Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Campos em conflito em Portugal

Este trabalho envolve os campos da Mídia e da Educação e objetiva compreender, a partir de entrevistas com jornalistas e acadêmicos, como está sendo realizada a cobertura midiática das questões educacionais contemporâneas em Portugal. Esta pesquisa pós-doutoral denominada Análise da cobertura midiática das questões educativas em Portugal pelos acadêmicos e jornalistas, foi realizada com o apoio do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto – Portugal.

1. Contextualização

O presente texto relata o conteúdo da pesquisa pós-doutoral denominada Análise da cobertura midiática das questões educativas em Portugal pelos acadêmicos e jornalistas, ora em andamento no Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

As reformas educativas, ainda em partir da promulgação da lei nº. 46/86 de 14 de outubro, definida como a Lei de Bases do Sistema Educativo. As questões educativas após as reformas têm colocado em campos opostos uma parcela significativa de jornalistas e de acadêmicos. A partir da constatação dessa tensão entre os campos acadêmico e midiático, em decorrência da cobertura das reformas e demais questões educacionais em Portugal, optamos em centrar nossas reflexões sobre as visões de ambos os campos sobre esse debate existente no espaço público. Para compreender melhor o nível de relação e de tensão entre os dois campos, indagamos inicialmente: Como está sendo feita a cobertura das questões educacionais e das reformas educativas em Portugal?

E para responder às nossas indagações sobre a cobertura mediática das reformas e da temática educativa, empreendemos a tarefa de saber dos protagonistas, acadêmicos e jornalistas, suas opiniões sobre a cobertura midiática das reformas. Notamos, a priori, que a media é vista com desconfiança pelos acadêmicos, que argumentam que os jornalistas, muitas vezes, não abordam em profundidade as causas e as conseqüências dessas reformas. E vão mais além: apontam ainda que alguns dos comentaristas ou comentadores portugueses, os opinion makers, são porta-vozes do neoliberalismo e responsáveis pela atual imagem negativa do campo educacional português.

Portanto, este estudo de caso sobre a prática jornalística no campo educacional, objetiva estabelecer um diálogo mais amplo entre as áreas da Media e da Educação, possibilitando a análise mais acurada das opiniões de ambos os campos, sobre a cobertura midiática das questões educacionais na sociedade portuguesa atual.

Assim sendo, este trabalho traz os relatos e os posicionamentos dos principais protagonistas desses campos – acadêmicos, jornalistas e investigadores de ambas as áreas – sobre a cobertura da media e as conseqüentes representações sociais e sentidos produzidos, tendo como foco as reformas educativas iniciadas em Portugal com a promulgação da lei nº. 46/86 de 14 de outubro.

Educação e Mídia são campos de formação de conceitos, preconceitos, consciências, subjetividades e áreas construtoras privilegiadas da opinião pública. Pois, além de tratarem de cultura, de valores e informação, são campos também veiculadores de ideologia, uma vez que utilizam em suas ações a linguagem. E ao utilizar-se o signo lingüístico para construir processos de significação, tanto o campo midiático, por meio de seus agentes, os jornalistas –, quanto as Ciências da Educação, por meio dos professores e investigadores, estão agindo nos campos da ideologia e do poder. Tais sujeitos se constituem em ideólogos e agentes de conhecimentos autorizados em suas respectivas áreas.

Neste trabalho jornalístico-educacional, trazemos por meio do gênero jornalístico informativo entrevista, a percepção que um grupo de protagonistas autorizados –, composto por jornalistas e articulistas, selecionados pelo fato de vivenciarem em suas atividades a cobertura educacional – aqui entendidos como formadores profissionais de opinião pública, ou seja, opinion makers –, têm sobre a cobertura midiática das recentes reformas educacionais em Portugal. Todos eles têm em comum o fato de tratarem profissionalmente das questões educacionais em diversos veículos de comunicação portugueses. Em síntese, visamos compreender melhor o papel da media na cobertura das pautas educacionais em Portugal, a partir dos relatos desses opinion makers –, os jornalistas. Para tanto, priorizamos a mídia impressa.

