A declaração do título é forte, mas é assim que o jornalista Carlos Tautz descreve a incompreensão das pessoas sobre o jornalista ambiental. Tautz começou a cobrir meio ambiente por contingência da profissão. Com o tempo, pegou gosto e hoje é referência entre os colegas. Já cobriu duas cúpulas da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento e uma Cúpula Mundial da Água, para a Folha de S. Paulo e o Jornal do Brasil, trabalhou na revista Ecologia e Desenvolvimento e, atualmente, está no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, o Ibase, ONG fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Por telefone, Tautz concedeu a entrevista que se segue.
***
Como foi sua entrada no jornalismo ambiental?
Carlos Tautz – Como a maioria dos jornalistas que trabalham num mercado muito reduzido, não foi uma escolha minha. Foi uma contingência da profissão que acabou se tornando uma preferência. Daí, eu tentei criar na minha profissão os caminhos que me levaram à cobertura do meio ambiente. Mas, inicialmente, não procurei. Começou em 1987, quando eu trabalhava numa revista chamada Cadernos do Terceiro Mundo, que fazia cobertura muito intensa da questão ambiental em nível internacional que, naquela época, começava a emergir com muita força.
Defina o que seria a pauta ambiental.
C. T. – Eu acho que não existe uma pauta ambiental em si. O que existe, o que desperta interesse de jornais e jornalistas, são os impactos que os modelos de desenvolvimento causam sobre o meio ambiente natural. Por exemplo: ninguém escreveria que o bioma amazônico está em equilíbrio, se ele assim estivesse. Mas, desperta interesse de todos os meios de comunicação, nacionais e internacionais, as queimadas na Amazônia, a derrubada da floresta. Por quê? Porque ali está sendo aplicado um modelo de desenvolvimento que na realidade é apenas um crescimento econômico e que de desenvolvimento não tem nada –causa um impacto profundo sobre aquele bioma. Portanto, esse impacto é que causa o interesse da imprensa.
Outro exemplo: a Baía de Guanabara. Ninguém escreveria que a baía segue o seu curso normal sem que nada de extraordinário tenha acontecido. Isso não é notícia. O que é notícia é um vazamento na baía ou quando populações tradicionais de pescadores desenvolvem sistemas de manejo dos mangues que ajudam a alimentar a baía e, portanto, contribuem para a saúde ambiental. Então, o que desperta interesse dos meios de informação são os modelos de desenvolvimento. Ora aqueles impactantes, que causam derrames de óleo e coisas do tipo, ora aqueles em equilíbrio com o meio ambiente natural.
E o ‘modelo jornalismo-tragédia’, que a imprensa criou em cima da questão ambiental?
C. T. – Não é só apenas quando acontece tragédia que meio ambiente vira pauta. Em muitos casos, já existem matérias sendo feitas e até algumas séries bem aprofundadas, investigativas, que não seguem essa lógica da tragédia. Ao contrário, já existem algumas iniciativas que procuram cobrir o fenômeno ambiental como um processo, o que de fato deveria ser feito. E mais do que isso, elas dão um passo adiante, não apenas mais para cobrir o fenômeno ambiental, mas para cobrir o que de fato é importante nesta questão ambiental: os modelos de desenvolvimento, o paradigma do desenvolvimento. São eles que criam impactos positivos ou negativos sobre o meio ambiente natural e a sociedade. Portanto, no fundo, o objeto de interesse jornalístico não é o meio ambiente em si, mas os modelos de desenvolvimento que criam impactos ora positivos, ora negativos.
Você escreveu num artigo que ‘fazer jornalismo ambiental às vezes custa muito caro’. Por quê?
