Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Ana Paula Sousa

‘Quis o destino que, no fim da tarde da terça-feira 29, quando CartaCapital foi recebida pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, andasse por ali também Evandro Guimarães, homem forte da Rede Globo para assuntos políticos e institucionais. Guimarães começou a visita pela sala de Yaskara Laudares, assessora do ministro. Mas não poderia deixar de dar uma passadinha pelo gabinete de Costa, cuja fisionomia tornou-se nacionalmente conhecida graças às aparições na tela da Globo, como jornalista, ao longo de 18 anos. A conversa entre os dois foi breve e, assim que Guimarães partiu, teve início a entrevista que se estendeu por pouco mais de uma hora e que tem alguns trechos abaixo reproduzidos.

A voz bem-posta do ministro emoldura uma fala de longos parênteses e recorrentes evasivas. Se a pergunta é a seu ver inoportuna, começa a respondê-la com uma risada – seca e curta. Para além da TV digital, assunto central da conversa, Costa falou sobre a qualidade da tevê, sobre a rádio que possui e sobre a ‘birra’ da imprensa com os deputados que são também radiodifusores. E explicou, a seu modo, a visita de Guimarães.

CC: Por que o senhor se alinha aos radiodifusores na defesa da TV digital de alta definição (que, ao contrário da definição standard, impedirá a entrada de novos programadores)?

HC: A única preocupação que eu tenho é que o Brasil, ao contrário de todos os outros países do continente, exceto os Estados Unidos, e da maioria dos países europeus, é um exportador de conteúdo.

CC: Mas, praticamente, só a Globo exporta, não?

HC: (risada) A Globo, não senhora. Todo mundo está exportando hoje. Diga-se de passagem, eu tive o desprazer de ver na África o Cidade Aberta.

CC: Alerta…

HC: Cidade Alerta. É um absurdo você mostrar os crimes brasileiros para toda a população de Angola. Quer dizer, essas coisas são assim. O Brasil exporta conteúdo de televisão. Todos exportam. Uns um pouco menos, a Globo muito, mas todos exportam.

CC: Algumas pessoas vêem este momento, com a TV digital e a possível entrada das teles no jogo, como uma oportunidade histórica de se mudar a estrutura concentrada da mídia no Brasil. Ilusão?

HC: (risada) Midnight Summer Dream, para fazer a coisa mais bonita. Sonho de uma noite de verão. Isso está longe.

CC: Como também a Lei Geral de Comunicações?

HC: Quanto à lei, só espero que nós não cometamos os mesmos erros que no ano passado, ao tentar mandar uma minuta de Lei Geral para o Congresso e causar as dificuldades que foram causadas, com a cobrança de 4% sobre o faturamento bruto das empresas de telecomunicações. Sabendo que algumas empresas têm lucro de 6%, se pagar mais 4%, elas fecham! Prefiro que a gente trabalhe com bases bem objetivas, sem entrar em polêmicas. Se tiver de polemizar, deixe que o Congresso crie as propostas polêmicas. Cabe ao governo orientar, mas não entrar no detalhe, como ele entrou da última vez. O que atrasou a Lei Geral? Foi a imposição da transformação da Ancine em Ancinav. Isso aí foi um petardo.

CC: Mas não é exatamente a ligação dos congressistas com a radiodifusão que impede a discussão da Lei?

HC: Olha, nos últimos cálculos que eu fiz, teríamos de 20 a 25 deputados cotistas de emissoras de rádio e televisão. Oitenta por cento disso são atividades pequenas no interior, não são redes de televisão. As redes mais poderosas não têm ninguém no Congresso. Você tem, como eu disse, congressistas com pequenas emissoras.

CC: Que retransmitem a programação das grandes redes.

HC: Não necessariamente, viu? É que todos eles ganharam essas concessões, não disputaram em licitação. Essa é a principal dificuldade que a própria imprensa tem com os deputados e senadores. Como eles são antigos no processo e essas emissoras que eles têm foram ganhas, existe essa birra da imprensa com os deputados.

CC: O senhor também possui uma concessão?

HC: Eu tenho uma rádio FM em Barbacena, Minas Gerais. É uma rádio numa cidade de 100 mil habitantes. Eu disputei essa concessão em 1984, quando ainda não era deputado, mas jornalista. Na verdade, atendi a um abaixo-assinado da cidade, dizendo que eu era a única pessoa capaz de fazer uma rádio que não seria política. Então ganhei a concessão e montei uma rádio-modelo. Fiz a primeira rádio lazer do Brasil. Aí, passei as minhas cotas, não participo da direção.

