Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cobertura a 10.000 km de distância

A cobertura catarinense dos Jogos Olímpicos em Atenas foi bastante diversificada, se forem comparadas as edições dos principais diários do estado. Os desafios eram tantos quanto os encarados pelos atletas brasileiros: cobrir um evento longo, de proporções globais, num país onde se tem dificuldades para ler até mesmo as placas de trânsito e dependendo, em grande parte, do material distribuído pelas agências de notícia. Com pouca estrutura e sem nenhuma verba real para realizar uma cobertura especial, os jornais fizeram o que puderam, tentando oferecer um produto satisfatório.

Houve erros e acertos, mas no geral, o leitor encontrou pouca ousadia nas abordagens, uma dose cavalar de ufanismo e agradáveis surpresas quando se trazia o assunto para a realidade local. Se cobrir uma Olimpíada não foi fácil para os jornais, acompanhá-la pelas páginas dos diários catarinenses exigiu do leitor um fôlego de maratonista.

DC traz suplemento pouco especial

Os Jogos Olímpicos já ganham destaque no Diário Catarinense no primeiro dia analisado – 10/08 – com foto e chamadas de capa. Nas páginas internas, um selo – Atenas 2004, faltam 3 dias – aparece antes de matéria assinada que trata do ‘novato Thiago no meio das feras’. Além desta, foram publicadas mais três matérias sobre as Olimpíadas nesta edição. No dia seguinte, a maior parte da capa é novamente destinada a fotos de atletas e chamadas relacionadas às competições – o que vai se repetir na grande maioria das edições analisadas. A partir deste dia, poucas são as matérias publicadas nas páginas internas, já que os Jogos ganham um caderno especial. Mesmo o colunista de esportes do jornal, Roberto Alves, deixa os atletas olímpicos em segundo plano, emitindo poucos comentários sobre a atuação dos brasileiros nas competições.

Ao contrário de seus concorrentes, o DC publicou um caderno especial sobre o evento, oferecendo um diferencial aos seus leitores. O suplemento tinha um projeto gráfico específico, com colunas gregas nas margens esquerdas das páginas e acima das matérias frases de técnicos e atletas. Ao lado destas declarações, vinha pequeno box intitulado ‘Fique ligado’ com informações sobre os jogos, principalmente sobre provas e horários. Para exemplificar, podemos apontar informações que foram publicadas neste espaço no dia 14. Na p. 3, o ‘Fique ligado’ traz que ‘O ginasta Mosiah Rodrigues participa da primeira classificatória hoje, às 10h30min’. Já na p. 6, o leitor fica sabendo que ‘A Seleção Brasileira feminina de futebol enfrenta, às 12h de hoje, os Estados Unidos pela 2a rodada’. Do lado direito da página, notas sobre diversos assuntos são publicadas. No dia 11, por exemplo, a cobertura vai de tatuagens dos atletas – ‘Vários atletas, de muitas delegações, marcaram o maior símbolo olímpico nos seus corpos’ – à política – ‘A presença de autoridades como Bush e Blair causou o cancelamento da presença na festa da presidente do partido comunista grego, Aléka Papariga’. Nas páginas centrais do encarte, coloridas, são publicadas fotos, bem abertas, ocupando generosamente todo o espaço.

Na primeira edição do suplemento, no dia 11, as centrais foram destinadas aos atletas catarinenses. O leitor encontrou foto, nome, idade, local de nascimento, esporte que pratica e participação em Olimpíadas dos 19 catarinenses que disputaram medalhas em Atenas. Mais informações sobre alguns desses competidores foram publicadas na edição do dia 15. ‘Torcida de pai fortalece filhos’ foi o título da matéria que descrevia como os atletas iniciaram suas carreiras.