E, paralelamente, damos vez e voz aos acadêmicos e investigadores das Ciências da Educação, sujeitos que estão diretamente envolvidos no processo ensino-aprendizado e têm a Educação como objeto de estudo –, para que comentem, contestem, apontem os acertos e falhas da cobertura midiática e os rumos das reformas educativas inconclusas, iniciadas em Portugal em 1985.

Lembramos que Portugal está vivenciando uma outra reforma considerável, esta no ensino superior, decorrente do Processo de Bolonha. Tantas reformas educativas aguçam sensibilidades, desvelam e velam concepções político-ideológicas, estimulam o debate no espaço público, colocam a questão educacional na pauta midiática. E, ao mesmo tempo, deixam muitos sentidos pressupostos, subentendidos e não-ditos.

2. Agendamento midiático e espetacularização

A preocupação e o interesse por este tema surgiu a partir da afirmação feita por Cortesão (2002, p. 14) sobre a existência de um grande mal-estar no campo da Educação, e esse mal-estar, afirma, é agravado pelos meios de comunicação:

‘Está-se a fazer referência a um crescente mal-estar que se faz crescentemente sentir em diferentes instituições de diversos níveis do sistema educativo. Mas é necessário alertar para o facto de esse `mal-estar´ ser, […] também acompanhado e sublinhado pela crescente agressividade com que alguns meios de comunicação social, certas pessoas e algumas entidades […] se referem a esta situação’ (CORTESÃO, 2002, p. 14).

Em seu texto, Cortesão (op. cit.) enfatiza que as críticas à Educação partem de pessoas que utilizam a media para autopromoção e se denominam especialistas em Educação. Essas pessoas atacam indiscriminadamente os professores, os acadêmicos e os investigadores das Ciências da Educação de serem os responsáveis por muitos outros problemas, extrapolando o campo da Educação. Para ela, tais indivíduos tateiam no senso comum e não analisam as implicações sociais, políticas e econômicas em que o campo da Educação está contido.

E nos chamou a nossa atenção também o posicionamento de Benavente (2004, on-line) ao explicitar que, muitas vezes, a mídia, em razão de sua própria lógica, de enfatizar o plano do factual, do imediato e do sensacionalismo, pode contribuir para a distorção dos fatos. Ela pondera que os fatos educativos devem ser analisados pela media no plano mediato e de maneira menos emotiva:

Quando a educação se torna mais visível, torna-se visível para o pior e para o melhor; os media, na sua lógica própria, preferem as novidades e os incidentes, não se interessam pelo que é discreto e modesto, mas portador de mudança. Contribuem para criar representações sociais por vezes distorcidas em relação à realidade concreta’ (BENAVENTE, 2004, on-line).

A partir desta análise, Benavente (2004, on-line) propõe uma maior atenção à informação e à comunicação, para que se amplie a visibilidade do sistema educacional português, bem como se mobilize mais a opinião pública para as questões educativas. Ela recomenda também a necessidade de melhorar a imagem pública da escola e de sua função educativa, além de ressaltar a importância da especialização da comunicação social no domínio da Educação.

Também foram consideradas as observações de Magalhães e Stoer (2002, p. 27-8), para quem as questões educativas em Portugal passaram a ocupar com maior insistência o espaço público-midiático, ultrapassando assim o restrito espaço dos campi universitários, fato este merecedor de um trabalho investigativo mais amplo pela relevância do assunto.

Nos últimos anos, jornalistas, pessoas públicas, especialistas das mais diferentes áreas, professores e cidadãos anônimos ocuparam espaços e tempos significativos em jornais, televisões e rádios, emitindo opiniões, dando pareceres e tomando posição acerca dos rumos que a educação em Portugal está a tomar e acerca daqueles que deveria, a seu modo, tomar.

Para o olhar sociológico, essa mobilização é já, e por si só, motivo de grande curiosidade e, eventualmente, inspiradora de um interessante projeto de investigação (MAGALHÃES e STOER, 2002, p. 27-8).

Por sua vez, defendendo a necessidade de se estabelecer e aprofundar os debates sobre as reformas junto à opinião pública, Crato (2006, p. 9) argumenta:

‘Não é possível perceber o que se passa na Educação em Portugal sem conhecer um debate de idéias – umas vezes surdo, outras agressivo – que divide a opinião pública, cria desconforto entre profissionais de educação e pauta tomadas de posição de políticos e decisores.’

