Chacrinha, o fenômeno, apresentador brasileiro conhecido pela excentricidade, permanece sendo estudado por pesquisadores da Comunicação em várias partes do país como uma importante experiência na televisão tupiniquim. Recentemente foi ao ar a reprise de um programa especial sobre a vida de Abelardo Barbosa produzido em 2008, e quem pode assistir teve a oportunidade de observar um pouco do que acontecia na época em que o Velho Guerreiro exercia sua supremacia na audiência da emergente mídia brasileira das décadas de 1970 e 80.
Já que não se tratava de uma atração inédita, segue aqui um breve artigo elaborado para a disciplina Sociologia da Mídia, ministrada pelo professor Wellington Pereira, na graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba.
Longe de perpassar pelo mundo do fanatismo ou mesmo das críticas ferrenhas, neste segmento, pretende-se retratar passagens da vida de Chacrinha contextualizada às perspectivas teóricas que estudam a televisão, o grotesco, o barroco e o cotidiano.
O perfil
Fruto dum lugar onde pouca coisa desabrochava do solo hostil, José Abelardo Barbosa de Medeiros nasceu em 1916 na cidade de Surubim, Pernambuco, e conseguiu ultrapassar as barreiras do sertão, extraindo lições de um lugar castigado pela seca. Foi essa terra infrutífera que o fez buscar dinheiro e carreira na Alemanha. Porém, enquanto Abelardo viajava num navio, a guerra eclodiu e ele foi obrigado a descer no Rio de Janeiro, onde começou sua trajetória no rádio. Passou pelas rádios Vera Cruz, Tupi e Guanabara. Das experiências radiofônicas trouxe o improviso e o compromisso com a alegria a qualquer preço. O famoso Chacrinha ficou conhecido como o primeiro palhaço televisivo brasileiro. Considerado o maior comunicador de massa do país durante mais de vinte anos, o autor da frase ‘Na televisão nada se cria, tudo se copia’ apresentou programas de auditório de grande aceitação do público. Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002) entendem que ao misturar elementos urbanos à cultura rústico-plebéia, Chacrinha produzia uma estética de conciliação dos contrários.
Fica visível que não existiu um movimento em prol do mau gosto, mas na junção entre a linguagem televisiva, vista como glamourosa, e o cotidiano de um país marcado pela transição da ditadura para a democracia. Dito isso, a lógica evidenciada pelo barroco, na mistura entre elementos primordialmente opostos, como cultura popular e erudita, era ratificada por aqueles que participavam do programa.
Uma das virtudes atribuídas ao ‘velho guerreiro’ foi passar longe da celebração dos mitos emergentes da televisão, unindo atrações artísticas que despontavam em movimentos como a Tropicália e o rock nacional.
Espontaneidade manipulada
A partir da década de 1970, a televisão funcionou como veículo de grande alcance e modificou constantemente sua concepção em busca de novos adeptos. Trazida ao Brasil pelo empresário paraibano Assis Chateaubriand em 1951, até 1964 seus preços eram elevados, o que induzia à permanência do rádio.
Com a popularização, o meio começou a ser considerado o porta-voz do povo, lugar para a justiça social, pois nele era possível verificar e reivindicar serviços básicos burocratizados e indisponibilizados pelo governo.
Os programas apresentados por Chacrinha, que tinha tradição na escola no rádio, eram apresentados ao vivo e tinham sempre uma platéia. Era ela que enriquecia a atração: eram pessoas comuns, imunes ao estrelato do mundo midiático, dominado por padrões estéticos, sociais e culturais muito rígidos, que transportavam a realidade do dia-a-dia para os palcos.
Segundo Paiva & Sodré (2002, p. 111), ‘é uma característica atual dos meios de comunicação, que transportam e manipulam industrialmente a espontaneidade popular, visando à captação e ampliação da audiência’.
‘Dicotomia convergente’
Flávio Cavalcanti e Silvio Santos são exemplos de que até hoje é comum conferir ao apresentador poderes que os governantes não têm, o amor do público, e que o público não tem e o poder de comunicação de massa. Por isso, alguns foram e ainda são vistos como ‘heróis do povo’. No caso de Chacrinha, ele tudo podia: falar mal, brincar, se vestir de mulher, jogar bacalhau ou penico na platéia.
O herói era sério e crítico quando necessário, provando que sua forma de apresentar era tão incongruente quanto a situação do povo brasileiro. Sabendo disso Chacrinha dizia: ‘O mundo está em dicotomia convergente, mas vai mudar.’.
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Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas e membro do Grupo de Pesquisa sobre o Cotidiano e o Jornalismo (Grupecj), ambos na Universidade Federal da Paraíba – UFPB