Os infográficos foram muito utilizados nos encartes. No dia 11, o futebol foi o tema. No dia 14, basquete e handebol. Em 15, vôlei, tênis, hipismo e vela. Através desse recurso, o leitor conhecia regras do esporte, espaço dos lugares em que as competições seriam realizadas e a capacidade de público dos estádios e ginásios. Apesar de tornar a transmissão de informações sobre as modalidades mais interessantes do que seriam se apresentadas em um texto, algumas partes deixaram dúvida sobre o interesse que despertariam nos leitores. Um exemplo é o infográfico publicado no dia 11 que traz: ‘A bola oficial de jogo deve ter um peso máximo de 450 gramas e mínimo de 410 gramas, além de uma circunferência não superior a 70 cm e não inferior a 68 cm’. Informação apenas para ‘viciados’ em esporte? Curiosidade ou dado imprescindível?

De uma maneira geral, o DC conseguiu deixar seus leitores a par do que acontecia em Atenas. Todos os esportes em que o Brasil tinha atletas competindo ganharam espaço, mas alguns foram privilegiados. Foi o que ocorreu nas matérias relacionadas a Daiane dos Santos. A ginasta foi tema de matéria em três edições seguidas. No dia 22, ‘Daiane, a musa das baixinhas’, no dia 23, ‘Daiane vai arriscar tudo atrás do ouro’ e em 24, ‘Daiane olha para a frente’.

Na coluna publicada na contra-capa do encarte, assinada por Mário Marcos de Souza – que também foi reproduzida no Jornal de Santa Catarina, a atuação dos atletas ficou em segundo plano. O destaque ficou por conta do dia-a-dia dos atletas e, principalmente, da imprensa. No dia 13, o texto ‘Mulheres de Atenas’ abre a coluna, mas ao contrário do que se poderia imaginar, não trata de atletas que competiam nos Jogos. ‘Ela provocou um pequeno abalo sísmico, com tremores generalizados, ao entrar no complexo de quadras de tênis da Vila Olímpica (…). De calça jeans azul-claro, blusa amarrada acima do umbigo (…)’. A descrição refere-se à jornalista Ines Sainz da TV Azteca, do México, e não pára por aí: ‘Olhem para a cintura, parece de alguém que esteve grávida há tão pouco?’. No dia seguinte, o texto de abertura é intitulado ‘Um dia para esquecer’ e relata os problemas que o enviado do grupo RBS passou no dia anterior: ‘Mudo a pauta. Vamos ao basquete. Entram em cena, então, aqueles que chamamos de ‘malditos voluntários’. Cada um aponta para um rumo diferente’. Nesta edição o colunista acha espaço ainda para dar nota sobre uma revista americana de esporte e também sobre um comercial de um canal europeu. No dia 15, repórteres chineses que dormiam em um bar e a câmera que acompanha os ginastas forma alguns dos assuntos tratados. Além de uma estranha comparação entre gregos e italianos: ‘Não deve haver nada tão parecido com um italiano irritado do que um grego raivoso. Ou seria o contrário?’. O tom de ‘diário de um repórter’ continua. No dia 19, Mário Marcos traz que ‘a repórter do Canal 7, da Austrália, uma loira de cabelo armado e rosto pintado, entra no ônibus dos jornalistas às 7h 30min de ontem e, cheia de entusiasmo, dá em inglês um bom dia cheio de sorrisos e entonações de voz. Teve como resposta apenas alguns grunhidos. Sua alegria era irritante aquela hora da manhã’. Mais adiante, diz ainda que ‘os ônibus que transportam jornalistas a locais de jogos e hotéis são a versão moderna daquilo que a Bíblia chama de Torre de Babel’.

Apesar de editar diariamente um suplemento sobre o evento, o Diário Catarinense – mesmo contando com os serviços de agências noticiosas, inclusive uma da própria RBS -, não trouxe uma cobertura que se sobressaísse ao noticiário oferecido pelos concorrentes. O leitor viu raras matérias assinadas, o que evidencia o uso maciço de material de agência, e houve pouca ousadia no relato desses Jogos Olímpicos. Quem sabe daqui a quatro anos?