As reformas educativas implementadas pela lei nº. 46/86 de 14 de outubro tiveram interpretações variadas, tanto por parte dos gestores do setor quanto dos governantes e dos professores, o que ampliou o sintoma de desconforto e de crise permamente no sistema educacional. Além disso, diversos outros fatos vieram em sua seqüência, acentuando o caráter polêmico das reformas até hoje inacabadas. Um outro fator que acentuou o descontentamento por parte de alguns investigadores, foi a decisão de se realizar a avaliação anual, por meio de exame nacional, para todos os concluintes do 9º. ano – último ano de escolarização obrigatória, para aferir os conhecimentos dos alunos nas áreas de Português e de Matemática.

3. Críticas midiáticas às reformas educativas

No ano de 2003, no governo do Partido Social Democrático (PSD), de centro-direita, foi implantado o Sistema Nacional de Avaliação no Ensino Básico, tornando obrigatórios os exames finais em Português e Matemática para os estudantes do 9º ano, o que acirrou mais ainda a polêmica no campo educacional, conforme registra Crato (2006, p. 45):

A polêmica reacendeu-se em 2003, em torno da decisão do ministro David Justino (governo PSD) de instituir exames finais a Matemática e Português no 9º ano de escolaridade, rompendo com a prática de muitos anos de deixar os estudantes concluírem todo o ensino obrigatório sem um único exame nacional.

Esse e outros fatos, tais como: mudanças nos currículos, instituição de exames de avaliação escolar visando ao ranqueamento das escolas e a sua avaliação externa, são temas polêmicos que estão refletidos nos embates veiculados pela media. Também a questão disciplinar do aluno foi afrouxada, segundo Crato (2006, p. 37), além de outros fatores que contribuíram para ampliar o debate sobre a crise educativa instaurada após a reforma educacional. Há também críticas por parte de um segmento representativo de formadores de opinião, contra a presença acentuada da teoria pedagógica de base Construtivista, de origem piagetiana, no sistema educativo português.

Tais queixas estão materializadas no livro O ‘eduquês’ em discurso directo: uma crítica da pedagogia romântica e construtivista, de autoria de Nuno Crato. Para ele, porta-voz de um grupo de formadores de opinião, a concepção pedagógica Construtivista de base piagetiana, difundida pelos teóricos da Educação, contribui para o baixo nível de rendimento do alunado português.

Ao longo do período da vigência da lei nº. 46/86 de 14 de outubro até hoje, vários livros foram publicados abordando as causas e as conseqüências das reformas. O tema ocupa espaço no agendamento [a teoria do agendamento é uma teoria de Comunicação formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw na década de 1970. De acordo com este pensamento, a mídia determina a pauta (em inglês, agenda) para a opinião pública ao destacar determinados temas e preterir, ofuscar ou ignorar outros tantos (Wikipedia, on-line)] midiático e no espaço público permanentemente. O fenômeno ocupa a agenda da media, como é possível ser detectado quando Crato (2006: 10) afirma que, a crítica tem sido elaborada tanto em conferências acadêmicas quanto na imprensa e que, sistematicamente, opositores às reformas como Antonio Barreto, Jorge Buescu, José Manuel Fernandes, Carlos Fiolhais, Maria Filomena Mónica, João Queiró, Guilherme Valente, dentre outros, ‘têm intervindo sistematicamente em debates e em artigos dados à estampa no Público, no Expresso e noutras publicações’.

Acrescenta ainda que várias análises foram feitas sobre o tema:

‘Análises parcelares têm sido apresentadas por Luís Valadares Tavares e outros. Um livro de Mithá Ribeiro apresenta um relato pessoal e emotivo. Um estudo da polémica de divulgação pública dos resultados das escolas (rankings) foi recentemente publicado por David Justino. As intervenções anteriores mais extensas parecem limitar-se, no entanto, a um livro de Maria Filomena Mónica de 1997′ (CRATO, 2006, p. 10-11).

Nuno Crato, atual presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, enfatiza que, conforme a imprensa acompanhou, a referida Sociedade foi a única entidade a defender publicamente, em 2003, a polêmica realização de exames nacionais de avaliação para todos os alunos do 9º ano de escolaridade, nas disciplinas de Matemática e Português, ficando inclusive contra sindicatos, associações de professores e pais de alunos (CRATO, 2006, p. 45-6).

