Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crime, castigo e vingança!

Presenciamos o pior momento da história da carreira docente universitária no Brasil, que, desde a greve de 2012, perdeu conquistas importantes, como o aumento dos níveis na carreira, cuja progressão se dá a cada dois anos, e consequente redução do salário de iniciante.

Foi-se também a perspectiva de aposentadoria integral, a reposição regular de perdas salariais – quase 50% nos últimos cinco anos –, ao passo que aumentam exigências de produção, aferida pelo currículo da plataforma oficial Lates, parâmetro que prioriza a produtividade quantitativa e não a qualidade. Contra o Lates já se levantaram muitas e lúcidas vozes, como Marilena Chauí, que em 2014 declarou em alto e bom som: “É um crime o currículo Lates” (ver mais em http://pensadoranonimo.com.br/e-um-crime-o-curriculo-lattes-diz-marilena-chaui/).

Mesmo Fernando Henrique Cardoso – à custa de uma greve de três meses– remunerou melhor aos docentes do que Dilma. Outrora, o salário inicial bruto chegou a ser de 15 salários mínimos, e agora mal ultrapassa os 10 salários mínimos. O salário inicial líquido beira à precarização, carcomido pelo Imposto de Renda extorsivo que não é cobrado na mesma proporção dos investidores no mercado financeiro. Vale ressaltar que há universidades estaduais, como a do Ceará, que pagam um salário inicial bruto de R$ 12 mil, contra os R$ 8,6 mil das federais em 2015.

Deixemos de lado as questões salariais, que são importantes e graves sim, mas que são usadas pela mídia e pelo senso comum como contra argumento de que se trata de uma categoria “de privilegiados”, por ser baixíssima a média salarial nacional e um vergonhoso mínimo agora na faixa dos 200 dólares. Busquemos entender porque Dilma e Mercadante (Ministro da Educação em 2012) protagonizam sucessivos governos nos quais ocorreram, primeiro, a maior greve da História (quatro meses em 2012), prestes a ser superada pela greve atual, que já ultrapassou 110 dias. Nem Fernando Henrique chegou a tanto.

Por que, durante a campanha do segundo turno da reeleição de 2014, Dilma e Mercadante não desautorizaram – e até hoje não o fizeram ­ – declarações de assessores menores, que planejavam contratação de docentes extinguindo o vínculo que assegura estabilidade? Vínculo, aliás, essencial para garantir tempo de pesquisa em qualquer área e, sobretudo, o direito à liberdade de opinião, seja qual for o partido do governo em exercício.

Outra pergunta que não se faz, mesmo na mídia golpista: por que Mercadante e Dilma estão a ir à forra contra a academia? Ressentimento, por ser doutor tardio (Mercadante, em 2012) ou por não ter concluído pós-graduação (Dilma), o que foi largamente usado na campanha de 2010? Por mais que existam intelectuais com discurso assumidamente de direita nos meios de comunicação, os há em muito maior número no campo da esquerda, embora não tenham a mesma inserção na mídia, por barreiras ideológicas. E sua multiplicação, seu apoio e consulta são imprescindíveis.

Justamente no governo que, ironicamente, adota o slogan “Pátria Educadora”, a universidade se esfarela: cortes de água, luz, falta de material de consumo, não continuidade do programa Ciência Sem Fronteiras, que concede subsídios a estudantes brasileiros no exterior, embora que em si traga duas fronteiras internas, por não contemplar as Ciências Humanas, e tampouco a permanência de brasileiros em Portugal, que conta com centros internacionais de excelência em todas as áreas.

Exemplos não faltam, e vão de encontro a postura do antecessor e mentor (ainda o será?) de Dilma: Lula.

Luiz Inácio falou, avisou: criemos 18 universidades públicas contra nenhuma do doutro Fernando Henrique, e o verbo se fez luz.  Lula demarcou, como ninguém, o campo do ensino superior em relação aos seus piores adversários. Criou 14 novas universidades (Fernando Henrique, nenhuma; Dilma, quatro). Expandiu às dezenas os campus de Institutos Federais, colecionou cerca de 30 títulos de doutor honoris no Brasil causa mundo afora.

