‘ Vocês precisam ler jornais. Vocês vão entender melhor o mundo e as pessoas’ . Talvez não fossem essas palavras, mas era esse conteúdo que repetia incansavelmente o meu professor de graduação em Jornalismo na Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, Amilton Gláucio, quando eu estava ainda no início do curso, nos anos 90.
Menos de quatro anos depois, Amilton era meu orientador de trabalho de conclusão de curso e nos tornamos amigos. Com o curso concluído, eu havia lido bastante e estava saindo da faculdade entendendo muito pouco sobre ‘ o mundo e as pessoas’ . Conversei com ele sobre minha insatisfação e fui convencido de que ‘ compreender’ não significava um caminho linear, mas uma estrada cheia de curvas que precisava ser seguida com uma atenção constante e permanente. Amilton indicou-me alguns autores. Não lembro ao certo quais foram, mas entre eles estava a filósofa alemã Hannah Arendt.
Comecei a me interessar por Política e a me apaixonar por discussões que envolviam cidadania, democracia e direitos humanos. Fui fazer uma especialização em Jornalismo Político e Econômico. De alguma forma, estava cada vez mais entendendo ‘ o mundo e as pessoas’ , como Amilton havia sugerido.
Jornalismo como exercício de cidadania
Pouco tempo depois fui convidado para lecionar no curso de Jornalismo da Universidade Tiradentes, em Aracaju, onde havia cursado a especialização. Foi o momento de discutir e apresentar uma noção de jornalismo inspirada na cidadania. Percebi que esse conceito influenciava não só a minha conduta de vida, mas pautava decisivamente o meu padrão de jornalismo, minha prática em sala de aula e minha relação com os meus alunos. Tornei-me professor da Universidade Federal de Sergipe, assumi a Diretoria Acadêmica do sindicado dos professores da instituição, e estava cada vez mais claro que a cidadania era o meu caminho para entender ‘ o mundo e as pessoas’ .
Decidi torná-la tema do meu mestrado. Na Escola de Comunicações e Artes da USP, no início do mestrado que resultou na dissertação A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil: um estudo de caso da formação do jornalista na USP, que defendi há cerca de três meses, o professor José Coelho Sobrinho, meu orientador, falou em uma das primeiras aulas sobre um autor que eu pouco conhecia: Carl Rogers. Achei que aí sim, com ajuda do Coelho e do Rogers, poderia ser cumprida, de fato, a promessa do Amilton e seria mais bem amarrado meu conhecimento sobre ‘ o mundo e as pessoas’ . Eu estava certo.
No mestrado, por questões metodológicas, recortei meu universo de ‘ mundo e pessoas’ àqueles que há mais de dez anos têm sido meus eixos na carreira docente: a cidadania e a formação de jornalistas. Coelho, os alunos, os professores que entrevistei para a dissertação, ao lado de autores como Arendt, Rogers, Jaime Pinsky, Manuel Carlos Chaparro e Moacir Gadotti, mostraram-me que o que Amilton havia dito era melhor do que eu pensava. Conhecer ‘ o mundo e as pessoas’ é um trabalho constante que, assim como a cidadania, requer uma luta permanente com interesses pautados nos direitos humanos e na democracia.
Na condição de jornalista e de professor de jornalismo, tenho descoberto que quanto mais pratico a cidadania no dia a dia, em sala de aula e no ‘ batente’ , melhor compreendo e mais me comprometo com o mundo e com as pessoas. Esse é o caminho por onde a vida me levou, esse é o caminho por que vou. Este talvez seja o melhor caminho para entender o mundo e as pessoas e respeitar as pessoas no mundo.
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Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, especialista em Jornalismo Político e Econômico e professor universitário em São Paulo, estuda as relações entre imprensa, formação do jornalista e cidadania (www.blogdoenio.blogspot.com).