Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Construções da mídia

Nestas últimas semanas em que tantas celebridades ganharam destaque (alguns positivos, outros nem tanto) na mídia por suas participações e estratégias para ganhar visibilidade, o MONITOR DE MÍDIA apresenta dados importantes para compreendermos o real significado da pandemia de Gripe A.


Foi assim que o sumiço de Belchior foi valorizado por reportagens que o trouxeram de volta às manchetes, após longo período de esquecimento, desta vez não por sua música, mas por suposições misteriosas. Da mesma forma a cantora Vanusa, que se consagrou cantando as canções do próprio Belchior, entre outras, ganhou destaque por uma interpretação nada convencional do hino nacional brasileiro. Sem entender o meio em que mergulhava, a apresentadora e ex-modelo Xuxa Meneghel atravessou o samba do Twitter (microblog) ao comprar briga em nome da filha que atravessou a Língua Portuguesa.


A Gripe A, segundo a análise do MONITOR, segue o mesmo caminho e ganha as manchetes com propriedade, mas com certo exagero na comparação com tantos outros males que fazem parte de nosso triste cotidiano de mortes por falta do que há de mais elementar – o saneamento básico.


Nesta edição ainda cobrimos a reunião de estudantes de Jornalismo de todo o Brasil promovida pelo jornal O Estado de São Paulo e examinamos quem são esses jovens que querem ser os futuros mediadores entre fato e público. Na entrevista do mês, o diretor do Instituto Primeiro Plano de Florianópolis, Odilon Faccio, apresenta as ações que pretendem fazer dos municípios catarinenses, exemplos de planejamento para alcançar os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Boa leitura e boa análise.


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Quem é aquele moço do jornal?


Yana Lima


São em média quatro anos na sala de aula, alguns cadernos, vários bloquinhos de anotações, um saldo numeroso de e-mails e telefones de contatos, uns livros-bíblias indispensáveis, canetas e muita cara de pau. Mais de dez mil novos jornalistas por ano deixam as 377 escolas de jornalismo credenciadas ao MEC. Entre cursos de graduação e habilitação, esses focas (apelido dado aos jovens jornalistas) se formam aptos a atuar em rádios, jornais, revistas, televisão, sites, assessorias de imprensa e onde mais for preciso, para que as notícias cheguem da melhor forma àqueles que procuram estar sempre bem informados.


O jornalismo é tido como uma das profissões mais saturadas no mercado latino-americano – como aponta o portal InfoMoney -, com baixos salários e, recentemente, sem a necessidade de um diploma para ser exercido no Brasil. Mesmo com tantos percalços, os jovens apontam diversas razões para justificar a escolha. Paixão, liberdade, talento. A maioria deles quer mesmo é fazer do jornalismo seu ‘ganha pão’, seja nos grandes veículos jornalísticos ou nos pequenos jornais do interior.


Aproveitando a Semana Estado de Jornalismo, que reuniu estudantes de todo o país na sede do jornal Estado de São Paulo, o MONITOR DE MIDIA procurou identificar quem é o jovem jornalista brasileiro e assim traçar um perfil desses que em breve mostrarão seu trabalho nos meios de comunicação. Pela primeira vez em todas as edições, o evento foi aberto também a alunos de outros estados do Brasil. Para não perder a oportunidade, alguns rodaram quase dois mil quilômetros até chegar a São Paulo, outros precisaram pegar o metrô pela primeira vez na cidade grande, e teve gente com a cara amassada nos vidros dos ônibus coletivos no horário de rush, a lotação das 18 horas, na maior cidade do país. Mas nada disso impediu que durante quatro dias, quase 200 estudantes se reunissem no auditório da Agência Estado.


A dúvida era entre jornalismo e história. Pedro Augusto de Oliveira Proença teve que decidir, assim como a maioria dos vestibulandos, muito cedo o que iria cursar. Ele tinha 17 anos quando passou no curso de História na Universidade de São Paulo – USP. Hoje, com 19 anos, no quarto semestre de jornalismo da Cásper Líbero, ele conta que não se sentia maduro para a opção feita naquela época. ‘Entrei na USP justamente no ano em que houve a invasão da reitoria, com greves de funcionários e estudantes. Não gostei do ambiente e achava as aulas muito densas’. Pedro queria mesmo era conciliar uma profissão com o que mais gosta: esporte. Trancou o curso de História e foi aí que optou pelo Jornalismo. Palmeirense, de Guarujá, ele quer seguir a carreira de jornalista esportivo e diz que tem algumas habilidades que justificam a opção. ‘Não sou como o PVC – Paulo Vinicius Coelho, na opinião de Pedro, o melhor jornalista esportivo do Brasil – que sabe de cor a seleção da Tchecoslováquia vice-campeã mundial de 1962, mas tenho boa memória’, brinca.


