuladas que distorcem a realidade dos fatos. Portanto, o jornalismo deve registrar, analisar e cobrar atitudes das autoridades. Para evitar sofrer abusos do jornalismo, a sociedade deve estar vigilante à produção deste, sem se distanciar dos fatos concretos. Com uma atuação ética dos profissionais de jornalismo e com uma permanente vigilância da sociedade é que se pode tentar viver numa sociedade mais democrática e saudável.
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Referências
BRASIL, Antônio Cláudio. Telejornalismo, Internet e guerrilha tecnológica. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna Ltda., 2002
CHRISTOFOLETTI, Rogério. Ética no jornalismo. Editora Contexto. São Paulo, 2008.
FINGER, Cristiane. Telejornalismo: câmera oculta e outros dilemas éticos. Porto Alegre: Revista Famecos, 2007.
KARAN, José Francisco. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus Editorial, 2000.
LOPES, Dirceu Fernandes; PROENCA, José Luiz (orgs). Jornalismo Investigativo. São Paulo: 2003, P.23
TRIVINHO, Eugênio. Contra a Câmera Escondida: Estruturas da violência Soft. Porto Alegre. Revista Famecos, 2000.[Elma Oliveira, Pedro Paz e Túlio Souza de Vasconcelos sãograduandos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)]
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[Elma Oliveira, Pedro Paz e Túlio Souza de Vasconcelos sãograduandos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)]