Eficiência e exaltação em A Notícia

A Notícia buscou os personagens desta Olimpíada, suas histórias e ‘segredos’ para o êxito nas provas. Foi interessante perceber como a mídia destacou os atletas, realçando aspectos de ‘superação’ e ‘garra’. Bom exemplo disso foi a matéria ‘Atenas faz festa impecável na abertura’ (14/08), onde após a abertura, havia outros sete textos menores com alguns destaques: ‘Torben Grael se emociona durante o desfile’, ‘Borges espera deixar substituto’, ‘Venturini quer se despedir com o ouro’, ‘Basquete feminino também pega japonesas na abertura’, ‘Handebol masculino tenta se superar’ e a mais curiosa, ‘Nostradamus previu tragédia’. Nesta, o jornal de Joinville resgatou uma profecia do astrólogo francês Michel Nostradamus, segundo a qual haveria uma grande mortandade em evento que poderia ser estes Jogos Olímpicos. Na onda do terrorismo, discórdia mundial e crimes banais, o jornal poderia ter evitado uma matéria desse tipo, mesmo porque o tema das Olimpíadas reforça o discurso da paz, da fraternidade e união entre os povos.

No acompanhamento do discurso da população de que esses jogos foram atípicos devido às inúmeras curiosidades, A Notícia destacou o desempenho do time iraquiano de futebol. Em 16/08, trouxe ‘A seleção do Iraque confirmou, neste domingo, sua condição de surpresa’. O time argentino de futebol, eternos rivais do futebol brasileiro, também teve o devido destaque. A cada rodada de jogos, o diário de Joinville publicava os resultados e matérias até analíticas dos momentos do jogo. Destaque para a edição de 15/08 na matéria ‘Argentina vence e se classifica’, onde A Notícia traz ‘A seleção Argentina jogou pouco, mas derrotou a Tunísia’. Aqui, ficou evidente a ânsia dos brasileiros em ver o time argentino vencido.

O Brasil ‘massacrou’, ‘jogou com raça’, ‘acabou com o jejum’, ‘fez uma grande partida’, ‘teve jogo de tirar o fôlego’, fez tudo e um pouco mais, segundo se leu nos jornais. A superação dos atletas nacionais em algumas modalidades foi tratada com euforia e clara satisfação. ‘Brasil dá show e massacra Japão em Atenas. No basquete feminino, as brasileiras marcaram 128 pontos, um novo recorde olímpico da competição’ (15/08).

No dia 16, a primeira medalha foi muito comemorada em todo o país. Em A Notícia, não foi diferente, conforme se viu no dia seguinte: ‘Leandro dá a 1ª medalha ao Brasil. Judoca de 21 anos ganhou o bronze na categoria leve’. Veio a segunda medalha e as histórias ufanistas continuaram: ‘Canto dá a segunda medalha para o Brasil, judoca recebe motivação na ajuda que dá as crianças’. E neste caso em particular, o jornal relacionou o bom desempenho do atleta com suas funções sociais: ‘Um medalhista olímpico, e do judô, todo zen: é Flávio Canto, nascido em Oxford, Inglaterra, que decidiu mudar sua vida depois de não se classificar para a Olimpíada de Sydney/2002, e encontrou motivação para continuar na briga depois de começar a ajudar as crianças da Rocinha, no Rio de Janeiro’.

Após a euforia das primeiras medalhas, o que faltava para delírio geral era a medalha de ouro, tão esperada. A espera terminou no dia 22, e no dia seguinte, A Notícia comemorou: ‘Acabou o jejum. Scheidt é ouro, navegador colocou o Brasil pela primeira vez no topo do pódio nas Olimpíadas de Atenas’. Num trecho declaradamente entusiasmado, o jornal afirmou que a vitória do iatista lavou a alma brasileira, e que após um dia estressante, Scheidt foi carregado pelos companheiros num desfile triunfante.

De forma geral, a cobertura de A Notícia trouxe um conteúdo que pudesse satisfazer o leitor comum, trazendo sempre quadro de medalhas, tabela com resultados e horários das competições envolvendo os brasileiros. O leitor pôde se guiar por essas informações, mas acabou também sendo contagiado pelo clima de torcida que embalou o jornal.