Depois de ter tomado gosto pelo jornalismo literário na faculdade, Pedro diz que quer sim ser jornalista, que tem certo receio em relação ao lado financeiro, mas que ainda acha meio cedo para pensar nisso. O ex-estudante de História quer voltar à sala de aula da USP para complementar o atual curso. ‘Acho que o Jornalismo é ainda superficial e não possibilita uma bagagem de cultura geral’. Entre cursos de inglês, francês e espanhol, Pedro escreve sobre futebol – um de seus textos foi publicado na revista Brasileiros – e acha complicado traçar metas de realização, mas gostaria de trabalhar numa revista ou quem sabe, pensando alto, na ESPN Brasil.


Logo que começou a falar naquela quarta-feira, 12 de agosto, o jornalista Carlos di Franco – que viria mais tarde discutir ética no jornalismo com os alunos – explicou um pouquinho da ‘bolha’. Referia-se à bolha na qual vivem os colegas de profissão. ‘Jornalista sai com jornalista, casa com jornalista, mora e vai a bares de jornalista’. Era fácil perceber isso dentro daquela sala. Numa das primeiras poltronas em frente à porta do auditório estavam Maria Maurente, 19, e Mateus Ferraz, 25. Os dois são gaúchos, namoram e moram juntos. São estudantes da Unisinos, que fica em São Leopoldo, Rio Grande de Sul, e sabem desde criança o que queriam ser: jornalistas.


Matheus conheceu uma redação de rádio ainda pequeno e gostou daquilo. Mesmo assim, na hora do vestibular ele optou por Administração. Depois de três semestres de curso, ele foi para Engenharia Mecânica. Mais três semestres e não adiantou, ‘sabia que o que ia me deixar feliz era o Jornalismo, não teve jeito, mesmo sabendo que a remuneração seria baixa’. Matheus largou o emprego na Pirelli – que lhe rendia mais do que o piso da atual opção – e foi se dedicar à faculdade de Jornalismo. O estudante diz se identificar com rádio e esportes, e se tivesse que escolher outra profissão, seria… professor de História. Será que qualquer semelhança é mesmo mera coincidência?


Maria Maurente conta que assim como Mateus, sabia que queria ser jornalista desde pequena. E gosta de rádio também. Só que Maria, conheceu cedo muitas das dificuldades do ofício. Filha de jornalista, ela sabe muito bem o que é ter a mãe em casa só depois da meia-noite. O glamour da profissão se desfez ainda mais na faculdade, mas não adiantou muito. Hoje, a estudante, que está no terceiro período do curso, já trabalha numa agência de comunicação e se convenceu de que é isso mesmo que quer fazer. ‘Jornalismo oferece muitos campos de trabalho e essa possibilidade de experimentar é que me atrai’.


Habilidade. Uma das palavras mais usadas para justificar a opção de carreira. Thaís Barreto, 24, diz ter desde criança habilidade com certas disciplinas no colégio. Não deve ser Matemática ou Física. Filha de ex-preso político, a estudante de Jornalismo parece já ter adquirido o tempero engajado do baiano. Apesar de ter nascido em São Paulo, Thaís tem aquele sotaque arrastado bom de ouvir e atualmente estuda no Centro Universitário da Bahia. Com uma visão diferente dos demais estudantes com os quais conversamos, ela é daquelas que vê no Jornalismo uma possibilidade de mudança social. ‘Jornalismo é uma cooperação, uma luta contra interesses. É libertação’. Apesar de gostar de onde vive, Thaís quer buscar outros ‘ares’ depois de formada. Pretende voltar para a terra natal ou procurar algo no exterior. ‘Não temos um jornal de relevância na Bahia e o espaço de trabalho também é restrito’.