4. A midiatização da temática educacional

Ao fazer um breve diagnóstico da situação educativa em Portugal em 1999, a então presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Teresa Ambrósio, citada por Crato (2006, p. 21) confirma o fenômeno da midiatização [o conceito de midiatização significa a mediação social elaborada por meio dos media, ou seja, mediação social mediada por intermédio do discurso midiático] temática como fator gerador do mal-estar na área. Para ela, tais críticas têm apenas a função de alimentar midiaticamente a opinião pública. No entanto, ela afirma não ter uma visão tão pessimista da escola básica.

As queixas contra o sistema educacional também são detectadas por Cardoso (2006, p. 91) ‘Elevam-se as vozes de alguns sectores de opinião, contra a qualidade da formação dos professores que consideram ser a principal causa da baixa qualidade nas aprendizagens das crianças e jovens’.

Ele argumenta que, além das críticas assacadas contra as pedagogias românticas, há também queixas contra a investigação educacional que, apesar de bem estruturada nos últimos anos, ainda não interage de forma eficaz para a melhoria geral da Educação no país, e afirma que:

‘As críticas explícitas à qualidade da educação em Portugal, têm vindo a adquirir novas matizes. De uma opinião pública mais ou menos dispersa e anônima – que tem centrado as causas dos males da educação nos professores, nas escolas, nos alunos e famílias e na sociedade em geral – crescem agora as vozes de alguns intelectuais, em geral exteriores à Educação, que colocam na formação de professores e nas Ciências da Educação as causas fundamentais das deficientes aprendizagens.’

Enfatiza ainda:

‘A discussão alarga-se facilmente e conquista adeptos. Culpam o monolitismo de orientações ideológicas e pedagógicas românticas e o excesso de construtivismo nas práticas docentes, na investigação e na formação: apelam ao reforço de fundamentos mais racionalistas e iluministas na educação’ (CARDOSO, 2006, p. 91-2).

Cardoso (2006, p. 99) reconhece que o papel dos media na cobertura das questões educativas deve ser revisto, e exemplifica mencionado a questão dos rankings: ‘É neste cenário de constrangimentos, com evidentes impactos na qualidade da educação, que a tutela e a comunicação social agitam a opinião pública com os rankings das escolas, abrindo portas para comparações indevidas.’

Ele observa que, por princípio, o que se busca comparar seja de fato comparável e salienta que um ranking, para ser bem conduzido e divulgado posteriormente pela media, deve assegurar as condições idênticas ou básicas para cada escola, o que não acontece efetivamente. Por isso, Cardoso (2006, p. 101) entende que a publicização dos rankings, como acontece, baseada nos resultados escolares dos alunos ‘é uma medida perversa’.

Ele esclarece que dessa forma, a media faz com que a opinião pública construa uma representação distorcida dos resultados médios dos alunos por escola, pois cada escola tem sua especificidade, o que a frieza do ranking não revela. Adverte ainda que, uma leitura baseada no senso comum, não levará em conta as variáveis quantitativas e qualitativas que diferenciam escolas entre si. Pois as condições concretas específicas de cada escola, não é levada em conta na hora do julgamento e da publicização do ranking.

‘Tal como são divulgados fragilizam ainda mais – aos olhos da opinião pública – as escolas pior colocadas e os respectivos professores, já de si fragilizados por factores de contexto – geográficos, econômicos, sociais e culturais – e pela falta de apoios supletivos que atenuem desvantagens de partida. Os rankings que nos são dados a conhecer, deveriam constituir uma etapa – não publicitada – de um processo sistemático e comprometido, visando identificar as causas dos diferentes resultados das escolas e tomar decisões necessárias para promover a qualidade das mais desfavorecidas. Só com este tratamento, a hierarquização dos resultados (qualidade?) das escolas deveria, se conveniente e vantajoso, ser publicável’ (CARDOSO, 2006, p. 100).

