Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brega, kitsch, mau gosto: a TV e a música vulgarizada

‘Música popular é uma das mais importantes manifestações culturais de um povo. O brasileiro, um privilegiado neste campo de arte, possuindo matizes sonoros riquíssimas, parece, no entanto, não se aperceber disso. Os ídolos caem no ostracismo e são repudiados ao envelhecerem, enquanto nos outros países o tempo os dignifica cada vez mais. Os divulgadores prestigiam, numa desproporcionalidade revoltante, a música importada. A literatura especializada é escassa e as dificuldades são quase intransponíveis para se conseguir publicar sobre o tema’ (Renato Vivacqua, 1992, pág. 1).

Segundo o Wikipédia, ‘a música é uma forma de arte que se constitui basicamente em combinar sons e silêncio seguindo ou não uma pré-organização ao longo do tempo‘. É considerada por diversos autores como uma prática cultural e humana. Atualmente não se conhece nenhuma civilização ou agrupamento que não possua manifestações musicais próprias. Embora nem sempre seja feita com esse objetivo, à música pode ser considerada como uma forma de arte, considerada por muitos como sua principal função.

A percepção é exatamente o que nos faz enxergar além e ouvir além, sempre que isso for possível, não quer dizer nada, pois mais do que responder simples argumentos, será envolver-se em um mundo sem respostas, onde o feio não existe, e todos têm o direito de se agradar do que preferem, ou do, que queiram.

Mas a música, assim como arte, seria apenas o que consideramos belo em nossa ótica? Ou apenas o que os outros dizem ser bonito ou, ouvir melhor? Não me arriscaria a tanto. Prefiro dizer que arte é saber ouvir, é misturar o peso com leveza, largura e comprimento, vertical e horizontal, ainda… Paixão com desprazer, e no final desse grande emaranhado…

Enaltecer sua importância seja vista por qualquer ângulo ou olhar. Intensa e ampla é a busca pela identificação do que seria arte ou música, afinal, arte perpassa várias áreas, e numerosos, seriam seus conceitos.

Cultura de massa interligada à indústria cultural

Para entender a cultura de massa, precisa-se achar o significado da palavra ‘massa’. Chega-se à conclusão que massa é na verdade uma maneira ou definição para se associar ao povo, ou, simplesmente, a grandes quantidades de pessoas.³ Para isso, entende-se que cultura de massa é representada por um grupo de indivíduos que são motivados por suas vontades ou paixões, sendo a massa sempre passiva, e não agindo com racionalidade, mas se alimentando de ideias e sensações de entusiasmos, onde é movida e escravizada por influências instáveis.

‘A cultura de massa, numa primeira análise, pode ser colocada entre cultura erudita e cultura popular. Mas há os que a situam, dentro de uma escala valorativa, num plano inferior a ambas, por razões várias: ela dilui os traços nacionais mais expressivos; é narcotizante e conformista; limita a criatividade, porque atada os recursos técnicos e a critérios quantitativos, nivelando por baixo todos os seus consumidores’ (Vannuchi, 2002, p.116).

O principal alvo da cultura de massa com a soma dos produtos produzidos pela indústria cultural é a classe média, onde se concentram suas ideologias e cresce a forma com que gera, inventa, produz, imagina, causa e forma opiniões deste público. Ele vai mais além ao dizer que ela se firma e se desenvolve sempre dentro de um contexto histórico-social apropriado, seja a sociedade de consumo, gerada no útero do capitalismo, seja a sociedade não capitalista, em que o estado controla rigidamente todos os meios de comunicação, como forma de conter e até ludibriar as massas.

As elites interessam à dominação cultural, isto é, a proposição e a imposição de modelos culturais supostamente superiores de um grupo ou classe sobre outros, pretendendo-se, assim, camuflar as desigualdades e as divergências, numa tentativa de homogeneizar a massa no status do conformismo e da sujeição.

A Constituição garante, portanto, o direito ao cidadão de se defender de programações que sejam contra o exposto no artigo 221, fornecendo meios legais para isso. Mas, não são todos que conhecem esse direito estabelecido por lei; a grande massa da população em Pernambuco, das classes C, D e E desconhecem esse direito, ou seja, não fazem uso dele, e com essas lacunas de controle social, as emissoras fazem o que querem fazer, para se ter o que querem.

Segundo Bernardo Toro, o que torna um sujeito cidadão ‘não é ter a carteira de identidade ou título de eleitor, mas a sua capacidade de gerar ou modificar a ordem social, ou seja, a sua capacidade de criar liberdade’ (TORO, 2005, p.20).

Aqui, mostra-se como é imprescindível a compreensão acerca do conceito de ‘direitos humanos’.

