Reunidos em Salvador (BA), os representantes dos cursos de pós-graduação em
comunicação aprovaram, com 18 votos, uma abstenção e uma ausência, projeto que
praticamente suprime o estudo do jornalismo no Brasil, no quadro da projetada
reforma universitária. O assunto voltará a ser discutido em junho e outubro pelo
segmento reunido na Compós – Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação , que reúne os cursos
reconhecidos pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível
Superior).
Segundo a corrente dominante entre os comunicólogos, a graduação em
comunicação teria cinco subáreas (Teorias; Processos sociais; Mídias; Processos
de Produção; e Estética e Linguagem). As teorias compreenderiam Epistemologia,
Metodologias, História, Ética e Estética. Os processos sociais seriam Política,
Economia Política, Sociabilidade, Subjetividade, Estratégias e Recepção. As
Mídias incluiriam Rádio, Televisão, Cinema, Fotografia, Vídeo, Internet e
Impressos. Estética e Linguagem compreenderia Produção de Sentido, Crítica da
Mídia, Arte e Mídia. A única referência ao jornalismo está na subárea de
processos de produção, ao lado de Relações Públicas, Publicidade, Editoração e
Organizacionais, o que quer que isso seja.
A ciência de todas as ciências
Trata-se de uma insensatez que dá a medida da arrogância de tais fábricas de
mestres e doutores. Observe-se que o elenco citado compreende estudos
históricos, de filosofia, política, economia, psicologia, administração, letras,
artes – o que significa liquidar ou duplicar quase toda a área de ciências
humanas e sociais, fragmentando unidades de conhecimento consagradas ao longo de
séculos.
É também notável a desinformação das doutas criaturas que consideram a
internet mídia desligada das outras, quando tanto se especula sobre a
congregação de todas as mídias em futuro relativamente próximo na rede ou em
outra com maior capacidade, que já está sendo desenvolvida. A área de Impressos,
por outro lado, com espantosa abrangência, colocaria no mesmo escaninho notas
fiscais, embalagens de rolos de papel higiênico e a Bíblia de Gutenberg.
Da maneira como os donos da bola concebem a universidade, Medicina, por
exemplo, seria uma prática das ciências da saúde, a que se destinaria algumas
horas de reflexão após o domínio da Biologia, da Química Orgânica, das ciências
da cognição, da ética, estética, história, epistemologia etc. Belos médicos
sairiam daí!
Qui podest?
A quem interessa tal conglomerado de disparates?
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Às escolas particulares, certamente, porque é muito mais baratoministrar cursos sobre generalidades (é até engraçado falar de epistemologia da
comunicação quando o objeto de estudo é totalmente indefinido e os métodos de
abordagem envolvem áreas científicas) do que equipar laboratórios e desenvolver
projetos que aprimorem conteúdos e modelos da informação jornalística.
Ultimamente as particulares vêm investindo em pós-graduação e a extrema
interdisciplinaridade dos programas de pós-graduação em comunicação facilitam
essa expansão em nível altamente lucrativo.
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Aos programas de pós-graduação em comunicação das universidadespúblicas, porque assegura mercado para os atuais doutores e os que estão sendo
fabricados, impedindo a invasão da área pelos jornalistas que tiveram o topete
de se doutorar também – e com muito mais consistência – em áreas como Engenharia
de Gestão do Conhecimento, Ciências Políticas, Design, Lingüística, Direito e
até mesmo Comunicação, neste caso com estoicismo.
Prática, sim
Jornalismo é uma prática que mobiliza competências em vários campos – como
acontece com a Medicina, as engenharias, o Direito ou Administração. É o que se
ensina em escolas classicamente chamadas de ‘faculdades’. Pode-se teorizar sobre
jornalismo como se teoriza sobre Direito, Medicina ou qualquer outra prática. E
a faculdade que forma jornalistas vai beneficiar-se dessas teorias, em lugar de
requentar saberes do início do século passado, infinitamente repetidos pelos
comunicólogos.
Dentre as práticas de nível superior, os jornalistas têm graves
responsabilidades sociais e lidam com tecnologias cada vez mais complexas – o
que já justificaria um curso de graduação específico, como o que ajudamos a
instituir na Universidade Federal de Santa Catarina.
A reforma universitária é a oportunidade que temos de criar e orientar cursos
de graduação e pós-graduação – estes jamais permitidos pela confraria enquistada
em órgãos do Ministério da Educação.
Direitos atingidos
Onde situá-lo? A resposta parece estar no enlace entre os cursos de
Jornalismo e os de Ciências da Informação, oriunda da Biblioteconomia, mas que
ampliou objetivos e incorporou competências à medida que se avançava na
tecnologia dos computadores e redes telemáticas. São áreas de estudo distintas,
mas que, preservando sua autonomia, podem trocar experiências. Organizar
informação em bancos de dados e captá-la por softwares inteligentes é cada vez
mais necessário em jornalismo; ao mesmo tempo, os cientistas de informação
deparam com a necessidade de tratamento semântico, que depende da produção de
textos e imagens – para, por exemplo, o ensino à distância ou a popularização do
conhecimento científico, tão importante para o país. A automatização plena de
texto e imagem, ainda que tosca, não é previsível a curto ou médio prazo.
A prevalecer a concepção da Compós, haverá não apenas um retrocesso no
jornalismo brasileiro, mas se atingirão direitos adquiridos, por exemplo, na
ocupação de cargos públicos de jornalistas (nas assessorias, nas televisões e
rádios estatais) mediante concurso para avaliação de competências.
A legislação atual, que atribui o título de bacharel aos jornalistas, estará
superada, uma vez que se refere a cursos de jornalismo (não previstos no esquema
dos comunicólogos) e a cursos de comunicação, habilitação em jornalismo, que
deixarão de existir.
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Jornalista, professor titular do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina e do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Gestão do Conhecimento