ELEIÇÕES 2006
Franklin Martins
Anti-racismo eleitoral
“Pretendia escrever a coluna de hoje sobre as discrepâncias entre as mais recentes pesquisas do Ibope e do Datafolha. Mas mudei de idéia ao ler matéria publicada no Estadão desta segunda-feira sob o título ‘Rigor com a corrupção na política varia com região e condição social’ e o subtítulo ‘Eleitor do Nordeste expressa maior tolerância com desvios do que o do Sudeste’. É séria candidata ao primeiro lugar da campanha ‘Vamos envenenar este País’ em curso em muitos jornalões brasileiros.
Jogando com números de uma pesquisa do Ibope que não prova nada, a matéria tenta sustentar a tese de que os nordestinos, os pobres e os negros dão menor valor à questão ética do que os habitantes do ‘Sul Maravilha’, os ricos e os pobres. Diz o Estadão: ‘No Nordeste, 10% dos eleitores declaram que votariam em político acusado de corrupção – índice próximo do Norte/Centro-Oeste, que é de 9%. No Sul e no Sudeste, esses índices são de 6% e 7%, respectivamente’.
Na realidade, as variações são mínimas, estão dentro da margem de erro da pesquisa e não indicam absolutamente nada. Aliás, se alguma coisa pode se depreender desses números é que, na valoração da questão ética, há um padrão razoavelmente homogêneo nas diferentes regiões do País – e não o contrário.
Mas há mais. O Estadão avalia também que a pesquisa do Ibope permite estabelecer relação entre cor de pele e rigor moral: ‘Os que se autodeclaram brancos são mais implacáveis com a ética: 88% não votariam num corrupto; os que se autodeclaram pardos cobram menos e 85% não votariam em indiciados por corrupção; mas os que se autodeclaram pretos são os menos rígidos com a ética: só 82% negam o voto a corruptos’. Queira-se ou não, a idéia que se passa é de que, quanto mais escurinha for a cor da pele, maior será a frouxidão com valores éticos.
Tenha a santa paciência. Está claro que o jornal tinha uma tese. Encomendou a pesquisa para dar-lhe sustentação, digamos, científica. O levantamento, porém, não comprovou o postulado (ou o preconceito). Se houvesse bom senso, arquivava-se o assunto. Mas, como alguém quer provar, sabe-se lá por quê, que o povão não ‘está nem aí’ para a corrupção e que nossa elite tem padrões morais dignos de Catão, a pesquisa rendeu matéria.
Mais um pouco e descobriremos que os pobres, os nordestinos e os negros são os responsáveis pela corrupção no país, que os ricos não têm nada a ver com isso, que em São Paulo nunca se pagou nem se recebeu propina e que os brancos sempre repeliram com veemência a idéia de pagar ou de levar um ‘por fora’.
Não sei por quê, mas lembrei-me do samba ‘Não é conselho’, de Dário Augusto e Nilcéia Gomes, gravado em 1993 pelo grande Bezerra da Silva, que pode ser ouvido aqui. A letra diz o seguinte:
‘É, doutor, isso é um alô,
Não é um conselho,
Mas não foi o preto quem botou
O meu Brasil no vermelho
Quando a coisa não vai bem
Eles dizem logo que está preta
Mas não foi o preto que travou
A grana da caderneta
Juro alto, inflação,
Mutretagem, mordomia
Mão não foi o preto
Quem botou o povão nessa agonia…’
Como a maioria dos sambas cantados por Bezerra da Silva nessa fase, ele pega pesado. Pessoalmente, acho o voto nulo um erro. Sempre há um nome melhor (ou menos pior) do que os outros nas eleições majoritárias. E há muitos candidatos a deputado que merecem nossos votos.
Mas que tem gente pegando pesado demais nessa campanha, tem. Como dizem os jovens: ‘menos, gente, menos’. É muito fácil envenenar um país, e muito difícil desintoxicá-lo depois. É como o adolescente que cai na droga. Para entrar na onda, bastam meses (e alguma revolta). Para sair dela, às vezes, são necessários anos (e muito sofrimento).
PS: Quem estiver interessado nas discrepâncias entre as pesquisas do Ibope e do Datafolha, clique aqui e leia meu comentário no Jornal da Band, sábado à noite. Resume o que penso sobre o assunto.”
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