‘Políticas de cotas’; intertítulo da redação do OI
Há uma discussão, de salões e corredores de palácios, sobre o que é e o que não é política neoliberal.
O escalão superior dos participantes desse debate, no momento, se divide entre os que dizem que as chamadas políticas universalistas são políticas neoliberais e os que afirmam que as chamadas políticas focadas é que são neoliberais.
O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, é fruto de uma política universalista, a sua concepção foi motivada por uma política de corte neoliberal, sim ou não? As apostas estão abertas.
Sinceramente, depois do governo Lula, posicionar-se é difícil. Afinal, a política do governo Lula, como um todo, é neoliberal ou não? Ou não seria o caso de se redefinir o que é uma política neoliberal? Na falta de ação, discussão.
Houve um tempo em que se dizia que justiça social fazia-se com distribuição de renda ou crescimento econômico ou ambos. Duas coisas difíceis.
Distribuir renda encontra a resistência de quem tem renda, e quanto mais renda, maior a resistência. Crescimento econômico esbarra na política fiscal rigorosa defendida pelo FMI, que, dessa forma, garante o pagamento, rigoroso, da dívida externa. Qual a saída? Discutir a herança maldita, políticas universalistas ou focadas.
Mas a criatividade humana, de fato, não tem limite. Na falta de verba, pratica-se a demagogia. E criaram-se as políticas de cotas. Que tipo de inclusão social pode fazer um país que empobrece? Um país que empobrece inclui alguém em que lugar? Para cada incluído, quantos são excluídos, em um país que empobrece? Perguntas desagradáveis.
Melhor praticar as políticas de cotas. Por onde começar? Pelas Universidades. Garantem-se vagas para um porcentual x de negros, índios, deficientes e estudantes de escolas públicas.
É fácil, não se gasta um centavo, nem dos ricos e nem do que vai para o FMI. Basta um gesto, uma lei, uma consciência de que o medo venceu. Negros, índios e seus partidários dizem que isso é racismo afirmativo!?
Não sei o que pensam deficientes e estudantes de escolas públicas sobre esse assunto. Imagino que a justificativa para os de escola pública é que são pobres. Mas, então, e se um negro rico estudar em escola particular? E se um branco rico estudar em escola pública?
Mundo do trabalho
E se um branco pobre estudar em escola particular? E se o meu irmão for pardo e eu branco? E se eu for branco e autodeclarar que sou negro? E quem vai olhar por esses futuros novos incluídos quando eles estiverem na Universidade pública, quem vai garantir alimentação, transporte, moradia, material escolar e tempo para estudar, o governo?
Se eles receberam uma ajuda embaraçosa para ingressar, receberão uma ajuda digna para permanecer? E a defasagem de conhecimentos, como vão superar? Dentro da Universidade?
E por que não a superaram antes e obtiveram uma vaga por mérito, de igual para igual? A Universidade pública vai ter de organizar uma política de avaliação diferenciada, baseada em cotas?
Cota de aprovação, cota de diplomados? E o emprego depois de formados?
Vão competir por uma vaga no escasso mercado de trabalho por meio de cotas? E esta política é universalista ou focada? E se no Brasil, de fato, houve uma miscigenação racial? E se os dados estatísticos que falam da dívida histórica para com negros e índios falarem também da dívida histórica para com os pobres em geral?
Por que os movimentos sociais organizados têm força para impor as cotas nas Universidades públicas e não conseguem forçar os governos a melhorar as escolas públicas de primeiro e segundo graus?
E por que os governos se dobram às reivindicações de cotas nas Universidades públicas e não investem para melhorar as escolas públicas de primeiro e segundo graus?
E por que não estender já as políticas de cotas para outros setores das atividades humanas além das Universidades? Cotas para os correios e telégrafos, para os hospitais privados e os públicos, para os bancos e entre os banqueiros, para os jornais e entre os donos de jornais, para as telenovelas e entre os autores de novelas, para os palácios, ministérios, secretarias e órgãos, para os parlamentos e o magistério?
Reza a cartilha, a crítica tem de vir acompanhada de proposta construtiva:
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distribuir renda e crescimento econômico;**
reforçar a formação qualitativa de professores por meio de incentivo salarial, estabelecendo uma carreira docente tendo o mérito como parâmetro;**
aumentar o número de vagas nas Universidades públicas;**
acompanhar e incentivar, por meio de bolsa de estudo, desde a escola primária, o aluno carente de escola pública que cumprir com suas obrigações de estudante;**
reformar os prédios das escolas públicas, criar/aumentar os acervos das bibliotecas, reaparelhá-las com laboratórios e material pedagógico;**
proporcionar intercâmbios e trocas de experiências para os alunos de escolas públicas;**
estabelecer uma política séria de ensino profissionalizante;**
restabelecer a disciplina e a hierarquia nas escolas públicas.Certo é que nesta lista existirão lacunas. Onde? Perguntar-me-ão no que consistem as obrigações de um estudante, respondo: primeiro, estudar, depois desenvolver atividades esportivas e culturais. E ainda, segundo a faixa etária, realizar experiências no mundo do trabalho. Ser bom filho, bom namorado e cidadão honesto e responsável? São as prováveis conseqüências.
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Professor e diretor da Faculdade de Letras da UFG