Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Anatel não vê problema em monopólio de Murdoch

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), através de seu Conselho Diretor, concedeu em 18/11 aceitação prévia para a transferência do controle da DirecTV para a Sky Brasil, ambos braços de empresas que no exterior já são controladas pelo conglomerado News Corporation, do megaempresário Rupert Murdoch. É o primeiro passo oficial do Estado brasileiro para permitir que a Sky venha a adquirir e controlar as operações da DirecTV, o que configura um monopólio no segmento de DTH constatado como positivo pela própria agência reguladora.

‘Além de implicar a eliminação de um concorrente, resultará, para o Brasil, numa empresa detentora de mais de 97% do Mercado de Provimento de TV por Assinatura na plataforma DTH e de mais de 34% do Mercado de Provimento de TV por Assinatura, contando as três tecnologias’, informou a assessoria de imprensa da Anatel em comunicado oficial divulgado após a decisão.

Tanto Sky quanto DirecTV estão autorizadas a explorar o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura Via Satélite (DTH) em âmbito nacional. A Anatel determinou, ainda, a remessa do ato de concentração ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), recomendando a aprovação da operação com restrições, considerando o impacto da operação no provimento de TV por assinatura – composto pelos serviços de TV a Cabo, MMDS e DTH; a comercialização de canais de programação audiovisual e o licenciamento de tecnologia para acesso e recepção de TV por assinatura.

‘As restrições são bastante cosméticas para um segmento da comunicação eletrônica que tem poder para canibalizar os demais uma vez que está em todo o território nacional e possui recursos praticamente inesgotáveis para novos investimentos e capitalização’, afirma o coordenador-geral do FNDC, Celso Schröder.

Aval antecipado

A análise da Anatel foi iniciada ao final de 2004 quando a proposta de compra da DirecTV se efetivou por parte da Sky Brasil. Mas a entrada definitiva dos interesses do mega-empresário australiano no Brasil foi facilitada por quem já havia dado o primeiro ‘de acordo’ para seu desembarque: as Organizações Globo.

Reestruturando uma dívida bilionária, o grupo da família Marinho aceitou a oferta da News Corp., que assumiu o papel de avalista de US$ 220 milhões das pendências relativas a despesas com serviços de satélite, em troca de 14% de suas ações na Sky Brasil. Com isso, a holding de Murdoch passou a deter 50% do controle da empresa, contra 40% da Globopar e 10% da Liberty Media, e assim levou adiante o processo de fusão com a DirecTV.

‘Com a manobra, a Globopar tirou um fardo de suas costas. E de quebra ganhou uma considerável participação acionária (de 28%) na nova Sky, na qual Murdoch terá 72%’, informou a revista IstoÉ Dinheiro na época do negócio. ‘A Globo pensou apenas nela. O que ela conseguiu da News não pode ser visto como um projeto para o Brasil’, afirmou nesta semana o presidente do grupo Bandeirantes e da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), João Carlos Saad, ao noticiário Tela Viva News.

Mesmo afirmando que manterá operações separadas no Brasil, as empresas de Murdoch tiveram acesso imediato aos lares de 1,2 milhão de brasileiros e cobertura de 100% do território nacional com plataformas que em ambos os casos já se definiram pelo padrão europeu de TV Digital. ‘Acaba de nascer um novo monopólio no Brasil’, afirmou à IstoÉ Dinheiro no ano passado o presidente da Rede Record, Denis Munhoz. Meses antes do aceite da Anatel do último dia 18/11, na prática as empresas já compartilhavam o conteúdo de seus canais exclusivos sem esperar pela decisão dos órgãos competentes.

Conseqüências nefastas

Para o Brasil, as perdas com a formação de um novo monopólio não ficarão concentradas no estagnado mercado de TV por assinatura. Agressivo em suas estratégias comerciais, conservador e sensacionalista na linha editorial que impõe a seus veículos de comunicação, a presença dominante de Murdoch no Brasil terá implicações ainda mais nefastas para a cultura e a soberania nacional, tanto no campo da produção de conteúdo quanto no processo da digitalização das comunicações.

