Geografia Política ou simplesmente geopolítica. Este é um termo que provavelmente poucos sabem o significado, mas que é responsável por grandes mudanças no estudo da realidade de uma nação. Estudar geopolítica é observar a estratégia, a manipulação e a ação de um país. Isso ficou um pouco mais claro após a Segunda Guerra Mundial, quando o capitalismo e o socialismo foram confrontados num conflito entre Estados Unidos e União Soviética. Mais tarde, com o enfraquecimento desta última, houve um liberalismo político em boa parte dos países da Europa Oriental e aconteceu uma nova transformação na sociedade mundial: a globalização.
Praticamente todos aderiram ao sistema capitalista. Os que não o fizeram, foram logo classificados pela imprensa e, conseqüentemente pela população, como ameaças à democracia. Mas antes de fazer uma análise mais aprofundada de como os veículos de comunicação brasileiros retratam essa questão, é preciso entender primeiro o que são esses conceitos.
São considerados como direita os governos capitalistas, que geralmente apóiam os valores tradicionais, conservadores. Esses líderes defendem a preservação das leis e dos direitos individuais e a restrição do Estado como controlador da economia. Favorecem também o status quo (manutenção de um sistema). Por outro lado, os governos de esquerda defendem o humanismo e o fortalecimento do Estado. Tradicionalmente, esses governos eram associados também ao socialismo, mas esse conceito praticamente acabou com o fim da União Soviética. O mais comum atualmente são países de esquerda que são capitalistas. Eles adotam a economia de mercado, porém, com rigorosa distribuição de renda.
O professor Nielsen de Paula, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, acredita que a queda do comunismo enfraqueceu a esquerda. Ele explica que, depois da década de 1990, quando o socialismo desmoronou, a economia de mercado tornou-se predominante. Segundo ele, nesse período foi preciso fazer uma série de reformas no Estado. É nesse ajuste, afirma, que alguns países vão se aproximar mais do modelo norte-americano e outros não, ou irão fazê-lo com mais lentidão. ‘Todas essas reformas são para ajustar o Estado e a economia à nova realidade mundial, onde não existem mais economias planificadas, e sim, a maioria das economias de mercado é aberta’. Pires enfatiza que toda a questão parece estar fundada neste problema: abrir ou fechar o mercado.
Favoritismo ao modelo norte-americano
É aí que entra um ponto fundamental na análise do conteúdo da mídia. A geopolítica americana é composta atualmente por líderes de peso, como Luiz Inácio Lula da Silva, George W. Bush, Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e outros menos mencionados, mas muito importantes, como Michelle Bachelet, Néstor Kirchner e Rafael Correa. Entretanto, qual tem sido o viés principal dos veículos de comunicação brasileiros ao retratar esses líderes? Como a mídia fala e classifica cada um deles?
A grande questão do jornalismo ao tratar do tema de geopolítica americana é o problema da simplicidade. É o que ressalta o professor de sociologia Raúl Rojo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Conforme ele explica, a questão é passar informações complexas de forma simples para atingir a compreensão do maior número de pessoas possível, mas, às vezes, os fenômenos são mais complexos do que a linguagem simplificadora pode oferecer. ‘A visão que o jornalismo dá, às vezes, é redutora. Uma espécie de redução em bons, vilões, de esquerda e direita – claro que podemos fazer uma leitura deste tipo –, mas é um pouco empobrecedor do que realmente está por trás’, destaca o professor.
Em contrapartida, Nielsen de Paula analisa que, por trás da imagem que a mídia faz de cada líder, está em jogo outra questão: o modelo econômico que esse líder apóia. ‘Se o líder defende um modelo econômico aberto de mercado, ele seguramente é visto com bons olhos. Onde é que o líder é visto com maus olhos? No caso dos Estados Unidos, quando os direitos humanos são infringidos. E da América Latina, quando o líder quer fazer do Estado o grande controlador de todas as ações da sociedade’.
A socióloga Camilla Massaro, mestranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), complementa que esse tema está em alta na mídia nacional. Ela salienta que, em jornais de grande circulação e na televisão, é possível perceber a ênfase no modelo econômico e político norte-americano e o apoio às decisões do presidente Lula que vão ao encontro deste. ‘Por outro lado, é feita a crítica aos governos de Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales, por exemplo, como forma de neutralizar a possível força que esses governos tenham na América Latina’, afirma.
A revista Veja (07/03/07), por exemplo, apresenta um box com o título ‘O populismo na América’ e considera a América do Sul dividida em dois grupos antagônicos: os países modernizantes (Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai) e o grupo populista, que se aproxima do ‘rançoso socialismo autoritário’ (Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina). E a Época (19/03/07), na reportagem ‘Cadê a Venezuela, companheiro Bush?’, fala do encontro entre Bush e Lula recentemente, onde foi apresentado um mapa do Brasil que invadia as fronteiras da Venezuela, fazendo-a desaparecer. O periódico questiona se a forma como o mapa brasileiro foi apresentado não seria o início do plano de Bush para enfraquecer Hugo Chávez.
Para o contador Geraldo Carlos, diretor suplente do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, essa política econômica norte-americana é enfatizada em todos os momentos de comparações porque esse modelo transmite segurança, estabilidade, confiança e punição. Já o economista Kádiz Tomaz, microempresário em Belo Horizonte, Minas Gerais, analisa que a imprensa é favorável à política dos Estados Unidos. ‘Toda a forma de divulgar a notícia é americanizada. É como se fosse uma cartilha, você dita e todo mundo segue’, salienta.