Em oito anos de governo, Lula não enfrentou nenhuma greve na dimensão que tem a atual. Deve estar a ver, preocupado, o comprometimento de um de seus sonhos: com a perspectiva do fim de novos auxílios para estudantes, o projeto UNILAB dificilmente se manterá como previsto, pois não terá como atrair e manter estudantes africanos. Um dos honoris causa de Lula provém da UNILAB, cuja cerimônia de atribuição contou com a presença de Mercadante.

A diferença essencial dos mandatos de Lula com os de Dilma, em relação à universidade, é o diálogo. Dilma somente recebeu coletivo de reitores para fazer campanha, ano passado, para ouvir dele apoio, no Planalto, quando 54 dos então 58 gestores das federais se perfilaram a seu lado. Algum deles se sentiria traído hoje? Algum deles teria lido a “Carta aos Reitores”, de Artaud? Estaria hoje incomodado com a fragilização da universidade pública, gratuita, contestadora por necessidade? Estamos fadados a repetir a Europa que profetizou Artaud? “A Europa se cristaliza, se mumifica lentamente dentro das ataduras de suas fronteiras, de suas fábricas, de seus tribunais, de suas Universidades”. A íntegra da “Carta aos Reitores” é facilmente acessível na internet

         Antes de terminar: é preciso entender porque um acompanhamento e debate aprofundados da greve nas federais não interessam, jamais interessaram, à mídia nativa. A ela interessa a privatização sistemática do ensino superior. É simples, óbvio: nos meios de comunicação não se vê publicidade frequente e milionária de nenhuma universidade pública, ao contrário das privadas.

Enquanto o MEC, sozinho, arca com mais de 20% dos cortes do orçamento público em 2015, as privadas são enriquecidas pelo programa público FIES, que concede crédito a estudantes das privadas e, em meio à crise, teve R$ 5 bilhões liberados pelo ministério ‘levyano’ (antes que me arremessem as pedras da moral, ‘leviano’ é aquele   que denota inconstância, inconsistência, segundo os melhores dicionários).

Diante da universidade, de seus docentes, técnicos e estudantes Dilma e Mercadante e Levy, atual Ministro da Fazenda, extrapolaram todos os limites da falta de senso e de tato, num território que Lula tratou com atenção, por ser formador de opinião, primeira base de apoio e crítica diante do enfrentamento ao neoliberalismo.

Lula, em que pesem casos localizados, não investiu na desagregação de categorias de servidores públicos, hoje criminalizados pelo governo. Foi o que se deu no último dia 18/09, quando representantes do sindicato docente ANDES foram impedidos de entrar no MEC e tiveram a porta batida e trancada à cara, ao tentarem protocolar uma carta com novas reivindicações. “A PM foi chamada, por causa da movimentação que fazíamos e intermediou nossa entrada, mas um funcionário do MEC nos recebeu na porta para efetivar o protocolo. Depois fomos protocolar o mesmo pedido de reunião, também, no MPOG, sem maiores dificuldades”, consta no site www.grevenasfederais.andes.org.br.

Em “O Sol” (“The Sun” do diretor russo Aleksandr Sokurov 2006) há uma cena na qual o então imperador japonês Hiroito, necessitando de conselho, faz chamar a um professor, o qual recebe sem cerimônias, comprovando ser verdadeiro o que ouvimos dizer: “No Japão, o professor é o único profissional que não precisa se curvar diante do imperador”.

Em 2014, Aécio Neves perdeu as eleições para Dilma porque, enquanto governador de Minas, humilhou às professoras da escola pública. Pagou caro, merecidamente. Não há país que se desenvolva sem ouvir e, sobretudo, valorizar aos seus pensadores e técnicos qualificados. O governo federal tem se esmerado em seguir Aécio, e não Hiroito.

Os golpistas, não passarão. Contudo, Dilma, Mercadante e Levy, precisam de inimigos a tirar-lhes o chão? Já se viu muito governo cavar a própria cova. Mas pelo ritmo atual, estamos prestes a ver, pela primeira vez, a pá de cal ser despejada pelas próprias mãos do sepulto.

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Túlio Muniz, Jornalista Profissional, Historiador (Graduação e Mestrado pela UFC) e Sociólogo (Doutor pela Un. de Coimbra/CES). É professor Adjunto da UNILAB.