C. T. – Em especial, fazer investigação no jornalismo de meio ambiente custa caro, como custa caro fazer investigação em qualquer área do jornalismo, seja na política, na economia, no esporte, enfim. No tocante ao meio ambiente, existem alguns custos extras, como cobrir um país com as dimensões do Brasil. Isso significa viagens, significa dedicar uma equipe de pelo menos um repórter e um fotógrafo para cobrir determinado assunto, durante certo tempo. Na medida em que as empresas de comunicação estão vivenciando crises econômicas e financeiras muito intensas, cobrir uma pauta custa mais do que as empresas são capazes de suportar economicamente. Isso se dá em função de um erro que as próprias empresas cometeram: elas se endividaram pesadamente em dólar – e aí não há exceção, todas estão endividadas. Com isso, acaba prejudicado o exercício do jornalismo, que é a função precípua dessas empresas.
Quanto à linguagem utilizada nas reportagens: alguns veículos abordam o assunto de forma muito científica. Você não acha que isso torna o texto incompreensível para muitos leitores?
C. T. – Acho que não. A mesma crítica poderia se colocar para todos os outros setores que são objeto de interesse do jornalismo, como economia e política. Eu acho que a geração de jornalistas que mais recentemente vem se interessando por esse tipo de cobertura tem muito claro que não pode reproduzir, na cobertura de meio ambiente, o discurso científico. Esse, sim, é um discurso hermético, feito para que a sociedade leiga não entenda. É um discurso corporativo trabalhado na academia para a academia, para gozo e desfruto, exclusivamente, da academia, e não da sociedade que, em tese, deveria ser o objeto de trabalho e interesse dessa ciência.
E o ‘ecologês’? A jornalista Ilza Tourinho disse num artigo que muitos jornalistas são tentados a fazer uso desse ‘idioma’.
C. T. – A mesma crítica pode ser feita a qualquer área de cobertura. Você pode eventualmente pegar um advogado, um juiz ou um procurador que vai falar em ‘advoguês’ hermético feito para não ser entendido pelos não-iniciados. Isso não se dá especificamente no jornalismo voltado às questões do desenvolvimento, mas é um risco que se corre em todas as áreas do jornalismo.
Qual a repercussão que reportagens sobre meio ambiente causam na população?
C. T. – Dependendo da forma como ela é apresentada e do interesse que os meios de informação têm de perseguir esse assunto, pode causar interesse. Como qualquer coisa, por sinal. O que nós temos que ter em mente é que os modelos de desenvolvimento que a humanidade vem escolhendo, particularmente desde o fim do século 18 e início do século 19, quando começa e se articula aquele fenômeno histórico conhecido como Revolução Industrial, é um tipo de desenvolvimento que vem gerando problemas cumulativos no planeta. O mais evidente são as mudanças climáticas. Se você apresentar fenômenos complexos, mas de uma forma de fácil leitura e de imediata compreensão, aí sim, você não corre esse risco.
Então o jornalista teria que exercer um papel pedagógico também?
C. T. – Não resta a menor dúvida. Isso se dá em todas as áreas, mas principalmente nas áreas relacionadas às ciências da vida e à cobertura dos fenômenos ambientais. O papel do jornalista que cobre essa área é, além de informar, comunicar e educar. O papel pedagógico dele é muito evidente. E ao escolher esse segmento tem que ter em mente que ele não apenas vai informar, mas também educar. Educar mais no sentido lato.
Você diz que a baixa qualidade do jornalismo ambiental não é culpa dos jornalistas. Então seria culpa de quem?
C. T. – Não é culpa apenas do jornalista, mas também da cúpula das empresas de comunicação. É culpa, em parte, do repórter: ele tem um espaço de propor pautas novas, investigativas, de assuntos que, à primeira vista, podem ser áridos, complexos, difíceis, mas que têm um interesse muito grande para a sociedade. Já por parte das empresas de comunicação, acho que é um erro estratégico não despertar a atenção da população para esse tipo de assunto. Porque, a longo prazo, se você se fixar apenas em assuntos de interesse imediato e superficiais, como a vida íntima de determinadas pessoas, isso vai gerar desinteresse, a população vai dar uma importância menor aos meios de informação. Isso acarreta perda de leitores e consumidores, o que talvez esteja na raiz dos problemas financeiros que todas as empresas de comunicação vivem hoje no Brasil.
