Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A perda do quarto poder

Algum presidente norte-americano (não sei ao certo qual, talvez Abraham Lincoln) disse: ‘Um país só é livre se sua imprensa também o for.’ A afirmação nos faz pensar no que diz respeito ao material produzido pela mídia. Enfrentamos por muito tempo a censura, seja régia (do rei), seja prévia, ou até a auto-censura nas redações. Sabemos que sem censura a imprensa se torna muito forte, assegurando assim o poder. Sendo, por muito tempo o alicerce do cidadão, os meios de comunicação desenvolviam um trabalho voltado para denúncia e a fiscalização dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

A partir do momento em que os jornalistas vão contra os políticos, fazendo com que a população enxergue a realidade, dando subsídios para a formação da opinião, independentemente do foco, a mídia efetiva o quarto poder. Talvez não necessariamente para, como diz Nelson Traquina, ‘guardar os cidadãos dos eventuais abusos de poder dos governantes’. Talvez para defender seus interesses. Em outras épocas, acredito, o trabalho de guardar a sociedade, informar a verdade, pode realmente ter existido. No século 19, 20, vimos a imprensa denunciar os abusos dos políticos, levando muitas vezes à renúncia dos mesmos (Richard Nixon nos Estados Unidos e Fernando Collor no Brasil).

Liberdades negativa e positiva

Hoje, a frase de Traquina ‘os meios noticiosos foram e são definidos como quarto poder (…)’ não cabe mais. A nossa realidade mostra que a mídia foi, um dia, definida como quarto poder. Mas creio que essa nomenclatura não nos pertence mais. A falta de ideologia dos novos jornalistas e a ditadura econômica dos meios de comunicação fizeram com que os profissionais de jornalismo deixassem de ser o que foram no século passado. Isso se dá, também, pelo fato do Ministério Público receber mais denúncias que muitos meios. E, mais importante, o fato do MP tentar resolvê-las, e não guardá-las na gaveta, como muitos meios.

Segundo o autor, existem dois tipos de liberdade, as negativas e as positivas. Creio que a principal diferença entre as liberdades negativa e positiva resida no momento em que há um comodismo por parte dos meios. Por exemplo, no livro O estudo do jornalismo no século XX Nelson Traquina, cita uma linha da primeira Emenda norte-americana que diz: ‘O congresso não aprovará nenhuma lei’, fato esse, que deixa jornalistas, de certo modo, relaxados para muitos fatos que serão transmitidos ao público. Se seguirmos o restante da frase da 1ª Emenda, ela diz: ‘restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa’. Podemos constatar que, assegurado pela Constituição, nenhum fato será censurado, mesmo o mais sensacionalista. Creio que o perigo da liberdade negativa, esteja aí. No conforto que a lei permite ao jornalista que não tem compromisso com a sociedade e que usa a lei para cometer ‘crimes’ em determinados fatos.

A liberdade positiva, pegando o mesmo trecho da Constituição norte-americana é que os meios não sofrerão qualquer tipo de censura, podendo transmitir as notícias tal qual elas aconteceram. Dando subsídios suficientes para o cidadão formar sua opinião, ou seja, informando de forma ‘justa e significativa’ (TRAQUINA). O autor cita em um dos capítulos do livro (Quem vigia o Quarto Poder) uma frase do juiz da Suprema Corte norte-americana, Evan Hughes: ‘O fato da liberdade de imprensa poder ser abusada por perversos fornecedores de escândalos não torna menos necessária a imunidade da imprensa […].’ Creio que essa frase define bem as liberdades negativa e positiva.

Notícias são vendáveis

Segundo Ricardo Noblat, são os jornalistas que definem, de certa maneira, o conteúdo que vai para o jornal. Muitas vezes esses assuntos não são de interesse público, e quando são, nada acrescentam à vida do cidadão. Nós, jornalistas, trabalhamos com critérios de noticiabilidade, ou seja, critérios que são avaliados de acordo com o valor notícia, aquela que vende mais, que faz todos prestarem atenção, mesmo que nada se entenda. Superficiais, sempre.