Dessa forma está confirmada a midiatização temática. Com a midiatização do tema, e tendo em conta a relevância do assunto, instaurou-se a polifonia entre os dois campos – midiático e acadêmico. A partir da instauração desses pontos de vista diversos, sobre as reformas educativas na agenda pública portuguesa, e da percepção de existência de um confronto lingüístico-discursivo-midiático entre os protagonistas, optamos por ampliar esta análise, a partir da visão bakhtiniana de diálogo enquanto uma corrente infinita de comunicação. Esta opção teórica considera que um signo em forma de palavra, ao ser confrontado com outro signo, possibilita a ampliação dos espaços sociais de significação e interpretação.

Esse confronto ideológico e de pontos de vista, portanto, será passível de ser detectado na materialidade lingüístico-discursiva dos sujeitos. Isso porque o discurso midiático faz parte da superestrutura, ou seja, integra o campo dos discursos secundários da ideologia, segundo Bakhtin (1992). Por isso, as condições objetivas, isto é, da infra-estrutura econômica e do mundo da prática, que constituem e conformam os discursos dos sujeitos, estarão sempre refletidas nos discursos secundários ou da superestrutura ideológica.

5. Considerações finais

A cobertura midiática das questões educativas em Portugal vem chamando a atenção da opinião pública, em razão da importância do tema, cujo debate ganhou espaço na media a partir das reformas educativas realizadas por meio da lei de Bases número 48 de 14 de outubro de 1986. Até então, Portugal não possuía um plano nacional definidor das diretrizes gerais no campo educativo. E, somente após longos e intensos debates políticos, a lei de bases 46/86 que estrutura o ensino português foi aprovada.

Destacamos que, somente após os desdobramentos da Revolução de 25 de abril de 1974, conhecida como a Revolução dos Cravos, os grupos políticos que assumiram os governos nos períodos revolucionário e pós-revolucionário apresentaram um projeto de planificação escolar.

Tal aprovação possibilitou a abertura de uma perspectiva mais democrática do campo educacional para as camadas populares da sociedade portuguesa, conforme argumentam os teóricos educacionais. A Educação, nessa altura, era atrelada aos preceitos do Estado Novo salazarista, com fortes traços de autoritarismo e elitismo. Educação esta que, segundo os investigadores das Ciências da Educação, excluía a maior parte dos jovens portugueses da escola, pois a escola era privilégio da elite que detinha o poder.

No entanto, em razão das dificuldades para se implantar, na prática, as mudanças educativas constantes na lei de Base 48/86, as desejadas reformas caíram em descrédito junto à sociedade portuguesa. Principalmente junto aos pais de alunos, professores, sindicatos dos professores e alunado. E para equacionar o problema, em 1996 o governo promoveu uma série de negociações políticas com a sociedade, objetivando uma parceria que permitisse efetivar as medidas de maior impacto no campo educacional, editando naquele ano um documento conjunto denominado de Pacto Educativo.

Porém, em razão dos sucessivos governos, ora de tendências mais à esquerda, ora mais à direita do espectro político, o desejado pacto educativo assinado em 1996, que visava implementar com mais rapidez as mudanças educativas definidas em 1986 não foi efetivado, o que faz com que as reformas continuem sendo um tema em aberto.

Ao longo desse debate, os meios de comunicação social, que refletem e refratam a seu modo os fatos da agenda social, ampliaram para o espaço público os principais pontos sobre as reformas educativas. Em outras palavras, as reformas educativas ganharam espaço na media, principalmente na media impressa, que por meio de alguns repórteres especializados e comentadores ampliaram o debate educativo.

Várias matérias passaram a ser veiculadas pela imprensa sobre a temática educacional, contendo principalmente opiniões contrárias às propostas educativas, que estavam inseridas no projeto inicial das reformas de base de 1986. Muitas matérias criticavam também as ‘reformas das reformas’, que eram gestadas no âmbito do Ministério da Educação, pelos diversos governos que assumiram os destinos do país após a Revolução dos Cravos em 1974.

Uma das críticas principais presente no debate midiático é contra a permanência, no âmbito dos ensinos fundamental e médio, da teoria pedagógica Construtivista. Esta teoria, segundo alguns comentaristas, é a responsável direta pelos baixos índices de aproveitamento em Matemática e Língua Portuguesa que os alunos portugueses apresentam atualmente. Além da crítica à teoria pedagógica Construtivista, uma corrente de comentadores influentes apóia em seus artigos, a avaliação e o ranqueamento das escolas por meio de métodos que, segundo os teóricos da Educação, não levam em conta os contextos da comunidade escolar avaliada.

