A instalação, na semana passada, de uma comissão especial para analisar a PEC 386/09, que restabelece a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão, deverá dar uma nova direção ao debate sobre o tema, que se intensificou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, há um ano, a obrigatoriedade do título.
O STF decidiu que a exigência do diploma é inconstitucional por ferir a liberdade de imprensa e contrariar o direito à livre manifestação de pensamento. Essa foi, à época, a compreensão de oito ministros do Supremo.
A ideia de uma possível mudança na direção do debate é motivada pela composição da comissão especial, formada por deputados que, em sua maioria, defendem a retomada da obrigatoriedade do diploma. O relator da comissão, deputado Hugo Leal (PSC-RJ), já anunciou que pretende manter integralmente o texto da PEC e aprová-lo o mais rapidamente possível, até o próximo dia 24. ‘O meu objetivo é aprovar a PEC do jeito que ela está’, declarou.
Leal pretende ouvir, além de representantes da área, um jurista para debater o julgamento do STF. Na análise do relator, o julgamento não foi focado na exigência do diploma, e sim na liberdade de imprensa, como se fossem teses opostas. ‘Na minha opinião, o julgamento não proibiu a exigência do diploma’, disse o relator.
Resposta
A PEC foi apresentada pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) em resposta ao julgamento do STF. Pimenta considera a decisão do Supremo equivocada, inclusive quanto à interpretação do artigo 220 da Constituição, que trata da liberdade de expressão. ‘O dispositivo constitucional não elimina a necessidade da observância de determinadas qualificações profissionais que a lei estabelecer’, afirma.
Pimenta é formado em Jornalismo e considera que, para exercer a profissão, são necessários mais do que o simples hábito da leitura e o exercício da prática profissional. Ele lembra que o jornalista precisa adquirir preceitos técnicos e éticos para o desempenho de tarefas como entrevistar, noticiar e editar. ‘É evidente que o diploma, por si só, não evita abusos. Contudo, mais certo é que a ausência de formação técnica e de noções de ética profissional potencializa enormemente a possibilidade de os abusos ocorrerem’, afirma.
Segundo o deputado, a exigência de diploma não impede o cidadão de exercer a liberdade de manifestação do pensamento nos veículos de comunicação brasileiros. Para ele, mais grave é a concentração da mídia em poucos grupos, a orientação editorial dos veículos de comunicação e a ‘ditadura dos anunciantes ou do mercado’, que não privilegia a informação isenta.
Registros antigos
O presidente da comissão, deputado Vic Pires Franco (DEM-PA), também jornalista, se disse preocupado com a situação das pessoas que obtiveram registro de jornalista antes da edição do Decreto 83284/79, que tornou obrigatório o diploma. ‘Sou favorável à aprovação da proposta, mas devemos garantir que a PEC não vai prejudicar os registros anteriores a 1979’, alertou.
Paulo Pimenta, no entanto, considera que o direito desses profissionais já foi garantido pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) quando analisou a constitucionalidade da PEC. O relator da matéria na CCJ, deputado Maurício Rands (PT-PE), afirmou estar claro que ‘a alteração constitucional proposta não revoga o direito ao integral exercício e reconhecimento profissional, inclusive sindical, de todos os jornalistas possuidores de registro precário’.
Além da comissão especial, há um colegiado na Câmara que defende a retomada da exigência do diploma: a Frente Parlamentar em Defesa da Exigência do Diploma em Comunicação Social/Jornalismo para o Registro Profissional de Jornalista, coordenada por Rebecca Garcia (PP-AM) e formada por 199 deputados e 13 senadores. A deputada também é vice-presidente da comissão especial e anunciou ser favorável à aprovação da PEC. [Edição – João Pitella Junior]
Íntegra da proposta: PEC-386/2009
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Mais de mil registros foram concedidos a pessoas sem diploma
Desde o dia em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão (17 de junho de 2009), 1.098 pessoas obtiveram no Ministério do Trabalho o registro profissional para atuar na área sem nenhuma exigência.
Nada impede que essas pessoas exerçam plenamente a profissão, mas o deputado Hugo Leal (PSC-RJ), relator da comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 386/09, que retoma a obrigatoriedade do diploma, alerta que a eficácia do registro pode sofrer mudanças na regulamentação da proposta.
‘A situação dessas pessoas é complicada, porque estamos em um período de vacância da lei. São registros provisórios que vão ser regulamentados depois, ainda que o Ministério do Trabalho esteja cumprindo seu papel concedendo os registros’, declarou Leal.
Os registros para esses profissionais vêm sendo emitidos de forma diferenciada. Enquanto o trabalhador com diploma é classificado de jornalista profissional, os sem graduação na área são enquadrados como jornalista/decisão STF. De acordo com o Ministério do Trabalho, a diferenciação visa informar ao empregador se o profissional tem ou não o diploma.
Liberdade de expressão
Ao decidir o assunto, o STF entendeu que o Decreto-Lei 972/69, que regulamenta a profissão de jornalista e foi baixado durante o regime militar, não é condizente com a Constituição Federal de 1988 e suas exigências ferem a liberdade de expressão e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento, conforme Convenção Americana dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
O questionamento foi feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp), que discordavam de acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (sediado em São Paulo) que afirmou a necessidade do diploma, contrariando uma decisão da 16ª Vara Cível Federal em São Paulo, numa ação civil pública.