No mesmo barco de migrar para a cidade grande estão Júlio Ettore Suriano, 22, e Diego Vieira, 19. Eles escolheram morar em Florianópolis e estudam na Universidade Federal de Santa Catarina. Apesar das belezas locais, os dois manifestaram a vontade de mudar para outros centros quando formados, por conta do mercado de trabalho. ‘Não quero ficar em Santa Catarina pelo salário. Nosso piso é ridículo’. Diego sabe que o começo de carreira é difícil e diz que topa ser ‘pau pra toda obra’. Ele quer buscar alternativas em grandes centros e citou Brasília como uma dessas possibilidades. Isso porque o estudante de Sombrio já sabe o que caminho que pretende seguir: jornalismo político. Como não passou no vestibular da UFSC, ele começou a cursar Geografia na Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. Depois de aprovado, tentou conciliar os dois, mas com a oportunidade de fazer estágio na área de Jornalismo, Diego optou por trancar o primeiro curso. Mesmo assim, ressalta que quer graduar-se em ambos.


O colega de faculdade Julio Ettore fugiu da selva de pedras, como ele mesmo disse, aos 13 anos. Mudou de São Paulo para Florianópolis. Agora, de volta à terra natal, ele conta ter andado de ônibus em Sampa pela primeira vez, e apesar do cenário bem diferente das praias catarinenses, topa encarar esse trânsito caótico novamente após a faculdade. ‘Quero sair de Floripa porque não tem emprego’. A escolha de Julio no vestibular foi baseada em aptidões, se destacava na escrita. Sem saber o que fazer, ele tentou a sorte: ‘não tem tu, vai tu mesmo’, diz o estudante. Hoje ele se acha pouco romântico e muito mais cético em relação à profissão. Gosta de TV e rádio e quer sobreviver deste trabalho. ‘Quero ser reconhecido por conta do meu conhecimento. Poder vivenciar diferentes realidades e explicá-las para o público’.


Lembra quando no começo deste texto, citamos alguém que tinha percorrido quase dois mil quilômetros para chegar até o Jornal Estadão. Pois bem, eis Cristiano Casado, 27, diretamente da Universidade Federal do Alagoas, em Maceió. Apesar de não ter colado grau ainda, já não é mais estudante. Apresentou a monografia, na qual abordou o preconceito lingüístico: sotaques no telejornalismo. ‘Gostaria de trabalhar na edição de impressos ou TV’. Além de participar da Semana Estado de Jornalismo, Cristiano estava ali com uma outra missão: sondar o mercado de trabalho em São Paulo. Será mais um querendo migrar? Ele justifica que em Alagoas o mercado é restrito. ‘Não espero que o Jornalismo me torne rico, mas pretendo viver disso e vou sentir-me realizado’. Mas não foi assim de primeira que o mais novo foca se interessou pela profissão. Cristiano começou a cursar Comércio Exterior, mas viu que não era ‘aquilo’. Tentou Jornalismo mais de uma vez e quando conseguiu, se decepcionou com questões estruturais do curso. Foi o envolvimento com o centro acadêmico, com professores, colegas, e com as atividades extras que o motivaram a continuar.


A participação como ouvinte, ao vivo num programa de rádio, foi decisiva para Angélica Neri, 20, de Auriflama, interior de São Paulo. Aos 13 anos, Angélica ligou para a Rádio Nova Difusora AM, afilhada da Jovem Pan e fez uma pergunta para o vereador que estava sendo entrevistado. No ar mesmo o locutor a chamou para trabalhar lá e assim foi. Desde então, ela conhece muito bem os bastidores do rádio e começou a faculdade já trabalhando num jornal impresso. Mas ela quer tentar novas experiências como trabalhar em TV e assessoria, áreas que ainda não conhece. ‘Não gosto da pressão do impresso e sei que o rádio paga pouco’. Mesmo tendo caído de pára-quedas no Jornalismo, Angélica ama o que faz e para ela, Jornalismo é uma atividade apaixonante.


Opiniões que se assemelham e estilos bem diferentes. Apesar das preferências, esses jovens e tantos outros com os quais conversamos durante a Semana sabem que precisam conhecer e estar prontos para qualquer oportunidade. Rádio, televisão, jornal, revista, assessoria, internet, não importa. É preciso botar a mão na massa e cumprir com o papel do jornalista. Informação é prestação de serviços e se deve estar preparado para isso. Você pode encontrar um desses futuros novos jornalistas no Orkut, MySpace, Facebook, Twitter, corredores de faculdade, onde há ‘fogo’, fatos e uma boa história para se contar.


