Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A espetacularização da educação

Um professor de ensino básico enfrenta vários desafios ao longo de sua carreira: classes superlotadas; alunos problemáticos, indisciplinados e muitas vezes violentos; colegas de trabalho estressados, diretores omissos e a falta de material didático adequado para ministrar as suas aulas estão entre as principias reclamações dos profissionais da educação. Tudo isso sem contar o baixo salário, o que faz da carreira docente uma das mais mal remuneradas entre as profissões que exigem curso superior.

Não bastassem todas estas mazelas, nas últimas décadas surgiu um novo tipo de professor que vem contribuindo significativamente para banalizar o magistério. Trata-se do “professor-show” (ou “professor-popstar”); docente que, sob o pretexto de tornar as aulas mais atrativas, apresenta uma postura anedótica em sala de aula, com atitudes que beiram o ridículo. Com uma postura que privilegia aspectos performáticos em detrimento dos conteúdos pedagógicos, não demoraria muito para o “professor-show” chegar à programação televisiva.

Eis que surge, então, o quadro “Conselho de Classe”, exibido pelo Fantástico. O quadro em questão (realizado nos moldes de umreality show)acompanha, desde o início do ano letivo, a rotina de quatro professores – Ernesto (Matemática), Walter (História), Elaine (Língua Portuguesa) e Érica (Biologia) – de uma escola pública do Rio de Janeiro.

O que é “eletrizar a plateia”

No programa exibido no domingo (04/12), o destaque foi o professor de História, Walter Lopes, que assevera ter a fórmula infalível para controlar uma turma de adolescentes e manter todos eles “ligados” na aula: promover aulas mais divertidas, dinâmicas e interativas. A partir de então o que se viu foi uma sucessão de situações anódinas, que lembravam mais um programa de auditório do que uma sala de aula. O professor Walter, que abusa de gírias e trejeitos estranhos, começa o seu trabalho afirmando: “Tem que estar ‘ligadão’ na aula para responder assim, de bate-pronto.” Desse modo, com um tom de voz consideravelmente alto, inicia uma atividade de pergunta e resposta com seus alunos: “É assim que eu quero, preciso de vibração, pô!”

Posteriormente, ao questionar a não participação de alguns alunos, o professor abusa de um sentimentalismo barato, digno de uma novela mexicana: “Eu sou um professor carente, eu preciso de atenção.” A sala de aula se transforma então em um palco, onde o que importa não é a assimilação do conhecimento, mas “eletrizar a plateia”. O depoimento de uma aluna resume bem a aula do professor Walter: “No final, ele faz uma palhaçada e aula fica bem mais legal.”

Desserviço à educação

Evidentemente, não estou defendendo o método tradicional de ensino, baseado em uma pedagogia meramente repetitiva e autoritária. Lembrando Adorno, a educação deve ter como princípios evitar o autoritarismo e buscar a emancipação humana. No entanto, resolver os problemas disciplinares em sala de aula é uma questão complexa que envolve desde aspectos intraeducacionais a fatores extraeducacionais. Obviamente, fazer da sala de aula um picadeiro não vai, em hipótese alguma, solucionar esta questão.

Portanto, um professor não pode contribuir para melhorar a educação brasileira transformando suas aulas em um espetáculo circense (com todo o respeito aos profissionais dessa área) ou se expondo ao ridículo, dançando de forma escalafobética na TV. Exercer o magistério é uma atividade séria, não é um entretenimento.

Em suma, o quadro “Conselho de Classe”, ao apresentar alunos e professores em situações esdrúxulas, é mais um desserviço prestado à educação por parte da grande mídia.

***

[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]