Na época, o relator, ministro Gilmar Mendes, teve seu voto acompanhado por outros sete ministros, sendo o ministro Marco Aurélio o único a discordar da maioria. Para Gilmar Mendes, ‘o jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada’, disse. ‘O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada’, afirmou o relator.
No mesmo sentido votou o ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ele, ‘o jornalismo prescinde de diploma’. Só requer desses profissionais ‘uma sólida cultura, domínio do idioma, formação ética e fidelidade aos fatos’. O ministro ressaltou ainda que tanto o DL 972/69 quanto a já extinta – também por decisão do STF – Lei de Imprensa (5.250/67) representavam ‘resquícios do regime de exceção, entulho do autoritarismo’, que tinham por objeto restringir informações dos profissionais que lhe faziam oposição.
Faculdades de jornalismo
Ao divergir e votar favoravelmente à obrigatoriedade do diploma de jornalista, o ministro Marco Aurélio ressaltou que a regra está em vigor há 40 anos e que, nesse período, a sociedade se organizou para dar cumprimento à norma, com a criação de muitas faculdades de nível superior de jornalismo no País. ‘E agora chegamos à conclusão de que passaremos a ter jornalistas de gradações diversas. Jornalistas com diploma de curso superior e jornalistas que terão, de regra, o nível médio e quem sabe até o nível apenas fundamental’, ponderou.
O ministro Marco Aurélio questionou se a regra da obrigatoriedade pode ser ‘rotulada como desproporcional, a ponto de se declarar incompatível’ com regras constitucionais que preveem que nenhuma lei pode constituir embaraço à plena liberdade de expressão e que o exercício de qualquer profissão é livre.
‘Penso que o jornalista deve ter uma formação básica, que viabilize a atividade profissional, que repercute na vida dos cidadãos em geral. Ele deve contar com técnica para entrevista, para se reportar, para editar, para pesquisar o que deva estampar no veículo de comunicação’, disse o ministro. [R.B., com informações do Supremo Tribunal Federal (STF). Edição de Marcos Rossi]
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Veja o que diversos países exigem para o exercício da profissão
Diversos países não cobram diploma de jornalista para o exercício da profissão. Entre eles estão Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, China, Colômbia, Dinamarca Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Peru, Polônia, Reino Unido, Suécia e Suíça.
Michel Mathien, professor de ciências da informação e da comunicação da Universidade de Strasbourg III, na França, lista em seu livro ‘Les Journalistes’, de 1995, que em quase toda a Europa, apesar de não haver requisito de formação, existe regulamentação de acesso à profissão.
Nesses países prevalece a concepção de que a liberdade de expressão é incompatível com impedimentos para que qualquer cidadão possa não só ingressar na profissão, mas até mesmo ter seu próprio veículo de comunicação.
O jornalista Mauricio Tuffani, editor do blog Laudas Críticas, defende que os cursos superiores de jornalismo do Brasil sejam o ‘que eles são na maior parte do mundo’: um diferencial, não uma obrigação, na formação de profissionais.
O diretor de negociação salarial da Federação Nacional de Jornalistas, José Carlos Torves, lembra que em alguns países, como nos Estados Unidos, há uma ‘contradição’ nas exigências feitas: ao mesmo tempo em que não se cobra o diploma do profissional, ele só pode exercer a profissão de jornalista se for sindicalizado.
Na América Latina, acrescentou, a maioria não cobra ‘absolutamente nada, nenhum diploma’, mas é a região onde há mais violência contra jornalistas, incluindo assassinatos. ‘Pelo fato de não terem conhecimento da profissão, do código de ética, às vezes os jornalistas desses países avançam o sinal. Há uma relação muito forte entre falta de informação e violência’, disse Torves.
Entre os países que cobram o diploma, estão África do Sul, Arábia Saudita, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia.
Conheça as exigências feitas para o exercício do Jornalismo em alguns países:
Alemanha: não há obrigatoriedade de formação superior; a profissão é regulamentada por meio do reconhecimento conjunto, por parte das empresas jornalísticas e das organizações profissionais, de um período de aprendizado prático de 18 a 24 meses.
Bélgica: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado ao reconhecimento, por parte da organização profissional, de ausência de impedimentos; existem vantagens salariais para os diplomados.
Dinamarca: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado à licença emitida pelo sindicato nacional dos jornalistas.
Espanha: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado a ter nacionalidade espanhola, inscrição no registro de jornalistas e à posse de diploma em ciências da informação ou de experiência profissional de dois a cinco anos.
França: não há obrigatoriedade de formação superior.
Grã-Bretanha: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado a um estágio em empresa jornalística ou, para os que não o conseguirem, a um curso preparatório do Conselho Nacional de Treinamento de Jornalistas.
Grécia: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é obtido por meio de diploma em jornalismo ou experiência de três anos na área.
Irlanda: não há obrigatoriedade de formação superior; não há nenhuma norma formal ou tradicional de acesso.
Itália: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado ao registro na ordem dos jornalistas, que é concedido somente após um estágio de 18 meses e aprovação em um exame de proficiência.
Luxemburgo: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado a licença do conselho de imprensa, que exige o compromisso com princípios deontológicos.
Países-Baixos: não há obrigatoriedade de formação superior; o acesso à profissão é condicionado a licença do conselho de imprensa. [R.B.; edição – Patricia Roedel]