CC: O senhor não enxerga aí nenhum problema ético?

HC: Estou neste momento no procedimento de passar as minhas cotas, até para atender a essa questão ética. Só não fiz isso ainda porque tenho dois sócios e, para fazer qualquer procedimento, tinha de consultá-los oficialmente para saber se eles têm interesse em comprar as minhas cotas.

CC: O senhor é freqüentemente apontado como defensor dos radiodifusores e, particularmente, da Rede Globo. Isso o incomoda?

HC: É uma afirmação no mínimo injusta. Prova a ignorância das pessoas que falam isso. Quando o Adib Jatene foi ministro, ele era homenageado pelos médicos. Pense no Roberto Rodrigues, que é um homem do agronegócio, e olha com que emoção eles o tratam. Já o pobre coitado do ministro das Comunicações… Eu tenho uma radiozinha desse tamanhinho. Mas isso acontece porque tenho uma carreira, modéstia à parte, muito bem desenvolvida no setor de rádio e televisão e fui empregado da Rede Globo, e muito bem tratado, diga-se. Tratado com o maior respeito, a maior atenção. Eu criei uma estrutura da Rede Globo no exterior que é modelo. Quando criamos a Globo nos Estados Unidos, foi a primeira emissora estrangeira nos Estados Unidos. Agora, veja você, o que eu posso fazer pela Globo? Eu não posso fazer nada. Ela está estruturada, absolutamente composta. Agora, ninguém vai me tirar o orgulho de ser um jornalista de televisão e de rádio. Só fui chamado para vir para cá porque sou do ramo, conheço as comunicações. Uma coisa posso te garantir é que, desde o dia em que assumi este Ministério (em julho deste ano), ninguém mais enrola o ministro. Ninguém.

CC: Várias pessoas se queixam do esvaziamento do comitê consultivo da TV digital e dizem que o senhor ouve apenas as emissoras. Por coincidência, o Evandro Guimarães acaba de sair da sua sala…

HC: Eu conversei com todas as emissoras porque virá delas o principal. O Evandro está aqui, na realidade, porque eu pedi a ele para passar aqui, pois fizemos uma reunião na sexta-feira em Belo Horizonte, onde fui homenageado na véspera, pela Abert (ligada à Globo) e pela Associação Mineira de Rádio e Televisão. No dia seguinte, fizemos uma reunião com os representantes de radiodifusão. Ele, como é um dos secretários, ficou encarregado de trazer o resultado final da reunião que eles fizeram depois que eu saí.

CC: O senhor considera boa a televisão brasileira?

HC: Excelente. O nível profissional e técnico da televisão brasileira é excelente.

CC: Não há problemas de qualidade da programação? A Rede TV foi até tirada do ar na semana passada.

HC: Em todo lugar você vai encontrar programas ruins e programas bons.

CC: Caberia ao governo criar regras mais rígidas de vigilância?

HC: O que existe, nos outros países, é um código de ética. Isso poderia ser feito aqui. Mas a única maneira de censurar a televisão é você, em casa, com o controle remoto. Você não precisa da lei, precisa do bom senso. Dou um exemplo recente. Na Rede Globo, começou-se a discutir o beijo gay na novela. Na última hora, dizem que a direção da empresa cortou o beijo gay. Veja só, tenho certeza de que o beijo gay provocaria milhares de reclamações. O que o governo poderia ter feito? Proibir? O governo não tem sequer instrumentos para isso. Mas o bom senso levou a emissora a cancelar o beijo.’



SIGILO DA FONTE
Rodrigo César Rebello Pinho

‘O respeito ao sigilo da fonte jornalística’, copyright Folha de S. Paulo, 3/12/05

‘‘É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’, dispõe o art. 5º, inciso 16, da Constituição da República. Este é um dos mais importantes direitos de uma sociedade democrática: o direito à informação. Visando a garantir o interesse público e o direito de o cidadão ser devidamente informado, a Constituição resguarda a liberdade de informação jornalística (art. 220, parágrafo primeiro, CF).

O direito à informação é uma garantia da própria sociedade e tem conseqüências importantíssimas tanto em relação aos proprietários dos meios de comunicação como aos profissionais que neles trabalham, os jornalistas.

Ressaltam-se a exigência de pluralismo e de diversidade na veiculação da informação, o que se garante com a vedação a qualquer tipo de monopólio nos meios de comunicação, e a garantia aos jornalistas do sigilo da fonte da informação, quando necessário ao exercício profissional.