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Quando o jornalismo é a pauta: Semana Estado de Jornalismo


Yana Lima


Jornalista discutindo jornalismo, sustentabilidade, ética, administração de carreira, Twitter, mercado de trabalho, qualidade, público e até censura nos tempos modernos. É mais ou menos assim que funciona a Semana Estado de Jornalismo, um debate que inclui de tudo um pouco. Uma troca de conhecimentos entre profissionais e estudantes que muito em breve estarão no mercado de trabalho.


O programa oferecido pelo Jornal O Estado de São Paulo em parceria com o Banco Santander existe há 16 anos e era oferecido somente a estudantes paulistas. Neste ano, a oportunidade foi estendida também aos demais estados. São quatro edições por ano, separadas por escolas de jornalismo. Quem participou de todas as palestras e debates pôde também participar do Prêmio Santander Jovem Jornalista que ao final das edições, seleciona um aluno para estudar na Universidade de Navarra, na Espanha. O assunto da pauta proposta para essa edição foi ‘desenvolvimento sustentável’ focado em inovações na área da educação.


O MONITOR DE MIDIA esteve na primeira edição de 2009, aberta para estudantes de todo o país. Para chegar até lá foram necessários alguns ônibus, metrôs e umas horinhas no trânsito paulista em todos os dias. A sede do jornal fica numa esquina um tanto quanto movimentada, em plena Marginal do Tietê.


Trouxemos um pouquinho do que foi debatido entre os dias 10 e 13 de agosto no auditório do Estadão, que completava naquela data, seu décimo dia sob censura (leia mais sobre o assunto: Estado sob censura).


Quanto vale o Planeta?


O primeiro dia foi de pesar a consciência. Hugo Penteado, economista-chefe do Santander Asset Management, falou da guerra declarada contra o Planeta Terra e da relação errônea entre economia e meio ambiente. A crítica foi diretamente aos colegas de trabalho e estende-se a todos os habitantes dependentes da natureza. Esse ciclo do dinheiro que extrai, produz, consome e descarta, conforme explica Penteado, faz do meio ambiente um subsistema da economia. Essa prática de ‘vale tudo pelo dinheiro’ para o economista não é somente uma evidência de crise política, econômica e ambiental, mas é também exemplo de crise espiritual e moral.


‘Mas a conta disso já está chegando e é cara’, alerta. Essa economia do descarte é baseada em três mitos: ‘o sistema econômico é neutro para o meio ambiente; o meio ambiente é inesgotável; e todas as benesses sociais dependem do crescimento econômico’. Penteado reforça que essa mudança proposta por tantos protocolos e grandes organizações precisa acontecer também nas atitudes diárias de cada um. Na carona para o trabalho, na torneira que se fecha, na luz que se apaga e em outros pequenos grandes detalhes. Essa é a saída para o sistema atual. Não basta falar em sustentabilidade – não é boutique e nem deve ser vinculada a negócios. Hugo propõe que a mudança seja interna e que ‘a economia passe a servir às pessoas’ e não o contrário como acontece.


Algumas frases clichês – que conhecemos, mas parecemos não entender -, conselhos e reflexões morais sobre um assunto antigo que está o tempo todo na mídia e parece que não vai deixar de ser atual. Para quem se interessa pelo tema e quer conhecer um pouco mais sobre economia solidária e desenvolvimento sustentável, o trabalho de Hugo Penteado é detalhado no blog ‘Nosso Futuro Comum’. Sobre o jornalismo, Penteado critica essa fragmentação das áreas de economia, política e meio ambiente, quando tudo isso está intimamente ligado.


Administrando a carreira


Parece que ter uma profissão não basta. É preciso ser um bom administrador para dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo acontecendo a nossa volta. Como aqueles figurões do jornalismo chegaram lá? Para explicar um pouco desses percalços, três gerações de jornalistas compareceram à Semana Estado de Jornalismo. O mais novo deles, Pedro Dória, é editor-chefe do Estadão digital, Filomena Salemme é editora-chefe da Rádio Eldorado e Renato Lombardi é jornalista e analista de políticas de segurança e justiça da TV Record.


A reunião de profissionais de três áreas diferentes trouxe à tona o tema jornalismo on-line. A internet veio para acabar com jornais, rádio e televisão? Nada disso e os profissionais explicaram um pouco dessa nova fase do jornalismo. ‘A internet uniu-se ao rádio. Quebrou qualquer barreira que o rádio tinha de chegar aos mais diversos lugares’, comenta Filomena Salemme. Para ela, o que o jornalista precisa saber é adaptar o conteúdo e oferecer informação de todas as maneiras para o ouvinte, seja na internet, no rádio, no celular.