Notícias que vendem e que não rendem. Mortes, assassinatos. A cobertura da TV é a maior responsável por esse fast-food do noticiário. O sensacionalismo, a busca de audiência transformou as notícias simples e fracas em conteúdo. Info-tainment, nesse caso, significa vender e explorar coisas reais de forma simples e pífia. Sensacionalista e leviana.

A meta da notícia, segundo Traquina, é vender. A história é antiga e ninguém sabe onde ou quando começou. O que acontece é que todos precisamos de notícias. Não podemos apenas culpar os jornalistas; eles publicam, até certo ponto, o que o público deseja. O estranho, o cômico; assassinatos em forma de minissérie. Catástrofes e tudo que estamos acostumados a ver pelo Brasil a fora.

O jornalismo voltou ao século 18, quando na Inglaterra se publicavam ‘assuntos carnais e pecados secretos’. Com a dificuldade financeira e a falta de ideologia, é muito difícil não encarar o público como cliente. A notícia virou mercadoria, como diria Cremilda Medina. Meta-história da notícia seria o pão e circo da Roma antiga. O público é responsável, pois muitas pessoas exigem notícias de escândalos. O sucesso de programas como Ratinho e Domingo Legal não isenta o cidadão nem os meios. ‘O lado do serviço público do jornalismo tem sido diminuído, substituído por objetivos comerciais, e o público é visto como consumidor de produtos de lazer’ (Traquina). Ou seja, as notícias são vendáveis e, enquanto o cidadão comprar, os jornalistas não vão parar de produzi-las e vendê-las.

Ideologia e ambição

Traquina diz que deve haver maior liberdade positiva dos meios, pois assim aumentaria a responsabilidade da mídia, assim como dos jornalistas e seus proprietários. Dando voz ao público, abrindo espaço para que o leitor, ouvinte, telespectador possa estar presente nas redações, formando conselhos para ouvir outros membros da sociedade.

Especializar os jornalistas, apoiando financeiramente (isso, por parte dos proprietários) a especialização, assim como a reciclagem dos meios. Assim, o jornalismo ficará de melhor qualidade. O jornalista deve está preparado para o avanço tecnológico, bem como para os assuntos que surgem dia-a-dia. Não exigir apenas a formação acadêmica, mas sim, investir em uma formação qualificada e completa. Deixando de ser especialistas em generalidades.

O jornalista deve avaliar suas práticas, rotinas. Precisa estar nas ruas, ouvir o público, conhecê-lo. Publicar o que interessa à opinião pública, e não a uma minoria privilegiada. O jornalista deve conhecer os assuntos para não cometer erros dolosos.

Por fim, devemos voltar nosso trabalho para o cidadão, despertando o seu poder crítico e sua capacidade de entendimento. Pois os jornalistas não devem criar notícias para formar opiniões, e sim, dar subsídios reais para que o leitor crie sua consciência crítica.

Muitos profissionais acham que a imprensa foi ou é o quarto poder porque é temida por diversos segmentos da sociedade. Engana-se muito quem crê nisso. O quarto poder da imprensa mora no despertar de consciências e na vigilância dos três poderes do país. Não podemos, jornalistas, utilizar nossas influências para ameaçar alguém; temos, sim, o compromisso com o cidadão.

Devido à submissão dos meios de comunicação é que perdemos o posto de quarto poder. Um posto simbólico, mas muito valioso para a credibilidade da profissão. Que é encarada como uma profissão, hoje em dia, de submissos e profissionais que sonham em ser famosos e ganhar dinheiro, e não mais como profissionais que querem mudar o mundo; muitos ainda encaram como maior sonho da vida apresentar o Jornal Nacional.

Por fim, deixo claro que não há mal algum em querer apresentar o programa carro-chefe da Globo, mas creio, acima de tudo, que o jornalismo é muito mais que isso, assim como para o jornalista o dinheiro deve estar em segundo, quem sabe terceiro, plano. Afirmo que falta ideologia aos novos jornalistas, assim como ambição para mudar a realidade, como disse Gabriel García Márquez, da ‘melhor profissão do mundo’.

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Estudante de Jornalismo