Tornar relativa a proteção ao resguardo da fonte da informação jornalística, vale dizer, possibilitar a violação casuística de uma cláusula instrumental, constitui uma ameaça à própria democracia. Não por acaso, Robert Dahl faz indagações que são verdadeiras respostas: ‘Por que a democracia exige a livre expressão?’ e ‘Por que a democracia exige a existência de fontes alternativas e independentes de informação?’.

A Corte dos Direitos do Homem de Estrasburgo estabeleceu, no julgamento ‘Goodwin versus United Kingdom’, em 1996, aplicando a Convenção Européia de Direitos Humanos, que ‘a proteção aos direitos da fonte é um dos pilares da liberdade de imprensa, e sua ausência poderia dissuadir as fontes jornalísticas de auxiliar a imprensa a informar o público sobre questões de interesse geral. Em conseqüência, a imprensa poderia estar menos disposta a desenvolver seu indispensável papel de ‘cão de guarda’.

Os países democráticos garantem normativamente o assim chamado ‘privilégio jornalístico’. Alguns, constitucionalmente, como Portugal e Espanha; outros, garantindo legalmente a fonte jornalística, como Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Áustria, França, Itália, Reino Unido, Lituânia, Polônia.

Como disse Ernst Wolfgang Böckenförde, ‘com uma informação bloqueada ou sem uma opinião pública, não pode existir democracia; o que poderá haver, quando muito, será uma fachada que oculta outros conteúdos políticos’.

É certo que o sigilo de fonte não deve ser utilizado para proteção de crimes ou de criminosos. Em circunstâncias especiais, a divulgação ou não da fonte caberá ao próprio profissional, para preservar interesses maiores da sociedade.

No caso ‘Marka FonteCindam’, o Ministério Público Federal investiga a ocorrência de crimes contra a administração pública e pretendeu autorização judicial ao levantamento do sigilo telefônico de quatro jornalistas que cobriram o fato.

Com a devida vênia, observo que os profissionais da imprensa têm o direito constitucional do sigilo da fonte plenamente assegurado.

Ao que se sabe, jornalistas de vários órgãos de informação tiveram conhecimento, por fontes não reveladas, da prática de crimes por servidores do Banco Central e de dirigentes de bancos privados. Os informantes, sabe-se lá com que intenções, jamais teriam divulgado o fato aos jornalistas se imaginassem que poderiam ter suas identidades reveladas. A informação não teria vindo a público e, eventualmente, alguns crimes não teriam sido conhecidos, ao menos da forma como o foram.

Em uma ordem democrática, a função persecutória e punitiva é do Estado, concretizando os valores da segurança, paz social e consecução da justiça, sem que seus órgãos tenham, entretanto, poderes para violar o sigilo das fontes jornalísticas, pelo valor constitucional do direito da sociedade à informação.

A sociedade brasileira pretendeu, ao instituir o sigilo de fonte na Constituição de 1988, não ser privada de informações, especialmente as que digam respeito à corrupção em órgãos estatais. Ao contrário, assegurou a plena liberdade de informação jornalística e investiu o Ministério Público de poderes e meios investigatórios para combater e punir atos criminosos e de improbidade administrativa como nunca antes nenhuma outra houvera feito.

Esses direitos, evidentemente, devem ser utilizados no contexto do Estado democrático de Direito.

Nas sociedades democráticas, em razão da importância do direito à informação, o sigilo da fonte jornalística, como um instrumento essencial à defesa dos direitos da cidadania, deve ser plenamente preservado, sendo temerário que reflexões sobre uma possível ‘relativização’ de direitos fundamentais sejam feitas sem a participação ampla da sociedade. Rodrigo César Rebello Pinho, 49, é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo.’



Bruno Caiado de Acioli

‘Os limites do segredo’, copyright Folha de S. Paulo, 3/12/05

‘Sim. Contudo, não se pode discorrer minimamente acerca de tal relativização sem antes tecer breve consideração sobre a liberdade de imprensa.

Alexis de Tocqueville escreveu, em ‘A Democracia na América’, que a liberdade de imprensa constitui, em muitos lugares, ‘a única garantia que resta da liberdade e da segurança dos cidadãos’. Com efeito, não fosse a ‘mídia cidadã’, roubalheiras não viriam à tona, vidas não teriam sido salvas.

