Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Direito de resposta

Gostaria que o jornal O Estado de S. Paulo publicasse esta carta, em resposta ao editorial veiculado no dia 21/9, sobre ‘A greve da USP’. Espero que o jornal conceda espaço para que seus argumentos possam ser rebatidos, sem que se precise recorrer à Justiça para tal.

1) Já no seu título, o editorial erra. Esquece que o movimento pela derrubada do veto de Alckmin não se restringe à USP. Estudantes, funcionários e professores da Unesp, Unicamp e das Fatecs também participam das mobilizações.

2) O editorial esquece da grande participação estudantil durante os atos na Assembléia Legislativa e na própria greve. Isso derruba um dos mais fortes argumentos do jornal, que é o caráter corporativista da reivindicação. Estudantes não possuem outro interesse que não a melhoria da universidade, desvinculada de campanhas salariais enumeradas pelo Estado.

3) Quando o editorial foi publicado, os funcionários, em assembléia, haviam decidido retirar-se da greve, após idêntica decisão de docentes e estudantes.

4) Quanto à suposta ‘insensibilidade social’ dos grevistas, deve-se dizer que, apesar de contar somente com a participação da comunidade universitária, o movimento luta pelo aumento de verbas para a educação pública como um todo, notadamente para a de nível fundamental e médio – hoje em estado calamitoso. Esta luta não parece ser insensível às necessidades da parcela mais humilde da população paulista, sem dinheiro para pagar colégios particulares para seus filhos.

5) Não vejo problema algum no fato de o governo ‘engessar’ seu orçamento numa área tão obviamente essencial como a educação pública. A liberdade do Executivo, pregada pelo editorial, desconsidera o descaso com que vem sendo tratado o tema ao longo dos anos. O governo FHC conseguiu colocar muitos jovens na escola e reduzir a evasão, mas não se preocupou com a qualidade de ensino – maior bandeira dos grevistas. Educação deve ser, sempre, prioridade, ainda mais num país tão carente como o nosso.

6) O modo nebuloso como são geridas as verbas destinadas às universidades é uma outra bandeira do movimento estudantil e sindical dentro dos campi. Há muito tempo pedimos mais transparência e voz nas instâncias administrativas, já que as universidades paulistas possuem uma estrutura bastante autoritária e, como se gosta de dizer, ‘meritocrática’. No entanto, este argumento não é válido para desqualificar a luta por mais verbas, mesmo porque estas não se destinariam somente à universidade. Apesar de relacionadas, as lutas são diferentes.

7) O objetivo da greve é derrubar o veto do governador. Agora, é lógico que a imagem de Alckmin seria arranhada quando a população soubesse que seu governo, desconsiderando a atual situação das escolas, não destina mais verbas para a educação estadual. Sim, não podemos esquecer que, em sua gestão, Alckmin expandiu vagas nas universidades. Criou campi da Unesp e da Fatec no interior e um campus da USP na Zona Leste de São Paulo. Para isso foi destinada uma verba extra-orçamentária, que mingua neste ano. Depois, as despesas das novas unidades, cujos gastos tendem a aumentar com a chegada de novos alunos, caem na receita dos 9,57% (e não 9,75%, como diz o editorial) que hoje sustenta o ensino superior paulista. É, no mínimo, irresponsabilidade do governo expandir vagas sem aumentar as verbas. Daí a única reivindicação propriamente universitária desta greve: manutenção do nível de qualidade das instituições.

8) A decisão pela manutenção da greve, quem esteve na assembléia viu, foi dos próprios funcionários, não da direção do sindicato. Esta, por sinal, argumentou contra a continuidade da greve e foi derrotada pela maioria.

9) É muito estranho o editorial falar em ‘comportamento violento’ dos funcionários que levantaram um piquete no prédio da administração da FFLCH, impedindo a reunião da Congregação da unidade. Estranho porque o Estadão simplesmente ignorou, tanto nos editoriais quanto na parte noticiosa do veículo, a repressão policial contra os estudantes, em 14 de setembro, em frente à Assembléia Legislativa. Ao serem impedidos de acompanhar os trabalhos dos deputados, cerca de 800 estudantes fizeram uma passeata pacífica na Av. Pedro Álvares Cabral. Menos de dois minutos depois de ocuparem a via, foram recebidos pelo batalhão choque, com bombas. Uma dezena deles, fugindo da violência, foram perseguidos pelo helicóptero da PM e detidos a mais de dois quilômetros dali. Por quê? Por se manifestarem contra o governo. Tanto que foram liberados da delegacia duas horas depois, sem registro de queixas.

10) ‘Quem recorre à violência contra professores não tem autoridade para defender a educação’, diz o editorial. E quem recorre à violência para reprimir trabalhadores, estudantes e professores, tem autoridade para quê? É legítimo de um governo que se diz democrático calar seus críticos pelo uso da força? Vivemos numa democracia, afinal?

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Estudante de jornalismo da ECA-USP e diretor do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (Calc)