Então a questão é mais financeira e não política?
C. T. – É uma má compreensão estratégica do problema do desenvolvimento. As empresas se resumem a cobrir o factual, com isso dão menos importância a cobrir um processo que precisa também ser coberto. Assim como as alternativas que se colocam ao desenvolvimento em nível global hoje necessitam ser cobertas, elas necessitam ser debatidas. Neste ponto, é necessário que os meios de informação e os jornalistas em geral exerçam, como já foi dito, esse papel pedagógico.
Existe alguma diferença de abordagem do jornalismo ambiental da grande e da pequena imprensa?
C. T. – Como regra geral, elas seguem a mesma lógica, não importando o tamanho do veículo de informação. Eu noto diferença nos veículos de entidades ambientalistas e associativas. Esses, sim, não fazem uma escolha estratégica pela superficialidade, pela notícia fácil, apenas pelo fato diverso. Muitas vezes cumprem com muito mais profundidade esse papel pedagógico e, portanto, acabam dando uma contribuição à disseminação de informações críticas muito mais relevantes do que jornais de grande tiragem. Quanto ao tamanho do jornal ou da revista, não vejo grande diferença. Acho que a lógica permanece seja numa cidade pequena do interior ou numa capital.
A imprensa, num geral, está se especializando mais em meio ambiente?
C. T. – Isso varia muito. E não é só a imprensa. Há empresas e empresas. Em algumas regiões do país, a pauta ambiental é intrínseca a qualquer meio de informação. Como na Região Norte e na Região Amazônica: cobrir o desenvolvimento e seu impacto sobre o meio ambiente é parte da vida desses meios. Por um lado, se pegarmos jornais de grandes metrópoles, revistas ou sites dedicados à cobertura da vida nas grandes metrópoles, vemos uma baixa periodicidade e uma baixa qualidade da cobertura. Mas isso não pode ser aplicado como uma tabula rasa. Há muitas variações, muitas nuances.
Como o senhor vê o jornalismo ambiental no Brasil hoje?
C. T. – Eu prefiro chamar não de jornalismo ambiental, mas de jornalismo para o desenvolvimento. E aí você tem iniciativas muito interessantes. Por exemplo, a TV Cultura, que tem o projeto ‘Mar Sem Fim’. Esse é um projeto de três ou quatro jornalistas para documentar o litoral brasileiro de Norte a Sul que está sendo veiculado pela TV Cultura todos os domingos. É uma iniciativa e tanto. E há outras situações em que não é verificada essa importância estratégica da cobertura e do fenômeno ambiental e, em especial, do impacto que os modelos de desenvolvimento causam sobre o meio ambiente.
Em outros veículos, não é dada essa importância devida. E diria que há uma variação muito grande de região para região, de veículo para veículo e, até uma variação em função da época do ano. Por exemplo, hoje os assuntos que dominam o noticiário são os sucessivos escândalos político e financeiros e casos de polícia. Portanto, neste momento, qualquer questão mais crítica com relação ao desenvolvimento vai ganhar menos espaço, ou nenhum espaço.
Algumas pessoas taxam os jornalistas ligados a essa área de ativistas. Como o jornalista poderia abordar esse tema de forma a não ser tratado dessa maneira?
C. T. – Antes de mais nada, isso é uma tremenda estreiteza de visão e expressa uma burrice de comportamento. E aí, não há outro termo para utilizar, não há como ser menos enfático. É uma burrice quem trata essa área dessa forma. Expressa uma falta de conhecimento elementar sobre o que são os espaços, os limites, os objetivos do jornalismo mais crítico.
Eu, sinceramente, não tenho outra forma de me referir a esse tipo de comportamento a não ser dessa forma. E burrice a gente trata com um pouco de pedagogia também, ensinando o bê-á-bá, o porquê das coisas. Às vezes, faltou esse tipo de ensinamento em casa e na escola, então, a gente tem que ser um pouco professor de colega burro.
******
Editora-chefe da revista eletrônica Canal da Imprensa, aluna de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)