Apesar dos benefícios que proporciona à coletividade, penso que razão assista ao sobredito mestre francês, ao pontuar: ‘Amo-a [a liberdade da imprensa] pela consideração dos males que impede mais ainda do que pelos bens que produz’.

Essa sutil ambivalência não passou despercebida pelo Constituinte de 1987 que, ao consagrar a liberdade de imprensa, tratou de fixar-lhe limites no próprio texto constitucional.

Nesse sentido, o artigo 220 da ‘Constituição Cidadã’, que trata da comunicação social, na qual se insere a atividade jornalística, estatui que ‘A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’. Paralelamente, em seu artigo 5º, a Lei Maior assegura a todos o direito de acesso a informação, ‘resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’.

Como se vê, a liberdade de manifestação de pensamento, o direito à informação e o sigilo de fonte estão intimamente ligados. Conseqüência disso é que não haverá que se falar em manutenção do sigilo de fonte todas as vezes em que esse for prescindível ao exercício profissional ou sempre que o indigitado sigilo deixar de atender a sua função social, a saber: garantir o acesso de todos à informação e à liberdade de manifestação de pensamento.

Aí está, pois, a primeira limitação constitucional ao sigilo de fonte, o qual não pode ser concebido como manto acobertador de atividades criminosas, sob pena de desvirtuamento.

A segunda limitação diz respeito à constatação de que inexistem direito ou garantia absolutos. Nem mesmo o direito à vida é ilimitado, haja vista a possibilidade de aplicação da pena de morte na hipótese de guerra.

É fato que o sigilo de fonte e a liberdade de imprensa coexistem com outras garantias, liberdades e direitos de idêntica estatura, não podendo, por isso mesmo, sobrepujá-los a ponto de os tornar ‘letra morta’. Exemplos de tais normas podem ser localizadas no direito à segurança, na proibição de preconceito racial, na inviolabilidade do direito à vida e à locomoção, do sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas etc.

A atividade jornalística não pode atropelar as demais franquias constitucionais, sob pena de ir de encontro a outros princípios tão fundamentais quanto a liberdade de imprensa. À guisa de ilustração, cite-se a divulgação indevida de ‘grampos telefônicos’, hipótese na qual não poderá ser oposto o sigilo de fonte à autoridade encarregada de investigar o ‘vazamento’.

A terceira limitação concerne à relatividade do sigilo de fonte em caso de Estado de Sítio, quando então se atribui ao presidente da República poderes para restringir a liberdade de imprensa e, conseqüentemente, o sigilo de fonte.

A quarta limitação deriva do fato de que o sigilo de fonte pode ser afastado sempre que houver autorização do próprio informante.

A quinta e última limitação decorre do princípio da proporcionalidade, podendo o sigilo de fonte ser afastado, desde que presente justa causa.

Por essas e outras razões é que o Código Penal não reputa fato criminoso a conduta de alguém revelar segredo obtido em função de profissão, desde que presente justa causa. Há até episódio recente nesse sentido, envolvendo importante revista semanal e um ex-presidente de entidade paraestatal.

Por conseguinte, relatividade do sigilo de fonte haverá sempre que for desnecessário ao exercício da atividade profissional ou desatender a sua função social, na hipótese de decretação de Estado de Sítio, quando malferir princípios constitucionais fundamentais e sensíveis, quando presente justa causa e quando a fonte desonerar o jornalista da obrigação de guardar segredo.

Nessas hipóteses, a autoridade competente poderá, excepcionalmente, sempre de modo fundamentado, se assim reputar necessário, postular ao Poder Judiciário, adotadas as cautelas de praxe, o afastamento do sigilo de fonte, visando à sua identificação. Bruno Caiado de Acioli, 35, é procurador da República no Distrito Federal.’

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‘Sigilo limitado’, copyright O Globo, 5/12/05

‘Escreveu Tocqueville que a liberdade de imprensa constitui, em muitos locais, ‘a única garantia que resta da liberdade e da segurança dos cidadãos’. Ensinou que o amor a ela funda-se na ‘consideração dos males que impede, mais do que pelos bens que produz’.

Essa sutil ambivalência não passou despercebida pela ‘Constituição Cidadã’ que, ao tratar da comunicação social, na qual se insere a atividade jornalística, estatui que ‘a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’. Paralelamente, assegura a todos o direito de acesso à informação, ‘resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’. Como se vê, a liberdade de manifestação de pensamento, o direito à informação e o sigilo de fonte estão intimamente ligados.

