Quem não se lembra da capa da revista National Geographic com o retrato de uma bonita menina afegã de olhos grandes e assustados? A imagem tirada em um campo de refugiados no Paquistão e publicada na edição de junho de 1985 tem hoje até verbete na Wikipedia. Esta semana, a revista de notícias americana Time traz um retrato de uma afegã de 18 anos. Mas, ainda que lembre a foto da menina dos anos 80 na National Geographic, a capa da Time é bastante diferente.
Aisha, a jovem retratada, teve o nariz e as orelhas decepados por ter fugido de seus sogros, que a maltratavam. Um comandante talibã do vilarejo onde morava a condenou – apesar de suas queixas de que era tratada pela família do marido como escrava – para que outras mulheres não tentassem seguir seu exemplo. Seu cunhado a segurou e seu próprio marido a cortou. Ela hoje vive escondida em um abrigo para mulheres e, com a ajuda de uma organização humanitária da California, deverá viajar aos EUA para passar por uma cirurgia reparadora.
A foto da capa é acompanhada por uma história forte de como as mulheres afegãs abraçaram as liberdades conquistadas com a queda do Talibã, e como elas temem a volta do regime. Aisha decidiu posar para a foto porque ‘quer que o mundo veja o efeito que a volta do Talibã teria para as mulheres no Afeganistão’, diz um artigo do editor Richard Stengel no site da Time.
Choque
Stengel diz que pensou muito antes de publicar a imagem, em primeiro lugar preocupado com a segurança de Aisha. ‘Eu queria ter certeza de que ela entendia o que significa estar na capa’, conta. ‘Ela sabe que se tornará um símbolo do preço que mulheres afegãs têm que pagar pela ideologia repressora do Talibã. Nós também confirmamos que ela está em um lugar secreto protegido por guardas armados e mantido pela ONG Mulheres pelas Mulheres Afegãs’.
A segunda preocupação do editor era com o choque que a imagem poderia causar – principalmente em crianças. Ele afirma que consultou psicólogos e mostrou a foto para seus dois filhos, de nove e 12 anos. ‘Eles imediatamente sentiram pena de Aisha e perguntaram por que alguém faria tanto mal a ela’, conta.
Discurso militar
Stengel defende, no texto, a decisão de publicar a foto. ‘Peço desculpas aos leitores que acharem a imagem forte demais. Mas coisas ruins acontecem com as pessoas, e é parte do nosso trabalho confrontá-las e explicá-las. No fim das contas, eu sinto que a imagem é uma janela para a realidade do que acontece – e do que pode acontecer – em uma guerra que afeta e envolve a todos nós’, diz.
Do lado da imagem de Aisha, a manchete diz: ‘O que acontece se sairmos do Afeganistão’. ‘Eu prefiro confrontar os leitores com o tratamento de mulheres pelo Talibã do que ignorá-lo. Eu prefiro que as pessoas saibam a realidade quando formam suas opiniões sobre o que os EUA e seus aliados deveriam fazer no Afeganistão’, defende Stengel.