Mesmo com esse novo advento instantâneo da informação, o jornalista Pedro Dória acredita que ainda sim o que sustenta o jornalismo são o rádio, o jornal impresso e a televisão. Ele estudou na Universidade de Stanford, na Califórnia, como os jornais norte-americanos fazem a migração para a web. Um dos dados mais interessantes revela que a venda de jornal impresso começa a cair quando a conexão banda larga atinge 30% das residências de um país. Segundo Dória, isso acontecerá no Brasil por volta do ano de 2011.


Na casa dos ‘sessenta’, Renato Lombardi viveu diferentes épocas do jornalismo, apurou matéria no orelhão de ficha e se adaptou a todas as fases de transição. ‘A gente tem que ter humildade e perguntar quando não sabe. O dia em que você achar que sabe tudo, pode mudar de profissão que você não serve mais para jornalista’. Para ele, o diferencial do novo e do velho jornalista é saber além do fato, conhecer o entorno. Achar a notícia todo mundo acha. Destaca-se aquele que contextualiza e faz as conexões dessa notícia.


Um dos assuntos debatidos pelos profissionais e os estudantes foi o jornalismo multiplataforma, que exige que o jornalista faça tudo na apuração da matéria. Esse jornalista que tira foto, apura, escreve, analisa, grava tudo isso contra o relógio acaba por fazer um trabalho de pouca qualidade, explica Pedro Dória. Para ele, é preciso dominar as técnicas, mas focar-se em apenas uma delas por vez. O Twitter também foi pauta. Dória acredita que o que está se consolidando é uma ferramenta de busca de notícias em tempo real – algo que o Google não oferece – e a possibilidade de mapear assuntos interessantes que gente interessante está lendo ou escrevendo. Ele explica que o Twitter pode ser fonte da primeira informação, mas não substitui o trabalho completo da matéria ou da reportagem.


Ética no jornalismo


Carlos Alberto di Franco é jornalista, representante no Brasil da Universidade de Navarra e diretor do Master de Jornalismo, oferecido pela universidade em parceria com o Estadão. É numerário do Opus Dei, mas esse assunto não fez parte da discussão proposta para aquela tarde. Quem quiser saber mais sobre isso, a entrevista concedida à Revista Época em 2006 trata exatamente da relação de Carlos di Franco com o Opus Dei e o jornalismo. Di Franco propôs um debate sobre ética na profissão. ‘Nosso papel é ouvir o outro lado para buscar sempre a verdade’.


O controle de qualidade do trabalho jornalístico foi estruturado em dez armadilhas e dez princípios da qualidade. Dentre essas armadilhas que dificultam o trabalho ético no jornalismo, di Franco pontua a arrogância do jornalista, a síndrome declaratória – o uso de aspas para livrar-se do que está sendo dito -, o prejulgamento, o jornalismo baseado em dossiês, e a editorialização do noticiário (a opinião nas notícias). O jornalista criticou a cobertura dos casos Eloá e Isabela Nardoni, em 2008. Explicou que a televisão fez da notícia um espetáculo – reflexões do filme ‘A Montanha dos Sete Abutres’ de Billy Wilder – e usou imagens reais para fazer audiência. ‘A televisão abre o apetite e o jornal sacia a fome’, comenta di Franco sobre o papel do jornal impresso de aprofundamento da notícia.


O decálogo da qualidade mostrou que ‘só tem graça fazer jornalismo quando trabalhamos apenas para o jornalismo’. Carlos di Franco apontou que o jornalista precisa ser corajoso, prudente, precisa conhecer o leitor para quem fala, deve trabalhar independentemente de ideologias e dar espaço para a imaginação. Para ele, os jornais devem investir em leveza formal – uma boa foto pode valer um editorial – devem revalorizar as reportagens e a informação local. O bom jornalista está em constante formação e deve dominar o Português. Mas para di Franco, o essencial é ser humilde. O jornalista precisa saber que não sabe tudo e deve perguntar sempre. ‘Somos os únicos profissionais que são pagos para ter dúvidas’.


Apurar, checar e rechecar


Na última tarde da Semana Estado de Jornalismo o assunto era investigação. Marcelo Beraba, diretor da sucursal do Estadão no Rio de Janeiro, explicou sobre a eficiência de uma boa apuração jornalística. Ele estabelece alguns fundamentos para apuração: pesquisa, planejamento, apuração, entrevista, documentação, observação checagem e rechecagem. Acima disso, é preciso uma reflexão do próprio jornalista sobre sua apuração. A autocrítica, na opinião de Beraba, é uma das formas de controle da qualidade desse trabalho de investigação.


