Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dia da Consciência Negra passa em branco

Há 35 anos, um grupo de pesquisadores e militantes do movimento negro se reuniu em Porto Alegre para repensar a presença dos afro-descendentes na história nacional. O encontro ‘depôs’ o 13 de maio e propôs o 20 de novembro, alusivo a Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. Nasceu o Dia da Consciência Negra, e passadas três décadas e meia, mais de duzentos municípios brasileiros não só adotaram a data como a transformaram em feriados locais.

Nos jornais, a presença do negros e pardos ainda perpetua as condições que os discriminam nas outras esferas da sociedade. Este Monitor de Mídia debruçou-se sobre os jornais da segunda, 20 de novembro, na tentativa de delimitar a presença desses personagens e observar alguma alteração na cobertura cotidiana.

DC: para não esquecer da data

Na edição dominical de 19/11, o Diário Catarinense somente referenciou o Dia da Consciência Negra. Dentro do caderno ‘TV+Show’, na seção ‘Tv+Semana’, o jornal destacou a programação especial para a segunda-feira, com o filme ‘Filhas do Vento’, que tem a atriz Thaís Araújo como uma das protagonistas.

No dia seguinte, a Consciência Negra ganhou espaço somente em uma matéria. Na editoria ‘Geral’, ocupando meia página, a matéria ‘Dia contra o racismo’ foi apresentada nos moldes padrões do jornalismo. O texto somente descreveu a programação alusiva à data pelo Estado e explicou a origem das comemorações, sem aprofundar o tema.

Na terça (21/11), diferente das duas edições anteriores, o DC não publicou nada sobre o Dia da Consciência Negra. Não havia repercussão ou desdobramento da programação noticiada. O que mais chamou a atenção é que não foram publicados artigos ou cartas discutindo a comemoração. Indiferença geral…

Santa: Constrastes

Nem mesmo no Dia da Consciência Negra o Jornal de Santa Catarina dedicou um espaço relevante aos afro-descendentes. A única menção ao dia foi feita no caderno ‘Lazer’, com a pequena matéria de capa ‘História em preto e branco’. A reportagem, na verdade, não foi diretamente relacionada à data, mas, ao filme ‘Cafundó’, de Paulo Betti. Como o longa-metragem conta com a participação do brusquense Márcio Fumagalli no elenco e com o apoio de empresas de Brusque, o fato obteve certo destaque. O jornal justificou a escolha da matéria no Dia da Consciência Negra pelo fato de a película contar a trajetória do ‘preto velho João Camargo’ – o homem que foi considerado o Papa Negro do Brasil.

Além de o espaço dedicado ter sido pequeno, só a foto e o título da matéria já ocupavam mais da metade do espaço disponível, ou seja, o texto pouco desenvolveu sobre o assunto. A mini-entrevista com Paulo Betti também não focou o assunto ‘negros’, mas como fica o mercado cinematográfico quando esse tema entra no meio. Por se tratar de uma data nacional, é de se espantar que nem na editoria ‘Opinião’ o jornal publique algo sobre este tópico – seja artigo, carta ou editorial. Ainda na entrevista, a frase de destaque foi: ‘O Brasil tem desejo de branqueamento’. Pelo jeito, o Santa também tem.

A Notícia: discussão de idéias

Dos maiores jornais catarinenses, A Notícia foi o que apresentou mais conteúdo acerca da Consciência Negra. Apesar da edição anterior dominical não ter tratado do assunto, no dia 20/11, o jornal destacou a comemoração. A partir do editorial ‘Consciência Negra’, o periódico criticou ferozmente a disparidade ainda existente entre brancos e negros, além da indiferença pela causa existente na sociedade.

A discussão da data no AN se deu através de artigos como ‘O direito da igualdade’ e ‘Ter consciência negra’. Os textos demonstraram ter o claro intuito de instigar a auto-estima nessa ‘negritude’, tanto violentada através dos tempos. Já na editoria ‘Destaque’, a reportagem ‘Pela terra e pela sobrevivência’ apresentou a vida dos quilombolas, da Envernada dos Negros, no meio oeste catarinense.

No dia seguinte, o periódico apresentou matérias na editoria ‘Geral’ que retrataram as atividades pelo estado, alusivas ao Dia da Consciência Negra. Nisso percebeu-se a preocupação do A Notícia com a discussão do tema, através de suas reportagens que retrataram a realidade e os artigos que instigaram ao pensamento crítico da causa.

Jornalismo de calendário ou não?

Este Monitor de Mídia é um constante crítico do jornalismo que se atém ao calendário. Sob essa queixa está o pressuposto de que não se precisa constar na agenda para que um tema ou personagem sejam enfocados, mereçam cobertura jornalística. O aspecto da relevância já justifica essa abordagem, esse cuidado.

Neste sentido, este Monitor entende que o Dia da Consciência Negra poderia até ter passado em branco caso as lutas, causas e pautas alusivas à negritude e aos afro-descendentes tivessem maior espaço nas páginas dos jornais catarinenses. Mas não é isso o que se vê. Em recente pesquisa, a acadêmica Marjorie Basso concluiu que os jornais estampam pouco negros e pardos em suas fotografias. Menos do que eles representam como população no estado. E pior: esses personagens aparecem, em geral, em editorias que ajudam a reforçar os preconceitos que rondam. Quase nunca se vêem fotos de negros em editorias como a de Política ou de Economia, ou mesmo nas colunas sociais. Os jornais são racistas? Não. A sociedade é racista, discrimina, segrega. O jornalismo de calendário redime a todos? Também não. Mas destacar as lutas por uma sociedade mais justa e equilibrada é uma pauta da qual nenhum jornal pode se desviar.

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