As discussões jornalísticas costumam ser polêmicas. É difícil saber qual a melhor opção, a conduta correta para cada situação. Mas, apesar de discussões polêmicas, as escolhas não me parecem tão complicadas quanto se deseja que sejam. Existe uma questão capital que deve ser esclarecida para a simplificação da discussão ética no jornalismo.
O jornalismo é uma profissão em que o conflito ético entre trabalho e os valores humanos se faz bem claro. É importante perceber que existe uma ética humana de conduta e uma do jornalista profissional. Numa análise profunda, elas não são tão distantes. O maior anseio jornalístico, a verdade, é uma das maiores virtudes humanas. Neste caso, elas coincidem. Mas, na prática, o jornalismo vai muito além da pura verdade.
O profissional de imprensa é homem e jornalista. Portanto, tem deveres e, pelo menos, dois modelos éticos a serem seguidos. E o maior motivo de discordância em qualquer discussão é a fusão desses dois modelos de conduta. Quando isso ocorre, é impossível chegar a um veredicto absoluto sobre qualquer assunto. Quando se divide o dever humano do dever profissional, pode-se escolher um lado ou outro. E não existem outras opções.
O bem humano, o correto, muitas vezes conflita com o trabalho da imprensa. Fazer mal a quem quer que seja não é correto, ainda mais quando se utiliza a mídia – um espaço público que deveria servir ao bem comum. O que é no mínimo uma covardia. Revelar o nome da fonte anônima pode destruir uma vida. Muitas pessoas podem ser beneficiadas, mas é importante saber se vale a pena. Nessa discussão nem chega a entrar a ética da profissão. Revelar ou não o nome da fonte pode ou não ter implicações jornalísticas. A não ser que a própria não saiba que será revelada, ou não concorde, não há problema em identificá-la. A questão já é outra. Quais serão os ônus para ela? Isso ultrapassa o jornalismo. Se a própria fonte está disposta a aparecer, nem entram em discussão os valores de imprensa. Geralmente, essas questões éticas vão além do jornalismo.
Confusão exemplar
Cabe ao jornalista escolher o seu caminho. Como empregado, ele tem funções a cumprir e regras a respeitar. Um código de ética da própria empresa, baseado ou acompanhado do código da profissão. Mas os valores pessoais, esses baseados na educação familiar, proveniente do meio social, podem e devem influir na conduta dos profissionais.
O jornalismo exerce uma função reguladora, por mais limitada que seja. E pode influir diretamente em questões vitais para o bem-estar social. Denunciar irregularidades e apontar erros do trabalho público é de extrema importância. Se não ajuda a melhorar, pelo menos alerta a população do que e como está sendo feito. É esse o benefício da verdade.
Mas existem casos em que a verdade não interessa à empresa jornalística. E ao esconder o que acontece esse veículo midiático foge do eticamente correto, indo inclusive contra o jornalismo. O jornal deveria ter compromisso com a verdade, e apenas ela. Mas a verdade pode não ser benéfica nem para a empresa, nem para parte da população. A dúvida maior é se vale prejudicar alguém para tentar ajudar outrem. Mas o principal é não confundir os valores jornalísticos com os valores humanos.
Um caso que exemplifica bem essa confusão é o protagonizado pelo repórter Francisco José, da Rede Globo. Durante a cobertura de um assalto a banco, o repórter aceitou virar refém dos bandidos para que uma mulher grávida fosse liberada. Até aí tudo bem. Uma atitude louvável do homem Francisco José, que pôs sua vida em risco para salvar a de uma mulher sem condições de passar por uma situação dessas. O problema é que Francisco José não abdicou do jornalismo. Enquanto era refém, pegou seu microfone e continuou a noticiar o fato.
Divisão clara
Àquela altura, José já era o fato. Dentro do carro, junto com os seqüestradores que reclamavam terem sido perseguidos pela polícia enquanto escapavam do banco, ele era apenas um refém. Não tinha profissão, nem a deveria exercer. Mas pegou o microfone, e, com o logotipo da empresa e sua identificação na tela, narrou o que acontecia e fez suas as exigências dos seqüestradores, num claro descontrole completamente despropositado.
A partir do momento em que aceitou participar do fato, ele não poderia mais ser jornalista. Escolheu a conduta humana, a solidariedade ao próximo, e por isso não poderia continuar a trabalhar. Poderia ser demitido por isso. Caso escolhesse trabalhar, não poderia se envolver, e deveria acompanhar os acontecimentos de longe e relatá-los.
É um breve artigo sobre um assunto que pode ser mais bem discutido. De qualquer maneira, o importante é perceber que grande parte da confusão que existe em qualquer discussão ética no jornalismo pode se extinguir quando se percebe a divisão clara existente entre a ética humana e a ética da notícia. Muitas outros pontos ainda podem embaralhar essa questão, mas reconhecer essas possibilidades é um grande passo.
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Aluno de Telejornalismo da Faculdade de Comunicação da UnB