Uma apuração deficiente pode ocasionar erros graves para a credibilidade dos veículos e inclusive para as pessoas. Um dos exemplos citados por Beraba foi o episódio que protagonizou o Correio Braziliense no dia 4 de agosto de 2000. A manchete de capa ‘O Correio errou’ foi a maneira de se redimir de uma apuração incompleta e ineficiente. No dia anterior, o jornal havia publicado uma reportagem de denúncias falsas sobre corrupção envolvendo o ex-secretário do Palácio do Planalto Eduardo Jorge. ‘Na base do nosso trabalho, nosso patrimônio, nossa credibilidade, está a apuração jornalística’.


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Gripe A anula a visibilidade de outras doenças?


Assim que surgiram os primeiros casos da então chamada Gripe Suína, em meados do mês de março, os veículos de comunicação de todo o mundo começaram a divulgar diariamente os números, casos, mortes e regiões atingidas. Após ser considerada uma pandemia, em 11 de junho, e ter chegado ao Brasil, a mídia brasileira não passou um dia sem publicar alguma notícia relacionada à doença, ainda que o conteúdo da matéria não fosse realmente de interesse público.


Em 17 de julho, foi lançado na internet o documentário Operación Pandemia (Operação Pandemia) – veja a seguir, legendado –, produzido pelo argentino Julián Alterini. Em dez minutos, o produtor e diretor traz uma avalanche de fatos históricos e científicos sobre a origem da Gripe A e apresenta uma possível manobra política e econômica por trás do alarde dos mass media. Neste vídeo, que já chegou a 2,5 milhões de visualizações no Youtube, Julián questiona o porquê da mídia divulgar tantas notícias sobre a pandemia, sendo que a letalidade da doença é quase o mesmo que o da gripe comum, além de existirem doenças muito mais graves que ainda matam milhões de pessoas por ano.


A partir deste questionamento, o MONITOR DE MÍDIA deste mês analisou os sites de três agências de notícias para verificar se a veiculação de notícias relacionadas à Gripe A é realmente muito superior à publicação de matérias sobre outras doenças tão ou mais graves, tornando-as invisíveis.


Metodologia


Para construir este diagnóstico trabalhamos com o conceito de invisibilidade. Entende-se por invisibilidade social, por exemplo, quando nos referimos a seres socialmente invisíveis, seja pela indiferença ou pelo preconceito. Há várias formas de invisibilidade social: econômica, racial, sexual, etária… É o que acontece, por exemplo, quando um mendigo é ignorado de tal forma que passa a ser apenas mais um objeto na paisagem urbana.


Em sua pesquisa ‘Garis – um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública’, o psicólogo Fernando Braga da Costa, que defendeu seu mestrado no Instituto de Psicologia da USP em 2002, trabalhou com o conceito em questão revelando como as diferenças sociais criam seres invisíveis e como esta invisibilidade pública transforma pessoas em seres inanimados.


Da mesma forma que seres humanos se tornam objetos descartáveis, doenças de altíssima letalidade como malária, AIDS, diarréia e até mesmo alcoolismo, se tornam invisíveis em uma sociedade que não dá a importância devida ao seu combate e controle. Os mass media têm culpa dessa invisibilidade? Estas doenças têm destaque nas notícias diárias? Por afetarem pessoas que estao à margem da sociedade, algumas doenças também viraram objetos na paisagem? Estas são algumas das questões que buscamos responder com este diagnóstico.


Para isso, analisamos a página principal de três sites de agências de notícias: BBC Brasil, Reuters e Radiobras no período de 10 a 14 de agosto (segunda a sexta-feira), das 14h às 18h. O objetivo foi quantificar o número de matérias referentes à temática Saúde e utilizar o método da Análise de Conteúdo para comparar a quantidade de notícias que tratam da Gripe A em relação às que abordam outras doenças tão ou mais mortais que o vírus:


A Análise de Conteúdo é o conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1997, p.7)


Este método é utilizado para estudar e analisar um material, buscando-se melhor compreensão de uma comunicação e extraindo os aspectos mais relevantes. Segundo Bardin, através do método analisamos o contexto ou o significado de conceitos sociológicos e outros nas mensagens, bem como caracterizamos a influência social das mesmas. Neste caso, também analisamos as condições que induziram ou produziram as mensagens analisadas.