A conseqüência é que não haverá que se falar em manutenção do sigilo de fonte sempre que esse for prescindível ao exercício profissional ou deixar de atender à função social. Eis aí a primeira limitação. A segunda é a constatação de que inexistem direitos absolutos. Nem mesmo o direito à vida o é (pena de morte em caso de guerra). O sigilo e a liberdade de imprensa coexistem com outros idênticos, não podendo sobrepujá-los e os tornar letra morta.

Exemplos podem ser localizados no direito à segurança, no direito a não sofrer preconceito racial, etc. A terceira limitação concerne à relatividade do sigilo em caso de estado de sítio, quando se atribui ao presidente da República poderes para restringir a liberdade de imprensa e, conseqüentemente, o sigilo de fonte. A quarta limitação deriva do fato de que o sigilo de fonte pode ser afastado sempre que houver autorização do informante. A quinta e última limitação decorre do princípio da proporcionalidade, podendo o sigilo de fonte ser afastado, sob justa causa. BRUNO ACIOLI é procurador da República.’



O Globo

‘Patrimônio’, Editorial, copyright O Globo, 5/12/05

‘A liberdade de imprensa é vítima preferencial das ditaduras. Mas, também na vigência da democracia, o direito ao acesso à informação por parte da sociedade e as garantias à livre expressão nem sempre estão livres de censura.

O Brasil, pelos períodos de apagão institucional já vividos, tem longo e deplorável currículo de cerceamento à imprensa. Do Estado Novo getulista à ditadura militar, houve de tudo: censura formal, censura dissimulada, pressões econômicas, empastelamento de jornais, atentados a redações, etc.

Nesses 20 anos consecutivos de Estado de direito, um dos mais longos período de normalidade institucional na história republicana brasileira, a liberdade de imprensa tem enfrentado outro tipo de ameaça, inimaginável para quem viveu os rigores do regime militar. Pois, em vez de censores da Polícia Federal ou militares, a ameaça tem partido da Justiça. E agora, do próprio Ministério Público, instituição que, como a Justiça, deveria estar na linha de frente da defesa das garantias constitucionais à liberdade de imprensa.

São inúmeros os casos em que juízes de primeira instância proíbem a publicação de notícias. Na prática, atos de censura prévia. Em voto irretocável, dado em agosto, o ministro Celso de Mello, do Supremo, reafirmou o direito constitucional à liberdade de imprensa. O que não impede a ação deletéria de magistrados pelo país afora.

Agora, o Ministério Público federal tem tentado quebrar o sigilo de fontes de repórteres da revista ‘Veja’ e de ‘O Estado de S. Paulo’, para, alega, desvendar um crime financeiro. A ilegalidade do ato é absoluta, como já provou a Associação Nacional dos Jornais, com apoio de sindicatos dos jornalistas.

O MP demonstra não entender o papel da imprensa. Confunde-o com organismos estatais criados para elucidar crimes e punir culpados. Não somos polícia, nem Justiça. A liberdade de imprensa, em que se inclui a proteção das fontes, não tem dono, tampouco pode ser manipulada. É um patrimônio reconquistado pela sociedade na redemocratização.’



MÍDIA & VIOLÊNCIA
Carlos Alberto Di Franco

‘Juventude espancada’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/12/05

‘O leitor é o melhor termômetro para medir a temperatura do cidadão comum. Tomar o seu pulso equivale a uma pesquisa qualitativa informal. Aos que há anos me honram com sua leitura neste espaço opinativo, transmito uma experiência recorrente: família, ética e valores aumentam o índice de leitura. Dão ibope. Em meu último artigo tratei da crise da família. Recebi 37 e-mails, sem dúvida uma bela amostragem de opinião pública, sobretudo considerando o rico mosaico etário, profissional e social dos remetentes. Neste Brasil sacudido por uma brutal crise ética, alimentada pelo cinismo e pela mentira dos que deveriam dar exemplo de integridade, há, felizmente, uma ampla classe média sintonizada com valores e princípios que podem fazer a diferença. E nós, jornalistas, como me dizia, com razão, Stephen Kanitz, devemos escrever para a classe média. Nela reside o alicerce da estabilidade democrática. Escreva algo, sublinhavam alguns dos e-mails que recebi, a respeito da desorientação da juventude. Meu artigo de hoje, caro leitor, foi pautado por você. Tomarei como gancho um dado objetivo e preocupante.