Além desses assuntos, muitos outros temas do campo educativo ganharam destaque na media. Dentre eles merecem ser citados: o aumento da indisciplina nas escolas, as questões curriculares e as formas e tipos de avaliação. A redução da autoridade do professor, a massificação do processo de escolarização, uma vez que a partir da reforma educacional, um maior número de alunos das classes populares passou a ter acesso à escola. Tais motivos somados, segundo alguns jornalistas, provocaram a queda do nível educacional em Portugal.

Por sua vez, um significativo grupo de acadêmicos e teóricos da Educação argumenta que, a partir da Revolução dos Cravos em 1974 e da reforma do sistema educacional em 1986, milhares de jovens, antes excluídos da escola, passaram a ter acesso à escolarização – acabando com a concepção elitista até então existente, quando somente os filhos da classe média tinham acesso à escola.

E no decorrer do debate, os acadêmicos afirmam que, quase não têm espaços na media para emitirem seus pontos de vista, para contestarem os argumentos dos comentadores dos dois principais jornais do país – o jornal Público e o jornal Expresso. Em razão desse embate, argumentam que a informação jornalística é quase sempre de mão única, pois a imprensa não dá o mesmo espaço e destaque para o contraditório. Afirmam que a media constrói uma imagem negativa dos teóricos da Educação junto à opinião pública, uma vez que os articulistas dos jornais influentes, atribuem a crise do sistema de ensino português, em última instância, a eles, os teóricos da Educação.

Eles afirmam ainda que, ultimamente, a media realiza uma cobertura parcial e descontextualizada dos assuntos educativos. Denunciam que os principais comentadores sobre Educação não são da área de Educação. E admitem também que, em decorrência da forma como a cobertura midiática das questões educativas vem sendo feita, ela tem contribuído em grande parte para a negativação da atividade docente, pois chega até mesmo a desqualificar o trabalho do professor, fato que gera baixa-estima junto ao corpo docente.

Portanto, em decorrência dessa polêmica que envolve dois significativos campos socialmente importantes, a Media e a Educação, registramos os depoimentos de jornalistas experientes e respeitados investigadores dessas áreas, para externarem seus pontos de vista sobre a cobertura midiática das questões educativas em Portugal nos últimos anos. O trabalho buscou respeitar os dois lados envolvidos no debate, conforme os preceitos ético-deontológicos do campo jornalístico.

Em razão do que aqui foi exposto, os fatos nos levaram a reconhecer a necessidade de os veículos de comunicação social terem em seus quadros, jornalistas com formação especializada em Educação. Isso porque, a qualificação básica na área permitirá uma abordagem com mais competência teórica sobre o tema, o que não é possível ser conseguido por um jornalista generalista. Constatamos que a qualidade da informação e a credibilidade jornalística, nos tempos atuais, passam também pela qualificação do profissional da media.

Outra constatação é que se faz necessário sempre, e acuradamente, abrir espaços para que os dois lados envolvidos no debate se manifestem de forma equilibrada. Pois, conforme os depoimentos de vários acadêmicos, a imprensa portuguesa, na cobertura sobre as questões educativas, quase não cede espaço para o contraditório, levando ao leitor uma visão unilateral dos fatos.

Por isso é necessário alertar que a informação de mão única vai contra o princípio básico da deontologia da Comunicação Social, e que os jornalistas devem respeitar os compromissos ético-deontológicos no seu cotidiano. E outra constatação evidente é que, o mito da imparcialidade ou da objetividade no jornalismo, não se sustenta. Porque de forma implícita, ou muitas vezes explícita, a ação jornalística resulta de direcionamentos político-ideológicos, que confirmam a subjetividade do trabalho midiático e denunciam a presença dos filtros jornalísticos na produção noticiosa.

Por isso afirmamos que a media não é neutra, pois ela está sempre envolvida metaforicamente, numa permanente batalha retórica pela conquista de corações e mentes. Pois os veículos de comunicação social têm uma linha editorial que deve ser seguida pelos jornalistas – linha editorial esta que, em última análise, reflete os interesses do grupo político-ideológico-empresarial que dirige o meio de comunicação social. Ou seja, os empresários da comunicação social têm seus interesses políticos, econômicos e posicionamentos ideológicos de classe, que irão influenciar sempre as decisões editoriais.