Algumas matérias têm data e horário de publicação originais diferentes do estabelecido para esta coleta, mas foram contabilizadas por estarem na página principal das agências nas datas e horários de análise.


Dividimos o material coletado em tabelas para melhor visualização dos resultados encontrados e para facilitar a análise. Nos quadros abaixo, apresentamos os dados em porcentagem, de forma simplificada. Para conferir os números completos da pesquisa e todos os títulos encontrados, clique nos respectivos links.


O que publicou cada agência


REUTERS




O site da Agência Reuters publicou um total de 12 matérias sobre doenças no período analisado. Deste número, nove tratavam da Gripe A e apenas três eram de outras doenças como Aids e gripe aviária. O maior número de matérias sobre o tema gripe A apareceu no dia 14 de agosto, sexta-feira, em que três manchetes foram postadas na página principal. Nesse mesmo dia, nenhuma matéria sobre outras doenças foi encontrada durante os horários analisados.


O veículo de comunicação deu preferência a matérias da gripe que estavam relacionadas ao Brasil. Das nove publicadas, quatro eram de âmbito nacional, três internacionais e outras duas sem especificação de nacionalidade. As quatro matérias nacionais faziam referências às mortes que ocorreram nos estados e sobre a produção, no território brasileiro, da vacina contra o vírus H1N1.


O desequilíbrio entre destaques da área da Saúde ficou aparente, já que apenas três matérias, de um total de 12, estão relacionadas a enfermidades diferentes da gripe suína. ‘Combate à Aids ainda tem enormes desafios, dizem especialistas’, ‘Dois casos de gripe aviária são confirmados no Egito’ e ‘Manifestantes pedem remédio mais baratos em conferência HIV/Aids’ foram as manchetes apresentadas pela agência em relação a outras doenças.


RADIOBRAS




A Radiobras publicou 51 matérias sobre doenças sendo que apenas uma delas não era sobre a Gripe A. Este foi o site analisado que mais noticiou o tema Saúde, e a prioridade da agência foram notícias nacionais, com exceção da matéria ‘Argentina tem 6.768 casos de gripe suína e 404 mortes’. Muitos dos textos não eram longos e, grande parte deles, apenas noticiava o número e os detalhes de novos casos da Influenza A nos estados brasileiros. Os mais mencionados foram Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Amazonas.


A matéria ‘Gaúcho de 29 anos é o primeiro brasileiro a morrer de gripe suína, informa ministro da Saúde’ ficou na página principal da agência durante os cinco dias de análise, sendo que sua data original de publicação é de 28 de junho de 2009. O maior número de notícias sobre a Gripe foi no dia 14/08, sexta-feira, quando 12 manchetes foram publicadas na página principal.


A Radiobras publicou outros tipos de materiais além de textos. No dia 11/08 foi publicada uma foto-legenda do o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, participando do plenário da Câmara dos Deputados, em debate sobre as medidas de combate à Influenza A no Brasil. Em 13/08, um vídeo da Organização Mundial da Saúde foi publicado; o conteúdo era a recomendação do medicamento Tamiflu para crianças infectadas, apesar de um alerta de médicos ingleses.


BBC




Entre os dias analisados, 11 matérias sobre doenças apareceram na primeira página do site BBC Brasil. Desse total, oito eram relacionadas à gripe A e três relatavam outras enfermidades. A maior incidência de matéria sobre a gripe foi nos dias 12 e 13 de agosto, em que foram postadas três manchetes em cada dia. As três aparições de outras doenças são textos sobre câncer e doenças cardíacas em mulheres.


Embora não tenhamos adotado neste diagnóstico os pressupostos ou procedimentos da hipótese do agenda setting, consideramos importante mencionar que os resultados da análise parecem apontar para a referida teoria. Agenda Setting ou agendamento é ‘(…) um tipo de efeito social da mídia. É a hipótese segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá’ (Barros Filho, 2001, p. 169). O agendamento é visível quando matérias que possivelmente não ganhariam destaque por seu baixo interesse público, como é o caso de ‘Holanda lança videogame que simula pandemia de gripe’, viram manchetes na página principal do site. A premissa fundamental da hipótese é a de que a mídia não diz às pessoas ‘como’ pensar, mas sobre ‘o que’ pensar. A invisibilidade de outros temas na área da saúde aponta para o que as agências aqui analisadas sugeriram como temas importantes para o debate público.