A gravidez precoce é hoje no Brasil a maior causa da evasão escolar entre garotas de 15 a 17 anos. Dados da Unesco mostram que, das jovens dessa faixa etária que abandonaram os estudos, 25% alegaram a gravidez como motivo. Outro estudo, do Ministério da Saúde, revela que complicações decorrentes da gestação e do parto são a terceira causa de morte entre as adolescentes, atrás apenas de acidentes de trânsito e homicídios. A gravidez precoce afeta até quem mal saiu da infância.

‘A gravidez realmente está se tornando um grande problema na educação’, afirmou Miriam Abramoway, professora da Universidade Católica de Brasília e vice-coordenadora do Observatório Violência nas Escolas-Brasil, em entrevista ao jornal O Globo. ‘Se 25% das meninas de 15 a 17 anos grávidas deixam a escola, isso significa dizer que 254 mil param anualmente de estudar. E 2%, ou seja, outras 20 mil, abandonam os estudos para casar’, concluiu a pesquisadora.

Há seis anos, o prefeito de São Paulo, José Serra, então ministro da Saúde do governo FHC, foi curto e grosso ao analisar as principais causas da gravidez precoce: ‘É um absurdo acreditar que a criança vá ter maturidade para ter um filho com essa idade. Pregar a abstinência sexual de meninas de 11 a 14 anos não significa ser careta, mas responsável.’ O ex-ministro responsabilizou a programação das TVs, considerando absurdas as cenas de sexo. ‘Já morei em dez países e em nenhum deles vi tanta exploração de sexo’, concluiu Serra. A preocupação do então ministro, cuja trajetória pessoal e política não combina com histerias conservadoras, era compreensível e lógica. Apoiava-se, afinal, no bom senso e na força dos fatos. De lá para cá, infelizmente, as coisas não melhoraram.

A culpa, no entanto, não é só da TV, que, freqüentemente, apresenta bons programas. É de todos nós – governantes, formadores de opinião e pais de família -, que, num exercício de anticidadania, aceitamos que o País seja definido mundo afora como o paraíso do sexo fácil, barato, descartável. É triste, para não dizer trágico, ver o Brasil ser citado como um oásis excitante para os turistas que querem satisfazer suas taras e fantasias sexuais com crianças e adolescentes. Reportagens denunciando redes de prostituição infantil, algumas promovidas com o conhecimento ou até mesmo com a participação de autoridades públicas, crescem à sombra da impunidade.

O governo, assustado com o crescimento da gravidez precoce e com o crescente descaso dos usuários da camisinha, pretende investir pesadamente nas campanhas em defesa do preservativo. A estratégia não funciona. Afinal, milhões de reais já foram gastos num inglório combate aos efeitos. A raiz do problema, independentemente da irritação que eu possa despertar em certas falanges politicamente corretas, está na onda de baixaria e vulgaridade que tomou conta do ambiente nacional. Hoje, diariamente, na televisão, nos outdoors, nas mensagens publicitárias, o sexo foi guindado à condição de produto de primeira necessidade.

Atualmente, graças ao impacto da TV, qualquer criança sabe mais sobre sexo, violência e aberrações do que qualquer adulto de um passado não tão remoto. Não é preciso ser psicólogo para que se possam prever as distorções afetivas, psíquicas e emocionais dessa perversa iniciação precoce. Com o apoio das próprias mães, fascinadas com a perspectiva de um bom cachê, inúmeras crianças estão sendo prematuramente condenadas a uma vida ‘adulta’ e sórdida. Promovidas a modelos, e privadas da infância, elas estão se comportando, vestindo, consumindo e falando como adultos. A inocência infantil está sendo impiedosamente banida. Por isso, a multiplicação de descobertas de redes de pedofilia não deve surpreender ninguém. Trata-se, na verdade, das conseqüências criminosas da escalada de erotização infantil promovida por alguns setores do negócio do entretenimento.

As campanhas de prevenção da aids e da gravidez precoce batem de frente com inúmeras novelas e programas de auditório que fazem da exaltação do sexo bizarro uma alavanca de audiência. A iniciação sexual precoce, o abuso sexual e a prostituição infantil são, de fato, o resultado da cultura da promiscuidade que está aí. Sem nenhum moralismo, creio que chegou a hora de dar nome aos bois, de repensar o setor de entretenimento e de investir em programação de qualidade.

O Brasil, não obstante suas dramáticas chagas sociais, é uma nação emergente. É, sem dúvida, bom de samba. Mas é muito mais que o país do gingado e do carnaval.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. E-mail: difranco@ceu.org.br’