Caricaturas na mídia
Ao retratar cada um desses líderes americanos, a mídia cria um estereótipo para cada um deles. O professor Thales Castro, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, acredita que isto acontece como uma forma de humanizar ou desumanizar o líder, de gerar emoções. Entretanto, como os meios de comunicação fazem isso? Eles classificam esses líderes como de direita ou esquerda, conservador ou liberal, capitalista ou socialista?
A jornalista Mônica Simioni, colaboradora do Portal Vermelho e membro do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da PUC-SP, explica que a leitura que a imprensa faz de Fidel Castro, por exemplo, é de um autoritário, um ditador, assassino. Chávez, segundo ela, é considerado o ‘cara do mal’. ‘[A mídia] ainda tem essa leitura maniqueísta, o que é muito prejudicial. O mundo não funciona assim, não é assim a política. Isso afasta as pessoas, já cria uma imagem negativa [do líder] e um desinteresse sobre a América Latina’. Já Evo Morales foi criticado até pelo traje que usou no dia em que assumiu o poder. Mônica argumenta que, na verdade, ele estava com uma vestimenta típica, e a mídia simplesmente colocou como se ele não tivesse condição, nem educação para representar o país, além de tentar distorcer os valores da Bolívia.
Para Thales Castro, há uma simplificação muito grande da mídia em classificar Chávez, por exemplo, como um revolucionário de esquerda, neopopulista. ‘É natural, porque estamos falando para um público de massa. O jornalista deve simplificar ao ponto de a grande massa ler, entender e compreender. Agora, no campo da Ciência Política, na nossa área de Relações Internacionais, é mais complexo’, alerta.
Já o jornalista Guillermo Piernes, correspondente internacional das agências Reuters e UPI durante 17 anos, classifica os líderes menos citados da seguinte forma: Michelle Bachelet, do Chile, como de esquerda, conservadora, porém capitalista, ou seja, um modelo de governo semelhante ao do governo Lula. Piernes explica que Néstor Kirchner, da Argentina, é de direita. É considerado capitalista e, como sustém o modelo econômico aberto, também é liberal. E por fim, Rafael Correa, do Equador, é de esquerda, liberal e é socialista, defendendo o fortalecimento do Estado.
Dentre os líderes americanos, os que têm mais freqüência na mídia brasileira são os presidentes George W. Bush, dos Estados Unidos, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil. Ao falar de Bush, Mônica explica que muita coisa vem pronta dos Estados Unidos e a mídia brasileira só reproduz, portanto, tem o viés norte-americano. ‘É um negócio que não é crítico, não trás elementos para uma reflexão, não quer que as pessoas percebam o que de fato está acontecendo’, destaca.
O último deles e não menos importante é o presidente do Brasil, que naturalmente é pauta nos vários meios de comunicação do País. O pós-doutor Luiz Gonzaga Motta, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp), da Universidade de Brasília, afirma que, no geral, o governo Lula foi muito mal tratado pela mídia durante a campanha eleitoral. Ele ressalta que, passada a campanha, a cobertura mudou e, portanto, depende também do momento a que se refere. A mídia é crítica em relação aos governos. ‘Os governos de esquerda e particularmente do PT têm maior cobertura porque representam algo novo, inovam mais – novidade é um valor notícia forte’. Além de ter maior vigilância, segundo ele, porque ameaçam mais as estruturas estabelecidas. Motta destaca que a mídia é uma instituição conservadora e representa, quase sempre, os interesses estáveis, principalmente do mercado, que afetam o departamento comercial.
Suposto atentado à liberdade de imprensa
Um grande problema da mídia brasileira é a forma como muitas informações são apenas colhidas das agências internacionais. Muitos veículos não têm condições de manter correspondentes in loco. Piernes salienta que os meios brasileiros têm razoável, porém limitada, correspondência no local do fato. E por isso, ele afirma, dependem preponderantemente das agências internacionais, onde as pautas são focadas em primeiro lugar aos principais mercados, ou seja, veículos do chamado primeiro mundo.
Ao depender dessas agências, deve-se analisar outra questão muito discutida no meio jornalístico, que é o fato de líderes como Chávez serem vistos como uma ameaça à liberdade de imprensa. Piernes acredita que a liberdade de imprensa sempre esteve e está ameaçada em todos os países, seja por argumentos de guerra, de segurança nacional, de abuso do poder econômico. ‘Chávez não é exceção apenas. A sua ameaça à imprensa tem mais repercussão porque está enfrentando o império do século’, numa clara referência ao embate entre Chávez e Bush. Ele enfatiza que a única grande defesa dessa liberdade é o nível de conscientização dos povos sobre a importância de preservar esse direito de todos, em toda circunstância.
E o povo?
Já é fato que a mídia cria estereótipos para os líderes americanos. Contudo, será que a população brasileira consegue assimilar isto? O economista Kádiz Tomaz nota que as pessoas vêem esses líderes exatamente da forma como a mídia apresenta: ‘Elas compram o que se está vendendo. Ainda que a mídia coloque uma mentira, até que se prove o contrário, todo mundo acredita’.
Na sua maioria, a população brasileira é muito mal informada com enchentes de informações frívolas misturadas com notícias relevantes, o que caracteriza a nova onda de desinformação. Piernes lembra essa realidade e destaca que o estereótipo de cada líder é assimilado pela população coerentemente com este quadro. ‘Com uma maioria semi-analfabeta e esforços parciais públicos e privados para rever o quadro, muitos brasileiros não sabem quem é Morales ou pensam que Correa pode ser um próximo reforço para o Corinthians’.
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Estudantes de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)