Ressalta-se também a negatividade, um critério de noticiabilidade, nas manchetes analisadas. De acordo com Gislene Silva em seu artigo ‘Para pensar critérios de noticiabilidade’, valores-notícia é um grupo de critérios para noticiar um fato que consideram ‘(…) origem do fato, fato em si, acontecimento isolado, características intrínsecas, características essenciais, atributos inerentes ou aspectos substantivos do acontecimento.’


Entre as matérias de gripe A, apenas uma trata a doença de forma neutra. As outras incentivam o quadro de pânico causado pela pandemia como ‘Tamiflu causou efeitos colaterais e até pesadelos em crianças, diz estudo’. Os três textos que tratam de outras doenças apresentam um caráter positivo. ‘Mulheres otimistas vivem mais’, ‘Cientistas usam veneno de abelha para combater câncer’ e ‘Atibiótico veterinário mata células-tronco cancerosas em ratos, segundo estudo’.


Doenças invisíveis


Segundo dados do Ministério da Saúde do Brasil, problemas na área circulatória foram as principais causas de mortes em 2005. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) vitimou 90.006 pessoas, representando cerca de 10% do total de óbitos no país. Em segundo lugar está o infarto agudo do miocárdio, que matou 84.845 brasileiros.


Computando acidentes e homicídios que ocorreram após ingestão de álcool, o alcoolismo torna-se a doença que mais mata no mundo. A enfermidade, que ganhou destaque na mídia no começo deste ano pela nova Lei de Trânsito brasileira, é classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma epidemia. Vista por muitos como uma droga amena, o álcool é consumido por 52% dos brasileiros acima de 18 anos. O abuso nas bebidas alcoólicas também está relacionado a outras enfermidades, como doenças hepáticas, úlceras, doenças renais e cânceres.


A malária também continua sendo uma das doenças que mais mata no mundo, são aproximadamente 2,5 milhões de mortes por ano, 2.800 crianças por dia. A própria gripe comum causa 36.000 mortes por ano, mas nenhuma notícia sobre esta ou qualquer outra doença citada acima foi encontrada no período analisado.


Apesar de a Gripe A ter se espalhado rapidamente pelos cinco continentes e de ainda não haver uma vacina disponível no mercado, a OMS publicou no dia 30/08 que a composição genética do vírus parece não ter se modificado – o que facilita o tratamento e a prevenção. Até esta mesma data, o número de mortes no mundo em decorrência da Gripe A foi 2.185.


Em questão de números, vale ressaltar que, de acordo com o relatório estatístico da Organização Mundial de Saúde, publicado em 27/10/08, a AIDS/HIV resultou 2.04 milhões de mortes no mundo, enquanto a diarréia matou 2.16 milhões e a tuberculose 1.46 milhões de pessoas. Destas doenças, apenas a AIDS/HIV foi tema das matérias contabilizadas na análise; ainda assim, foram apenas duas de um total de 74 notícias.


Prontuário das agências


Constatou-se que o volume de informações sobre a Gripe A torna invisível outras doenças tão ou mais letais. Pode-se afirmar que há um exagero na veiculação de matérias sobre o assunto, já que outros temas ficaram invisíveis durante o período de análise.


Fernando Braga da Costa ressaltou em sua pesquisa que a invisibilidade pública ‘não se trata de um aspecto biológico da visão e sim de uma prática oriunda de um fosso entre as pessoas, resultante das diferenças sociais nas diversas classes existentes’. Esta observação pode ser constatada no fato de que, doenças que matam muito mais do que a Gripe A (malária, AIDS/HIV e diarreia), atingem principalmente a parte da população mundial que vive à margem da sociedade, não gastam com remédios, não geram o interesse dos grandes laboratórios farmacêuticos.


É possível entender a quantidade de notícias sobre a Gripe A considerando que nos encontramos no auge da pandemia. Porém, esse fato não pode anular a veiculação de conteúdo sobre outros temas também relevantes. Braga concluiu em seu estudo que pessoas podem passar a ser entendidas como coisas, chegando a ser imperceptíveis. Do mesmo modo, esta análise constatou a invisibilidade de uma série de doenças graves na mídia, em decorrência da divulgação em massa do tema Gripe A.


Referências bibliográficas


BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997.


BRAGA, Fernando da Costa. Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2002.


FILHO, Clóvis de Barros. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 2001.


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