Uma comissão de especialistas recebeu no início de 2009 uma missão do Ministério da Educação (MEC): redesenhar as diretrizes para o curso de Jornalismo. A decisão partiu do próprio Ministério, que entendeu como prioritário para a educação do país rediscutir os rumos dessa área acadêmica. Dentre outras conclusões, a comissão fez a leitura de que é preciso fortalecer o curso de jornalismo como uma área autônoma. Para recolher mais opiniões sobre a proposta de novas diretrizes, a Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE) irá realizar uma audiência pública em Brasília, em 8 de outubro, às 10hs, no auditório do CNE.
As recomendações sistematizadas no documento são: criação de um programa nacional de aperfeiçoamento docente em jornalismo; direcionamento do campo de pesquisa em jornalismo para o aperfeiçoamento da prática; uma consulta da academia às empresas e sindicatos, no intuito de capacitar os ingressantes no mercado em setores estratégicos e reciclar jornalistas já diplomados com objetivo de especializá-los em campos diversos da mídia atual; e a regulamentação dos processos didáticos para a aplicação das diretrizes.
A proposta mais controversa, no entanto, é a de autonomia do curso de jornalismo dentro da área da Comunicação Social. Segundo o documento, ‘a responsabilidade social do jornalismo, seu papel essencial na democracia e a competência específica exigida para exercê-las, lidando com as novas tecnologias, aspectos enfatizados ao longo deste documento, recomendam uma formação fundamentada na ética, na competência técnica, no discernimento social e na capacidade crítica, habilidades que só podem ser adquiridas em uma sólida formação superior própria’.
Prazo para concluir trabalhos
O professor da Universidade Metodista de São Paulo José Marques de Melo, presidente da comissão, conta que o Ministério da Educação já vinha fazendo um levantamento de cursos que estavam desvalorizados no Brasil, e decidiu por revisar as diretrizes do curso de jornalismo. ‘O que nós procuramos fazer é criar uma flexibilidade e não engessar o curso de jornalismo, de forma a valorizá-lo para além de uma simples habilitação.’
As mudanças valorizarão o campo específico do jornalismo na academia e no mercado. É o que pensa a diretora da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) Valci Zuculoto. ‘Uma das coisas que a gente acha que foi positiva foi o reconhecimento das especifidades da nossa área’, relata a diretora. ‘Nós não somos a favor da preparação de um profissional para o mercado capitalista, e sim para ter conhecimento de qual é o seu papel e como servir à sociedade.’
A Comissão teve o prazo de 180 dias para concluir os trabalhos e submeter as propostas para as novas diretrizes para o Conselho Nacional de Educação. Além de José Marques de Melo, fizeram parte dela os professores Alfredo Vizeu (UFPE), indicado pelo Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ); Eduardo Meditsch (UFSC), indicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Luiz Gonzaga Motta (UnB), indicado pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor); Manuel Carlos Chaparro (USP); Sônia Virgínia Moreira (UERJ); Sergio Mattos (UFBA); e Lúcia Maria Araújo, representante do Canal Futura.
Críticas às diretrizes da proposta
Com a sugestão de separação do curso de jornalismo, suscita-se uma antiga discussão acadêmica: a formação do estudante deve ser abrangente ou específica? Embora a comissão tenha concluído a favor da especificação, há setores da academia que não concordam com o método. É o caso da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos). Para um dos coordenadores nacional da entidade, Pedro Alves, as novas diretrizes do jornalismo vem com único e exclusivo interesse de atender à demandas do mercado. ‘A nossa concepção é outra, que garanta a qualidade na formação dos comunicadores sociais, dando suportes técnicos e teóricos para que o comunicador possa exercer sua função social a favor do povo’, diz Alves.
Diretora do curso de comunicação da UFRJ, Ivana Bentes, acredita que a proposta é um retrocesso para a área da comunicação. ‘Essa visão de jornalismo é estreita, arcaica e está sendo defendida por setores corporativistas do jornalismo’, afirma a professora. ‘Com a saída do jornalismo da grande área, isso traria efeito direto não só para essa profissão, mas também para as outras habilitações, que ficariam incompletas.’
Outra crítica feita é em relação à forma adotada para a elaboração das novas diretrizes. ‘O método de formulação da proposta foi antidemocrático porque nada foi divulgado ou debatido nas escolas de comunicação do Brasil’, diz Pedro Alves, da Enecos. ‘Fizemos um mapeamento no primeiro semestre e em muitas escolas, os professores, os técnicos e os estudantes não sabem da existência de uma nova diretriz para o jornalismo.’
Retrospecto histórico
O primeiro currículo de jornalismo veio com a criação do primeiro curso da área, em 1946. Todas as escolas de comunicação do país eram obrigadas a segui-lo. Com a chegada da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, a graduação passaria a ter um currículo mínimo e não mais uma grade fechada, garantindo autonomia e flexibilidade às instituições. Foi então que, em 1962, apresenta-se o primeiro currículo mínimo para o curso de Jornalismo.
Com a chegada da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, iniciou-se uma mobilização para a atualização do currículo do curso de Comunicação Social. Daí então é que, em 1999, com amplos trabalhos junto à diversas entidades da sociedade civil, se formulou as ‘Diretrizes Curriculares para o Curso de Comunicação Social’. A principal diferença dessa vez era que não existia mais um currículo mínimo, e sim indicadores de como seria o curso, que agora abrangia toda a área, mas possibilitava a criação de habilitações, como a de Jornalismo.