‘O conjunto dos Direitos Humanos Fundamentais visam garantir ao ser humano, entre outros, o respeito ao seu direito à vida, à liberdade, à igualdade e à dignidade; bem como ao pleno desenvolvimento da sua personalidade. Eles garantem a não ingerência do Estado na esfera individual, e consagram a dignidade humana. Sua proteção deve ser reconhecida positivamente pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais’ (DHNET, 2009, p.2).

A escritora Toledo (in Direitos Humanos no Cotidiano, 2001, p.19) considera que o ‘reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo’. Toledo (in Direitos Humanos no Cotidiano, 2001) diz ainda que é essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações.

A estética do grotesco e o processo crítico

Desde seu surgimento a mídia vem exercendo diversos papéis que vão desde informar e desinformar, de vender e comprar, de divertir e comover. Não há dúvidas, entretanto, que – independente de ser concebida para – a mídia amplifica os acontecimentos sociais e, pela sua característica mediadora, transforma o imaginário cultural que, por sua vez, modifica o modo de operar da sociedade, gerando novos conceitos e preconceitos estabelecidos. Como afirma Edgar Morin (2003) a mídia não inventou o crime nem a violência, mas tornou esses fenômenos mais visíveis.

Uma das maiores aparições da grande representatividade na massa é a estética do padrão de beleza que, a partir da individualização estabelecida pela lógica de consumo exagerado na pós-modernidade, vem sendo bombardeada na sociedade pela indústria cultural. Partindo do princípio dialógico da complexidade de Edgar Morin que explica que os opostos se confrontam, mas se completam, isto é, que a ambiguidade faz-se necessária, é que discutiremos dois programas de ideias diferentes, mas com o mesmo padrão de beleza que se resume a estética do grotesco que também é amplificada pela mídia em diversos veículos.

Na caminhada do processo crítico à estética do belo, a grade televisiva em Pernambuco apresentam alguns personagens híbridos, são eles, grupos musicais no estilo ‘brega ou tecnobrega’ onde na sua grande maioria alcançam espaço em programas de auditórios, oferecendo o que podemos rotular de: consumo fácil, fast food.

Estudiosos enveredaram-se pelo caminho do grotesco, a fim de entender mais afundo esse conceito. Muniz Sodré (1972, p. 38) definiu como ‘[…] o fabuloso, o aberrante, o macabro, o demente – enfim, tudo que à primeira vista se localiza numa ordem inacessível à `normalidade´ humana’. Segundo Bakhtin (1987), o grotesco outrora caracterizado como metamorfósico e ambivalente perdeu seu sentido com as transformações sociais provocadas com o avanço da produção/consumo, restando apenas o grosseiro, a obscenidade, o cinismo, o insulto e, principalmente, a deformidade para compor a estética do grotesco:

[…] o interesse pelo grotesco diminui notavelmente, tanto na literatura, como na história literária. Quando se faz alusão à ele é para relegá-lo às formas do cômico vulgar de baixa categoria, ou para interpretá-lo como uma forma particular de sátira, orientada contra fenômenos individuais, puramente negativos. Dessa maneira, toda a profundidade, todo o universalismo das imagens grotescas desaparecem para sempre (BAKHTIN, 1987, p. 39).

Existem vários outros exemplos de grotesco na TV ou de baixaria, além da representatividade conquistada pela grande audiência e/ou pela crítica, todos esses produtos midiáticos apelam para o humor ou para o dramático ou até mesmo para baixaria.

Resistência do mau gosto vira fácil aceitação na grande massa

Quem nunca ouviu falar nos shows de brega? Sim, aqueles chamados ‘bregões’, onde se reúnem os amigos, inimigos e até mesmo as famílias, esses espaços são simplesmente para muitos conhecidos por ‘vale tudo’, ‘Kitara’, ‘CIA do Calypso’, ‘Labaredas’, entre muitas outras… São algumas das indústrias produtoras desse gênero, mas paro por aqui. Se for dá nome a todas as bandas que seguem o ritmo aqui no Estado pernambucano, com certeza, o espaço aqui, seria pequeno. Mas, o que fazer quando esses shows de sensualidade extrema e de música vulgarizada são servidos para todo o público em geral, e em qualquer horário?

