A decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que restaura a obrigatoriedade do diploma para a obtenção do registro profissional de jornalista, restabeleceu a ordem jurídica no campo do Jornalismo. Isso porque recolocou os pingos nos is após uma batalha de quatro anos pela validade da regulamentação da categoria. Lembrando: em outubro de 2001, a juíza federal Carla Abrantkoski Rister concedeu liminar a uma ação civil pública, desobrigando qualquer cidadão de portar diploma de nível superior na área para conseguir seu registro profissional de jornalista. Traduzindo: numa canetada, a juíza punha por terra o Decreto-Lei nº 83.284/79, que regulamenta a profissão, e escancarava os portões do mercado de trabalho num descarado vale-tudo.
De 2001 para cá, órgãos classistas e setores expressivos da categoria (bem como dos estudantes e professores da área) tentaram derrubar a liminar contra o diploma, o que só conseguiram no TRF na quarta-feira (26/10). A posição unânime dos juízes surpreendeu os mais otimistas, já que até mesmo o relator, Manoel Álvares – que em outra ocasião já havia reiterado a liminar – foi favorável à obrigatoriedade do diploma. O reposicionamento do desembargador chamou a atenção por ser atitude pouco freqüente no Judiciário, sempre conservador e avesso a mudanças bruscas de lado, mesmo em detrimento da justiça.
Diversos públicos
Mais do que restaurar a validade da lei mais importante para a classe jornalística – aquela que lhe dá contornos visíveis de função e atuação no campo do trabalho na sociedade brasileira –, a decisão do TRF reforça o entendimento de que é necessária uma formação específica para o exercício do jornalismo. E expande essa noção para além dos interesses corporativos: afinal, entre as conseqüências de uma maior profissionalização do jornalismo por conta de uma formação superior de seus trabalhadores está um ambiente com informações com mais qualidade, com mais ética e responsabilidade. Assim, a formação específica não apenas serve como argumento para a reserva de mercado, mas tem no interesse público o seu mais forte sustentáculo.
De quebra, a decisão do TRF ajuda a resgatar parte da auto-estima da categoria: afinal, nos últimos tempos, a profissão vem sofrendo revezes. Dividiu-se diante do projeto do Conselho Federal de Jornalismo e foi ‘rebaixada’ na Tabela de Áreas de Conhecimento (TAC) do CNPq, deixando de ser subárea. Neste segundo episódio, a gritaria de camadas representativas e influentes do meio acadêmico deu resultado e o CNPq se dispôs a dialogar sobre uma nova proposta a ser entregue até o fim do mês que vem.
O que fica dos tremores que chacoalharam o campo do jornalismo nesses tempos? Uma primeira conclusão que se pode tirar é que grandes mudanças não podem ser feitas de maneira apressada. Complexa e heterogênea, a comunidade que vive de e para o jornalismo é formada por diversos públicos, com interesses nem sempre coincidentes, o que significa uma permanente tensão interna.
Muita coisa para fazer
Outro ponto a se considerar é que, tal como em outras camadas da sociedade, é absolutamente necessário buscar uma unidade de propósitos. Não significa dizer da necessidade do pensamento único, praticamente impossível nesta comunidade, dadas as suas pluralidade e dinâmica. Mas ao dizer ‘unidade de propósitos’ refiro-me à formação de pelo menos um núcleo rígido de princípios e valores que norteiem as ações dessa comunidade. Assim, jornalistas, professores, pesquisadores e estudantes da área precisarão – cada vez mais – encontrar pontos de coincidência, afinidades para fortalecer sua luta e a reivindicação de seus pleitos. À medida que se observar o crescimento desses nós comuns entre diferentes pares, observaremos também o enrijecimento e amadurecimento da área e de seu campo de atuação.
Uma terceira lição que se tira desses percalços todos é a urgente necessidade de uma maior discussão interna na comunidade. Ainda debatemos pouco os nossos problemas; ainda reviramos pouco as nossas vísceras. Dispomos de raros ambientes para fazê-lo e de menos disposição ainda para enfrentar os nossos fantasmas. Precisamos conhecer os limites do nosso campo; precisamos conhecer melhor quem compõe a nossa comunidade e o que faz de nós o que julgamos ser. O surgimento e consolidação de algumas entidades vêm ajudando nesse sentido. São exemplares o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) e o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo. Mas há muito mais a fazer.
Repito a pergunta que lancei há pouco: o que fica dos tremores que chacoalharam o campo do jornalismo nesses tempos? Ensaio uma resposta pouco mais convicta: resta muito, sobra muita coisa para fazer. Guardadas as devidas proporções, os desafios que se apresentam são semelhantes aos de um recém-formado na área: a conquista do canudo é só o começo. Importante, mas só o começo. Com o diploma assegurado, temos mais em que pensar.
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Jornalista e professor universitário