Nesta terça, 21 de novembro, Nilson Lage completa 70 anos de idade. O que seria motivo de júbilo, num país com o IDH como o nosso, vai ser razão para uma injustiça: Nilson estará sendo aposentado compulsoriamente da UFSC, porque nossos parlamentares, sempre tão ocupados com seus próprios assuntos, esqueceram de votar uma emenda constitucional que há anos tramita no Congresso para corrigir esta anomalia. Nilson, e tantos outros profissionais e cientistas brilhantes em suas áreas, são mandados para casa ou condenados ao trabalho ‘voluntário’ não-remunerado, no auge de suas capacidades, se quiserem continuar contribuindo com a sociedade com a experiência e a sabedoria que acumularam. Como se tivéssemos muitos jovens Nilsons para substituí-los. Não os temos.
Conheci Nilson Lage por seu livro Ideologia e técnica da notícia, indicado pelo colega de redação Marcos Reis, da RJB e da TVE do Rio, quando estudava para o concurso de professor na UFSC em 1982. Fiquei fascinado com suas idéias e devo à leitura do livro a minha aprovação: tirei dez na prova didática aplicando às notícias do rádio e da TV o método que Nilson usava para explicar a notícia impressa. Nunca antes havia conhecido um autor que expusesse de forma tão brilhante uma teoria da prática profissional. Convenci a banca do concurso e me convenci de que este era o caminho para o estudo do Jornalismo.
Sem o caminho trilhado por Nilson Lage, dificilmente Adelmo Genro Filho teria arriscado o seu, de reivindicar a legitimidade de uma teoria do jornalismo específica. Sem a referência de Nilson, tampouco a UFSC teria levantado a bandeira da autonomia do ensino de Jornalismo em relação ao campo da comunicação, o que acabou se tornando uma proposta pedagógica de referência para o país. Nilson Lage recuperou a auto-estima do jornalismo na academia. Daí ter sido citado na Revista Imprensa, há alguns anos, como um dos autores que mais influenciaram os professores de Jornalismo do Brasil. Daí ser um best-seller na área, com quase uma centena de milhares de exemplares de livros vendidos, número que só não é maior pela miopia de algumas editoras que não reeditam os seus títulos esgotados.
Quando conheci Nilson pessoalmente já era seu seguidor, e passei a fazer campanha para que viesse trabalhar com a gente em Florianópolis. Finalmente surgiu esta oportunidade em 1991, quando se aposentou na UFRJ e tivemos um concurso para professor-titular. O nome de Nilson já era cultuado por seus ex-alunos do Rio de Janeiro, muitos jornalistas de sucesso e pelos leitores de seus livros por todo o Brasil, quando veio para o nosso departamento. Sem dúvida, a presença de Nilson em nosso corpo docente nos últimos 15 anos foi o elemento decisivo para o Curso de Jornalismo da UFSC ganhar a dimensão nacional que assumiu.
Inspiração
Se de certa maneira fui eu quem ‘trouxe’ Nilson para a UFSC, foi ele quem me levou a atuar no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, sua mais recente paixão. Apesar de muita gente pensar assim, isso não significa que tenha se desligado do jornalismo. Pelo contrário, se Nilson mergulhou no mundo da tecnologia é porque encontrou lá uma base científica mais sólida para perscrutar o mundo perseguindo os velhos valores do jornalismo. Haja curiosidade: depois da medicina, da física quântica e dos fractais aplicados à lingüística e à semântica, agora ele estuda sistemas emergentes, robótica, algoritmos e inteligência artificial. Haja juventude: seu plano mais imediato é iniciar um novo doutorado.
Recentemente, Nilson andou adoentado, sob tratamento médico severo. Isso só tem aumentado uma rabugice que sempre fez parte de sua personalidade. Quem não o conhece, se assusta com a língua afiada por décadas de debates acirrados, principalmente agora, pela via da internet, que multiplica as incompreensões à medida que as distancia dos contextos. Mas os gênios têm direito a seus momentos de prima-dona. E, quem conseguiu acompanhá-lo de perto, sem brigar com ele por esses anos todos, surpreende-se com a figura paternal, cariocamente bem-humorada, solidária e extremamente sensível.
Que Deus dê longa vida ao mestre Nilson, e permita que ele siga com a gente, ainda que como voluntário, no momento em que criamos na UFSC o primeiro Mestrado em Jornalismo do Brasil, inspirados na grandeza de sua obra.
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Professor do Curso de Jornalismo da UFSC