O acerto no foco e o estranho no ninho

A cobertura do Jornal de Santa Catarina ganhou pela regionalização, mantendo seu caráter tradicional. Os nove atletas do Vale do Itajaí que estavam competindo tiveram seu desempenho acompanhado, com direito a matérias, fotos pessoais enviadas para a redação e notas do colunista Cláudio Holzer. Além disso, o jornal contou com reportagens e a seção Diário de Atenas, escritas pelo enviado especial da Agência RBS, Mário Marcos de Souza, colunista esportivo da Zero Hora.

Das 15 edições analisadas, entre 10 e 30 de agosto, todas mencionaram as Olimpíadas na capa. No dia 14, o assunto valeu manchete: ‘O Vale sonha com a medalha’. Em todos os dias, houve publicação de fotos e chamadas na capa. Das 21 imagens da primeira página, seis foram de atletas catarinenses. Em 11 capas, a foto teve grande destaque, como se fosse uma ‘manchete fotográfica’, pois ocupava a primeira dobra do jornal e tinha tamanho privilegiado em relação às demais. Assim, o Santa não deixou de tratar outros assuntos em suas manchetes textuais e chamou a atenção do leitor para a competição olímpica.

Nos primeiros dias, as chamadas apareciam sob a cartola Esportes, mas a partir do dia 12 o selo Atenas 2004 passou a ser utilizado com freqüência. O jornal contextualizou bem a história dos Jogos Olímpicos, a importância dos gregos, a relevância do país-sede e o fato de esta ser a maior delegação olímpica brasileira de todos os tempos. Mas o enviado especial Mário Marcos exagerou. Na primeira semana de cobertura, escreveu sempre sobre o mesmo assunto: a polêmica das obras para sediar os jogos. Foi repetitivo, citando os mesmos exemplos por dias seguidos, como as declarações do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre os atrasos, o dinamismo dos coordenadores de obras e a poeira que pairava sobre toda Atenas.

As trapalhadas do correspondente não pararam por aí. Logo no dia 11, ele descreve como foi difícil encontrar o local onde a ginasta Daiane dos Santos treinava. Pediu informações a quatro pessoas e acabou achando o ginásio por acaso. Seria muito esperar que um enviado especial tivesse subsídios de centros de imprensa, mapas e guias de localização para fazer suas matérias? No dia 13, Mário Marcos descreve o chuveiro de suas acomodações (!) na nota ‘A falta que ele faz’: ‘Tente um dia ensaboar-se com uma das mãos, controlar o chuveirinho com a outra e ainda ter coordenação para evitar que o jato de água tome outros rumos e inunde o banheiro. É uma preferência européia difícil de entender’. Os chuveiros europeus são menores do que os brasileiros, uma das inúmeras diferenças culturais existentes entre as duas partes do mundo. No mesmo dia, o jornal trouxe editorial sobre o tema ‘A trégua olímpica’, falando sobre paz e tolerância entre as nações.

O colunista Cláudio Holzer, baseado em Blumenau, onde fica o Santa, deu informações mais concisas sobre os atletas da região, trazendo até mesmo uma foto pessoal de duas atletas blumenauenses do handebol, momentos antes do desfile de abertura. Na ocasião, as jogadoras de handebol mandaram com exclusividade a foto digital para o colunista. Além disso, durante a cobertura, Holzer deu notas sobre a repercussão dos jogos entre as famílias dos competidores e ‘palpitou’ sobre as provas. No dia 30, quando foi às bancas a edição que fechava o evento, o Santa publicou um quadro com o desempenho dos nove atletas do Vale do Itajaí – de Blumenau, Timbó e Brusque -, que representaram os catarinenses no Atletismo, Ciclismo, Handebol e no Tênis. Ao privilegiar o aspecto regional, o jornal não só cumpriu seu papel de bem informar o leitor sobre a performance dos atletas brasileiros na Grécia, como também encurtou a distância entre Atenas e Blumenau.

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Projeto de acompanhamento da imprensa catarinense, desenvolvido por professores e alunos da Univali (http://www.univali.br/monitor)