De um lado, presenciamos uma inevitável crise da imprensa escrita em escala global, causada, entre tantos fatores, pela mudança geracional entre os leitores de jornais nas últimas quatro décadas e pela inércia das próprias redações em se adequar às novas tendências do mercado editorial – convergência digital, transmidiação. O que, segundo Phillip Meyer (Os jornais podem desaparecer?, 2007) e Ricardo Noblat (A arte de fazer um jornal diário, 2010 ), coloca em risco toda a cadeia produtiva da notícia.
Enquanto de outro, registra-se a dificuldade de se produzir semestralmente jornais-laboratórios em cursos de Jornalismo em áreas semi-rurais do Brasil, onde a estrutura laboratorial é deficitária, senão aquém do mínimo sugerido para a aprendizagem teórico-prática da profissão, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais do MEC (http://portal.mec.gov.br), quando se exige laboratórios técnicos especializados em permanente atualização.
Sob este dilema cada vez mais enfático ante o apogeu da informação digital, o jornal mural, modelo antes restrito aos ambientes da Comunicação Organizacional, evidencia como uma via útil para um novo saber-fazer no jornalismo impresso, ao se considerar suas condições de produção, edição e impressão e compará-las aos dos tradicionais jornais tabloides e standards, dos quais demandam um volume de trabalho maior. Mas, acima de tudo, porque de todos os impressos citados o jornal mural mais se aproxime do leitor da internet, habituado a leituras rápidas, efêmeras.
A constatação se dá a partir da experiência e uso do jornal mural enquanto ferramenta de integração social e de conhecimento no curso de Jornalismo do campus universitário de Alto Araguaia, cidade de 15 mil habitantes e de vocação ecoturística.
Bem como tem por referência e faz contraponto à história recente do mercado editorial da região, quando publicações locais como o Folha do Araguaia, O Popular e o Comtexto – todos conduzidos na época por egressos em Jornalismo– não tiveram o devido êxito, sendo que a maioria ficou inativa já nos primeiros meses de existência. E outras, mais tradicionais, como o jornal A Tribuna de Rondonópolis (cidade com mais de 180 mil habitantes), e as revistas RDM e Óptima (ambas da capital, Cuiabá), sobrevivem devido aos generosos patrocínios de empresários e empresas ligadas em boa parte ao setor do agronegócio.
Os primeiros jornais murais
Desde a criação do curso de Jornalismo na Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat, em 2005, surgiram pelo menos dez publicações marcantes. Dessas, deve-se destacar os jornais murais O Paredão, O Curioso, O Jornaia e, mais recentemente, Ainda sem nome.
Os jornais murais iniciais eram impressos numa impressora comum e em papel offset, com uma tiragem de 10 a 30 exemplares. Possuíam o tamanho próximo do A4 (21 x29,7cm), salvo exceção do primeiro deles, que era impresso em tamanho A3 (29,7 x 42 cm). A quantidade de páginas variava entre duas a quatro, dependendo da disposição das dobras e principalmente dos textos.
O Paredão, o mais antigo deles, desenvolvia reportagens densas e de viés literário, tal qual crônicas rebuscadas e artigos críticos, logo se diferenciando dos clássicos house organs das assessorias de imprensa e dos departamentos de MKT, dos quais privilegiavam em suas linhas editoriais matérias curtas e de cunho mais (auto)promocional do que realmente de interesse público (ou de públicos).
Pode-se dizer que havia uma disputa por pautas de abrangência muito mais da comunidade externa, do que do pequeno campus universitário, onde antes funcionava um colégio salesiano de padre, o Padre Carletti.
Mas foi o jornal O Curioso, nascido do engajamento de alunos do primeiro semestre do curso, que fez a produção laboratorial-acadêmica e local adquirir o status de independente e divergente à desconfiança e resistência de quem, influenciados (as) pela visão cosmopolita da profissão, sempre historicamente atrelou o exercício do jornalismo impresso aos grandes centros.
Da prática laboratorial ao protagonismo local
O jornal mural O Curioso abordava em suas páginas temas de interesse da região, sendo pioneira na adoção da Opinião Ilustrada enquanto seção fixa, a partir da publicação de charges bem-humoradas, contundentes e de bom apelo social perante a comunidade.
Em se tratando da linha editorial, as suas notícias contrariavam ao agendamento midiático local (uma retransmissora da Rede Record, a TV Integração, e uma rádio, a Aurora FM), caracterizado por uma cobertura tendenciosa e voltada a atender os interesses de sua classe dirigente, composta em grande maioria por empresários rurais.
O projeto gráfico de O Curioso sofreria mudanças significativas ao longo dos seus 14 meses de existência, com destaque à tipografia – de letras serifadas para não-serifadas – e o seu formato, que, à princípio, assemelhava-se aos informativos e tabloides, e depois assumiria uma estética idêntica ao folder. Do qual a disposição horizontal dos textos transmitia a mesma experiência de leitura do que nas páginas na web.
O jornal mural Ainda sem nome
Com um título provisório e uma filosofia de trabalho semelhante aos primeiros fanzines da década de 60 e 70 no Brasil, o jornal Ainda sem nome tem uma tiragem de 100 a 120 exemplares por edição, sendo pautado por assuntos de interesse acadêmico, mas de interesse público do município.
O grande diferencial da publicação é o rodizio de alunos-repórteres, do qual prioriza não somente as disciplinas teóricas-práticas, e também as humanas.
O contato com a rua, imperativo necessário a todo bom repórter, pelo menos segundo jornalistas como Audálio Dantas e Kotscho, é talvez uma das marcas máximas do tipo de cobertura feito pelo Ainda sem nome.
Da escolha da fotografia ao olho da reportagem da página 03, a identificação com as fontes não-oficiais propicia aos alunos de Jornalismo a experiência e possibilidade de refletir sobre a retórica da oficialidade, tão exaustivamente explorada pelas redações dos grandes jornais, vide Folha de S.Paulo e A Gazeta, em Cuiabá, capital de Mato Grosso.
Tal como, promove entre os acadêmicos de jornalismo um senso de protagonismo que vai além dos determinismos tecnológicos e instrumentais das escolas americanas de jornalismo, ao conjugar virtudes como o proativismo, a cooperação, o empreenderismo e uma visão mais humanizada de profissional, que tenha como engajamento a mudança social e a superação de impasses culturais históricos (estigmas, preconceitos).
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Lawrenberg Advíncula da Silva é professor de Jornalismo