Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cursos de Jornalismo na hora da revisão

Os cursos de Jornalismo cresceram 70% no período de 2000 a 2003, como indicam os dados do Censo do Ensino Superior divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) em seu Boletim 101 (11/8/2005). A primeira providência no exame da expansão é a análise cuidadosa do levantamento, com o fim de fazer os desdobramentos e reflexões que a situação requer.

Em primeiro lugar, as aparências da estatística enganam o leitor de olhar apressado, que, aliás, é o olhar mais comum – afinal, com tanta coisa para ler, é impossível ler tudo criticamente. A imprensa faz destaques, organiza nichos, dirige o olhar do público para determinadas direções. Como o assunto diz respeito a todos, principalmente nesses tempos em que, mais do que em outros, o Quarto Poder mostra vigorosamente o seu exercício na sociedade, convém rever os dados apontados pelo MEC, ao qual está subordinado, em última instância, o INEP.

O crescimento de 70% no número de cursos de Jornalismo nos quatro anos não cobre apenas a habilitação especializada. Com as diversas reformas havidas, o Jornalismo foi alocado como uma das habilitações de Comunicação Social, curso cujo número passou de 260 no ano de 2000 para 443, em 2003.

À semelhança do que ocorreu em outros cursos em que a pesquisa não é a condição sine qua non para serem autorizados e depois reconhecidos, a grande expansão deu-se no setor privado, que oferece 369 cursos (aproximadamente 84% do total da oferta). O setor público oferece apenas 74, pouco mais de 16%.

Projeto e burocracia

É preciso registrar que a monitoração do MEC, rigorosa com o setor privado, não consegue impor-se com a mesma pertinácia no setor público por várias razões, uma das quais preocupante: à medida em que, temendo a legislação das reformas previdenciárias, que liquidaria com direitos e expectativas de direitos adquiridos (afinal pagaram antes de pleiteá-los, ao recolherem na fonte), muitos docentes correram para assegurar sua aposentadoria. E todos os cursos sofreram quedas assustadoras na qualificação docente.

Em muitos casos, onde havia um doutor, entrou um graduado. Quem mais se candidataria a docente para trabalhar 20 horas semanais na universidade pública para ganhar menos de 50% do que recebe uma telefonista na universidade privada?

Em resumo, desabaram a pesquisa e a dedicação integral, até então dois pontos fortes das universidades públicas e os mais vulneráveis nas instituições privadas.

Outra questão, que ainda não mereceu das editorias especializadas da imprensa os cuidados que faz por merecer diz respeito à mudança radical do perfil dos dirigentes universitários. A busca de eleger reitores, diretores de faculdades e de institutos em eleição direta pela chamada comunidade universitária levou a militância ideológica e política a dominar os campi, e eleger docentes sem produção intelectual relevante e pouca ou nenhuma dedicação à pesquisa e à docência. Muitos deles tornaram-se dirigentes profissionais universitários no pior estilo: fizeram disso um modo de vida e asseguraram melhor remuneração por força de ficarem ocupando cargos sucessivos, sem qualquer vinculação com o ensino.

Todos sabem o óbvio: o PT domina amplamente os campi das universidades públicas. E também aqui é necessário discernir qual PT: aquele sinceramente imbuído de um ideal e de um projeto de educação daquele que fez da burocracia do partido um meio de manutenção de cargos a qualquer custo, incluindo a perseguição aos discordantes.

Providência radical

Apresentados como ‘de Jornalismo’ nas manchetes e nos destaques feitos pela imprensa ao divulgar os dados do INEP, os cursos na verdade agrupam diversas habilitações, tais como Publicidade & Propaganda, Radialismo, Cinema e Vídeo, Noticiário e Reportagem etc. De saída, o que vemos é uma concepção peculiar de Comunicação Social, ainda ampla demais para tudo ser considerado jornalismo. Sim, o Telejornalismo, por exemplo, é Jornalismo, mas há grande diferença de produto, de destinatário e de emissor num e noutro caso. Enquanto o papel do rádio e da televisão, por exemplo, no jornalismo, limita-se no mais das vezes a resumir e informar, nem sempre com precisão, em jornais e revistas as duas funções vêm acompanhadas de análises e críticas, só muito raramente presentes no primeiro caso.

Em resumo, onde se lê ‘crescimento do Jornalismo’, leia-se ‘crescimento da Comunicação Social’, que aumentou 92,3% no período de 2000 a 2003, passando de 220 para 423 cursos. Mas ainda assim não há precisão nas estatísticas, nem mesmo no portal do INEP, pois há ambigüidade na definição do curso e respectivas habilitações.

O que vai definir oficialmente a habilitação, ao fim e ao cabo, é o Registro Profissional de Jornalista no Ministério do Trabalho. Esta foi uma das razões de a FENAJ ter encaminhado ao MEC, em outubro de 2004, pedido de moratória na abertura dos cursos de Jornalismo e da inclusão da entidade nas comissões de avaliação das condições de oferta de tais cursos. Outros ofícios tomaram providência semelhante, como o de Medicina, por exemplo, mas nenhum deles foi mais radical do que o Direito ao impor, há décadas, o exame da OAB como condição adicional e indispensável para o formando exercer a profissão.

Novo olhar

As duas gestões do ministro Paulo Renato de Souza à frente do MEC foram muito criticadas por privilegiarem avaliações quantitativas, mas num ponto elas foram muito úteis e vêm sendo mantidas pelo atual governo: permitem descrever a realidade com dados objetivos. Já a intervenção na melhoria da qualidade demanda providências que o MEC ainda não tomou no setor público: valorizar o docente, remunerar-lhe a produtividade, seja no ensino, seja na pesquisa e na extensão. E com isso, os aposentados migraram para as universidades privadas.

Enquanto isso, o sistema cartorial de que o MEC está longe de se livrar, malgrado tantas reformas, impõe verdadeiras torres de papel ao setor privado, às voltas com toneladas de normas que atrapalham mais do que disciplinam seu funcionamento.

Não é apenas no Jornalismo, nem apenas no MEC que o professor, peça-chave na qualidade de ensino, não é valorizado. Um dado que não passou em branco nos escritos cheios de verve de alguns jornalistas, entre os quais Elio Gaspari, diz respeito às vinculações entre docência e corrupção.

Enquanto nas recentes denúncias do mensalão, deputados de outras profissões lideravam as colunas de corruptos com vários milhões, o deputado federal Professor Luizinho (PT-SP) aparecia com modestos 20 mil reais em sua cumbuquinha.

E assim a realidade ofereceu outro exemplo insólito para a teses desconcertantes levantadas por Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner no livro Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta (Rio, Campus, 224 páginas, tradução de Regina Lyra, professora de tradução da PUC/RJ). Certos tipos de pesquisa buscam uma coisa, mas às vezes encontram outra. No livro citado, seus autores mostram que a piscina mata mais do que as armas no âmbito doméstico e que a descriminalização do aborto levou a uma surpreendente queda da criminalidade nos EUA, sem que no começo fosse percebida a relação entre uma coisa e outra.

É com tal tipo de olhar que convém examinar as estatísticas. Elas dizem umas coisas, ocultam outras e jamais dizem tudo.