O conglomerado de Murdoch fatura US$ 21 bilhões anuais controlando jornais, revistas, TVs abertas e por assinatura, estúdios de cinema, editoras de livros e revistas e outras empresas em regiões tão distintas quanto a Oceania e a América Latina, a Europa e a Ásia, além dos Estados Unidos e Canadá. Em outubro de 2003, Murdoch já havia adquirido da General Motors as operações da DirecTV nos Estados Unidos por US$ 6,6 bilhões. ‘É fundamental que a sociedade pressione agora o Cade para barrar este gigante nascido dentro de uma anomalia legal’, analisa Schröder.

Histórico de irregularidades

A ameaça concreta já era temida por parte da sociedade. Em 1996, o FNDC e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) moveram uma ação popular com pedido de liminar na Justiça federal contra o ex-ministro Sérgio Motta, apresentaram minutas de projetos de lei e de decreto legislativo para regulamentar o serviço DTH e cassar as permissões concedidas irregularmente e encaminharam denúncias ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público Federal sobre a ilegalidade cometida pelo governo da época. Nos processos, as entidades questionavam uma série de irregularidades do Ministério das Comunicações ao permitir que dois grupos passassem a explorar um serviço de caráter estratégico que sequer possuía base legal para existir.

Julgado improcedente pela 3ª Vara Federal de Brasília, em novembro do ano passado o procurador Gustavo Pessanha Velloso interpôs uma apelação cível e o processo seguiu para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. De acordo com o site da Seção Judiciária do Distrito Federal, a ação segue em compasso de espera desde março deste ano. Por iniciativa do FNDC, o projeto de lei nº 2202/96 foi apresentado pelo deputado federal Jaques Wagner (PT-BA) contendo uma proposta de legislação para o DTH. ‘No fundo, queríamos evitar conseqüências como as que estão colocadas diante da realidade que encontramos hoje’, afirma o coordenador-geral do FNDC, Celso Schröder. A proposição foi arquivada somente em fevereiro deste ano.

O serviço de TV paga por satélite surgiu no Brasil por uma situação de fato e se mantém cercado de irregularidades até hoje. A principal delas é que o DTH foi indevidamente criado através das Portarias nº 87 e nº 88, de 23 de abril de 1996, do Ministério das Comunicações, com a distribuição de autorizações para os grupos Globo e Abril, antes mesmo da sua regulamentação. Isso só veio a ocorrer, de forma precária, através da Norma nº 008/97, baixada pela Portaria nº 321, de 25 de maio de 1997, na qual o nome do serviço foi alterado para ‘Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Satélite (DTH)’.

A fundamentação do serviço também é atribuída ao Decreto 2.195, de 8 de abril de 1997 que, entretanto, sequer o cita. Objetivamente, só a Portaria nº 321, com a Norma nº 008/97, traz especificações sobre o serviço DTH. Em janeiro de 1997, novamente com apoio do FNDC, o deputado Jaques Wagner apresentava à Câmara o Projeto de Decreto Legislativo nº 375/97, que sustava a eficácia das portarias que geraram o problema. A proposição só foi arquivada em novembro de 2003, depois de percorrer comissões e mais comissões.

Regulamentação precária

Sem passar pelo crivo do Congresso Nacional, o DTH ganhou perfil de serviço de telecomunicações e acabou regulamentado sem observar a maioria dos dispositivos constitucionais que regem a radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e TV aberta), por exemplo. Muito menos foram a então recente lei da TV a Cabo, outro serviço de telecomunicações por assinatura aprovado meses antes, serviu de parâmetro para conter a pressa do ministro. Desta forma, premissas básicas que regulam o cabo no Brasil – uma atribuição social para o serviço, a criação dos canais de acesso gratuito e a limitação de 49% do capital acionário a sócios estrangeiros – foram deixadas de lado.

Sem dar satisfação à sociedade, na prática Motta liberou os dois grupos a sair operando os então desconhecidos serviços Sky e DirecTV. Na época, por trás do primeiro já estavam Murdoch, os Marinho e o grupo britânico Liberty Media. A composição da DirecTV, controlada na região pela Galaxy Latin America, envolvia o grupo Abril, por meio da TVA, a Hughes Eletronics, o grupo venezuelano Cisneros e a mexicana MVS Multivisión.