Para o processo de comunicação ser realizado, é necessário que haja dois personagens no cenário proposto, o emissor (que passa a informação) e o receptor (que a recebe). Mas para que haja entendimento entre um indivíduo e o outro, é preciso que se estabeleça a mensagem, que vai ser o elemento crucial nesse processo. No processo comunicacional, existem interferências e as mesmas podem ser chamadas de ruídos, e uma melodia mal estruturada, tem o mesmo sentido. Formular ações, segmentar estratégias e estabelecer as metas é apenas o pulo inicial para o resultado satisfatório do que se espera. A TV exerce um forte poder de conformação na vida do espectador e os conteúdos mal elaborados só fazem com que a sociedade esteja presa a esse círculo, onde o principal foco é o capitalismo e o individualismo, que fazem dos líderes desses veículos, pessoas imbatíveis e sem consciência.

A televisão é um meio eficaz de divulgar a mensagem, a um grande número de pessoas. O problema está em definir que tipo de mensagens, e para quem. Na prática, é qualquer mensagem para qualquer pessoa que esteja em frente ao aparelho. E isto, se torna preocupante, à medida que observamos que grande parte do público que assiste à televisão é formada por crianças e adolescentes, que são, justamente, os indivíduos mais vulneráveis nesse processo.

Quando se trata do universo infantil no que diz respeito aos direitos humanos, o Art. 76 da lei 8.069, do Estatuto da Criança e do Adolescente (2001, p.18) diz que as ‘emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas’. O Estatuto (2001, p.37) prega ainda que ‘é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor’.

A mídia torna-se indispensável na educação para a cidadania. Como parte da sociedade civil, o Estado tem um papel educativo e político na conquista da cidadania, sobretudo, quando dá visibilidade aos problemas e busca apontar saída. Embora tenha experimentado uma fase de sucesso até os anos 90, a dita música brega acabou sucumbindo às classificações negativas e gradualmente foi desaparecendo da mídia de massa. Mas nas regiões Norte e Nordeste, o termo resistiu nomeando um estilo musical de inspiração romântica que sobreviveu nas periferias, nas variações brega music, brega pop, calypso ou simplesmente brega.

Considerações finais

Com base em Kayser, Ângela Prysthon diz que:

‘O grotesco, então, aparece como uma estrutura. E no que se refere a sua natureza, ‘o grotesco é o mundo alheado (tornado estranho)’, pois, para que haja a manifestação do grotesco, é necessário que aquilo que nos era familiar e conhecido se revele, de repente, estranho e sinistro. É o mundo em súbita transformação. São também componentes essenciais do grotesco o repentino e a surpresa. Faz parte de sua ‘estrutura’ que as categorias de nossa orientação no mundo falhem, que os processos persistentes de dissolução se manifestem: a perda de identidade, as distorções da realidade, a suspensão da categoria de coisa, o aniquilamento da ordem histórica, tudo aquilo que de alguma forma produz uma desorientação’.

A produção televisiva em conjunto com o movimento de ‘popularização’ é intensamente rebatida por tratar-se de uma produção que lida com um grupo heterogêneo, e reduz as mensagens a um denominador comum: ‘(…) popular, irrelevante, medíocre, trash, pobre, alienada, alienante – a televisão carrega o fardo dos veículos malditos e desprezados, no julgamento que discrimina a arte superior, de pesada relevância e posteridade assegurada, e os simulacros ligeiros que servem ao prazer imediato, gratuito e boboca da ralé’, afirma Beirão (2001:66), sintetizando a posição de uma parte da crítica que reflete sobre a televisão (Silva, 2000:02). Hoineff (1996:05), com a proposta de retratar a televisão diz, na obra A nova televisão, que o que se encontra de errado nela é tudo (…).

Pensando o caminho apontado por Bourdieu em suas reflexões a respeito da arte, essa noção cumpriria uma função de ‘distinção social’, em que costumes, crenças gostos, estariam relacionados a uma certa classe, identificando, assim, pertencimentos, identidades e, principalmente, limites ao que se pode denominar ‘arte’. A ‘arte’, como ‘distinção’ de classe, primaria por excluir expressões por demais populares, o que podemos perceber no caso do ‘brega’, tido muitas vezes como uma não-arte.

Quais poderão ser os caminhos da música no futuro próximo? A previsão não é fácil; todavia, alguns fatos nos parecem bastantes claros e podem assumir, portanto, um valor indicativo. Há, de um lado, um enorme enriquecimento de recursos idiomáticos, uma benéfica libertação de preconceitos auditivos e estéticos; do outro lado, um inegável afastamento entre compositores e público.

A música aqui externada, o (brega), perdeu alguns poderes de comunicação com a massa, por aceitar um vocabulário ilimitado, recusando ao mesmo tempo a lógica informal nas categorias do pensamento e do sentimento. Com isto, ela se dirige mais a uma classe periférica, que de certa forma, se ver representado em suas letras.

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Estudante de Jornalismo, publicitário, crítico cultural e gestor público