Em vista da relevância da denúncia de plágio praticado no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação (PPGCOM) da UFRGS, por meio do qual Gilberto Kmohan obteve o título de Mestre em Comunicação e das sucessivas manifestações sobre o assunto no Observatório, é importante dar notícia aos leitores do OI dos desdobramentos do caso. A denúncia da fraude foi feita à Reitoria da UFRGS em 3 de maio de 2001, logo há 3 anos e 4 meses.
Da denúncia até hoje, o autor do plágio sequer foi chamado a dar explicações sobre o assunto, nas sucessivas e ilegais comissões (não me refiro a processos administrativos disciplinares inócuos) criadas na Universidade para investigar o caso. Nem ele, nem os membros da banca ou seu orientador Sérgio Capparelli. Muito menos o denunciante – no caso eu-, ou o professor Francisco Rüdiger, da UFRGS que, depois de interar-se do processo, manifestou-se em vários artigos sobre a fraude e suas implicações éticas, também no OI. Uma das comissões ilegais inventada na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico), denominada de Estudo Técnico e formada por três doutores, chegou a levantar a hipótese de plágio não intencional, na tentativa de, algum modo, salvar uma farsa que compromete os integrantes da banca que direta ou indiretamente, por negligência, imprudência ou incompetência, a exaltaram quando de sua avaliação.
Ao longo destes mais de três anos, o caso não foi esquecido. Entre professores e alunos da UFRGS, tornou-se motivo de comentários sarcásticos e vem dando margem a especulações, por sua longeva inconclusão. Duas delas são mais salientes: (a) ou houve a fraude e por alguma misteriosa razão, ela está sendo acobertada para preservar os integrantes da banca (b) não foi bem assim e o que há de falso na dissertação de Kmohan é acidental e relativamente comum em trabalhos acadêmicos. Nessa segunda hipótese, todo o assunto teria sido supervalorizado pelo denunciante, talvez por algum interesse pessoal, e a Universidade está certa em não expor a banca a uma traumática censura, ainda que indireta, ao tomar precauções quanto à decisão de cassar o diploma de Kmohan.
Ótica da legalidade
Por isso, deixemos as coisas claras, porque há quase 3 anos e meio venho sendo alvo destas e outras especulações, algumas, aliás, rasteiras. Não há dúvida quanto a ter havido a fraude. Se todos que falam no assunto com base no que ouviram dizer tivessem acesso à dissertação, dificilmente alguém seria capaz de justificar a atitude da Universidade. Não se trata, como jamais se tratou, de uma discussão quantitativa menor, de uma pequena cópia aqui ou acolá ao longo de um trabalho extenso. Das 101 páginas (Introdução, 3 capítulos e conclusão) da dissertação, 35 foram plagiadas e 20 preenchidas com citações curtas de terceiros. Ou seja, o autor da fraude escreveu 46 páginas. As demais 55 são de autoria de terceiros, que ele ou citou (20 páginas) ou plagiou (35 páginas). Foram 15 obras plagiadas, de 10 autores: Sérgio Paulo Rouanet, Jeanne Marie Gagnebin, Willi Bole, Olgária C. F. Matos e Leandro Konder (brasileiros) e Walter Benjamin, Hannah Arendt, Hélio Piñón, Ana Lucas e Susan Buck-Morss. Se somados ao excesso e ao tamanho das notas de rodapé (muitas das quais também plagiadas) e às quase 400 linhas de citações longas embutidas no corpo principal do texto, de cada 20 linhas por página que constam da dissertação, apenas 7 foram escritas por Kmohan!
Trata-se, sem qualquer dúvida, de fraude acintosa que, mesmo assim, permanece até agora imune a qualquer atitude da universidade, que se nega a aplicar o que determina a lei para casos destes tipo. Mas é importante acentuar: enquanto a Universidade permanece inerte, O Ministério Público Federal ofereceu, em 3 de maio deste ano, denúncia por crime de falsidade ideológica contra o fraudador Kmohan. O processo está em fase de instrução na Justiça Federal.
A ação do Ministério Público Federal acentua a constrangedora posição da UFRGS. Ação que, pelo que se tem notícia, não se esgotou no âmbito criminal. A Procuradoria da República no RS investiga o assunto no âmbito civil-administrativo, ou seja, sob a ótica da legalidade e da probidade dos procedimentos administrativos da universidade nesse mal-cheiroso caso.
Padrões amesquinhados
Ao longo desses mais de três anos, a Administração Superior da UFRGS vem protelando sua decisão acerca da simulação que fez de um espertalhão um mestre diplomado pela Universidade. É incompreensível que tenha chegado a esse estágio de embromação, para dizer o mínimo, diante de uma aberração acadêmica, que, até hoje, só atiçou conflitos internos, perseguição e retaliação. Como denunciante da farsa, passei a ser eu o suspeito de conspirações e, por incrível que pareça, cheguei mesmo a responder uma sindicância depois de ter sido ofendido pelo desnorteado Sérgio Capparelli, orientador do plagiário e reagido à ofensa. Sei inclusive, que a ofensa foi enviada por escrito, na forma de carta ao OI, mas que seu autor, certamente com medo das conseqüências de sua publicação, à última hora, pediu que não fosse publicada.
Uma coisa, no entanto, é certa: o empurra-empurra de comissões que nada investigaram, mostram uma Universidade incapaz de enfrentar a falcatrua, a negligência e, enfim a fraude. Colocar a sujeira embaixo do tapete e esperar que o tempo relegue o caso ao esquecimento, só tem favorecido a impunidade, tanto de negligentes, como do fraudador obviamente, que continua a desfrutar do diploma que obteve por meio do furto intelectual. Todos protegidos pelo manto da burocracia administrativa.
Agora, foi finalizado o terceiro processo administrativo disciplinar instaurado para investigar a fraude. Os dois primeiros foram extintos e o último se arrastou por 120 dias (foi instaurado em 25 de maio último), sem que ninguém- repito, ninguém-, tenha sido chamado a depor, testemunhar, ou aportar mais informações periciais (mais fontes dos plágios) que pudessem esclarecer como a fraude foi praticada. Nenhum membro da banca foi ouvido, nem o orientador e muito menos o fraudador. Este permanece num casulo administrativo porque dizem os doutos agentes administrativos da universidade que ele não pertence mais a ela. Sofisma barato, porque o diploma do qual ele desfruta foi outorgado pela Universidade e se o foi de modo ilícito, deve ser cassado.
Nada, portanto mais brutal, do ponto de vista administrativo que essa conduta, que terminou por amesquinhar os padrões éticos da Universidade. Rebaixamento do qual se aproveitaram corporações de medíocres que fazem, até mesmo, com que o crime acadêmico compense.
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Jornalista, doutor em Filosofia e professor da UFRGS