Isso ocorre pelo fato de o campo midiático ser um campo de poder simbólico muito forte e presente na vida das pessoas, nomeadamente na sociedade midiática em que vivemos. Além disso, podemos concluir também que os jornalistas não são neutros. Motivo pelo qual ressaltamos que, o discurso da imparcialidade da media é um mito que deve ser desfeito, pois tanto os proprietários dos meios, quanto os jornalistas, são parciais. Eles possuem desejos, pertencem a determinadas classes sociais, trazem determinados valores e intenções que são explicitados em seus discursos. Em outras palavras, possuem diferentes visões de mundo que marcam suas trajetórias enquanto sujeitos sócio-históricos. Concluímos também que nenhum texto é neutro, razão pela qual o leitor deve fazer sempre uma leitura crítica da media.

Por exemplo, há fatores jornalísticos que operam como filtros ou controle da informação, dentre os quais citamos os filtros jornalísticos destacados por Rossi (1986: 20): a pauta, o estilo, o copidesque, o editor, o diretor de redação, a chefia de reportagem, a produção do título, o tamanho do texto, o tamanho do título, a colocação do texto na página, a distribuição do título, as fontes, a empresa jornalística.

E há ainda outros fatores que contribuem para o controle e o direcionamento da informação, tais como: o agenda setting, ou seja, a media orienta as discussões no espaço público; o gatekeeper, que implica na ação do editor, como o selecionador privilegiado do fato e do destaque da notícia. Há ainda o fenômeno do newsmaker, isto é, a construção da notícia e da realidade social pelos media e também há a angulação do tema pelo framing midiático, que implica na forma em que o assunto será mostrado ou tornado público. Portanto, em razão desses fatores afirmamos que há sempre parcialidade na produção jornalística.

Além dos fatores jornalísticos lembramos a existência dos elementos lingüísticos, que são indicadores de subjetividade, tais como a apassivação, a polifonia, a citação direta, a citação indireta, a intertextualidade, a heterogeneidade discursiva, a citação do argumento de autoridade, a pontuação, a seleção lexical dentre outros, que fazem com que a parcialidade seja instaurada na produção discursiva da media.

Finalmente, esperamos que este trabalho de análise da cobertura midiática das reformas educativas em Portugal pelos acadêmicos e jornalistas, possa contribuir tanto para a leitura crítica da media, quanto para o aprimoramento e aprofundamento do debate sobre esses dois campos de poder e de constituição social do conhecimento.

Compreendemos que esses campos são fundamentais para o desenvolvimento das consciências, visando à construção de novos sujeitos sociais e de outras possibilidades de sociabilidade no interior da sociedade do conhecimento e da comunicação. Concluímos que ambos os campos – Mídia e Educação – usam no seu cotidiano um elemento aparentemente simples e inofensivo – a palavra. Mas, ficou demonstrado que a palavra, enquanto elemento semiótico em sua função de signo lingüístico, jamais é neutra.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6ª ed. São Paulo: Hucitec, 1992.

BENAVENTE, Ana. O pacto educativo para o futuro: um instrumento estratégico para o desenvolvimento educativo em Portugal. Revista Ibero-americana de Educação. Número 34: Janeiro-Abril 2004. Disponível aqui. Acesso em 09.02.2007.

CARDOSO, Carlos Manuel Neves. Os professores em contexto de diversidade. Porto: Profedições, 2006.

CORTESÃO, Luiza. Ser professor: um ofício em risco de extinção? Reflexões sobre práticas educativas face à diversidade, no limiar do século XXI. Porto: Edições Afrontamento, 2000.

CRATO, Nuno. O ‘eduques’ em discurso directo: uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. 9 ed., Porto, Gradiva, 2006.

ENCICLOPÉDIA WIKIPEDIA. On-line. Disponível em: . Acesso em 12.04.2007.

MAGALHÃES, António M., STOER R. Stephen. A escola para todos e a excelência acadêmica. São Paulo: Cortez – Instituto Paulo Freire, 2002.

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Estudante, Universidade Federal de Alagoas – UFAL